Morador da favela Heliópolis desaparece depois de ser abordado por oficiais da PM

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Um jovem de 18 anos, morador da favela de Heliópolis (SP), saiu de casa para, segundo a família, comprar coxinhas, na companhia de outros dois menores de idade, e desapareu. Imagens revelam que Wallace Araújo Souza foi abordado por um homem que se disse policial militar, e o agrediu, por estar sem documentação no momento. Uma viatura da PM com outros oficiais também aparecem nas últimas imagens de Wallace. A família denunciou o caso e a Secretaria de Segurança Públia de São Paulo ainda não descobriu o paradeiro do jovem.

Estudante sai para comprar coxinha, é espancado, detido pela PM e desaparece

Do Ponte.org

A gestão do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), não sabe responder onde está o estudante Wallace Araújo Souza, 18 anos. O rapaz é morador da favela de Heliópolis, uma das maiores da cidade de São Paulo e filho de um coletor de lixo.

O jovem foi visto pela última vez no início da noite de sábado (25/06), ao ser agredido por um grupo de policiais e, com vida, ser colocado em um carro da Polícia Militar, na divisa entre os bairros do Ipiranga e do Sacomã (zona sul de São Paulo).

Wallace tinha sequelas de um atropelamento sofrido aos nove anos de idade. No acidente, ele teve afundamento de parte de sua cabeça, que ficou sem parte da caixa craniana.

Ao registrar o desaparecimento de Wallace no Corregedoria da PM, na terça-feira (28/06), familiares do rapaz receberam a seguinte resposta do órgão: “Voltem daqui dez dias para saber no que deu [a investigação]”. Em tempo, um documento da Corregedoria entregue à família de Wallace diz “dez dias úteis”.

Ao lado de dois amigos, um de 14 e outro de 11 anos, o rapaz saiu de casa, na favela Heliópolis, por volta das 18h, para comprar coxinhas.

Um dos amigos de Wallace, identificado nesta reportagem sob o pseudônimo de Jota, afirmou que os dois e o menino de 11 anos caminhavam pelo cruzamento das ruas Silva Bueno e Lima e Silva, no Ipiranga, quando foram surpreendidos por um homem que, armado, estava em um veículo Gol, cinza, acompanhado de uma mulher e uma criança.

Jota conta que o motorista do Gol, com a arma em punho, parou o carro perto do trio de jovens e gritou “perdeu, ladrão!”, o que causou espanto nos garotos, pois os três pensaram que seriam roubados.

O motorista do Gol gritou, logo em seguida, que era policial militar e mandou que os três apresentassem seus documentos. Como apenas Wallace estava sem identificação, ele foi separado dos amigos, que acabaram liberados pelo motorista.

Enquanto se afastavam de Wallace e do motorista, Jota e o menino de 11 anos viram que ele foi conduzido para uma parede, onde passou a ser esmurrado e chutado. Os dois foram testemunhas oculares das agressões contra o amigo.

Imagens das câmeras de segurança instaladas na rua Lima e Silva, onde Wallace foi abordado com seus dois amigos, mostram que, às 18h35min58, Wallace é conduzido contra uma parede.

No vídeo abaixo, acima do número 18 que marca as horas do último sábado (25/06), é possível ver as pernas do jovem e de seu agressor.

https://www.youtube.com/watch?v=C7hFQnOB90Y]

Após o espancamento, Wallace e seu agressor permaneceram no mesmo local até as 18h38min23, quando um carro da Polícia Militar de São Paulo se aproximou pela contramão e estacionou no meio da rua. Os dois PMs desembarcaram do veículo e caminharam na direção onde estava Wallace e seu agressor.

A câmera de segurança gravou a movimentação policial até as 18h39min57, quando há um salto na imagem, que volta às 18h40min14, já com a tampa do chiqueirinho do carro da Polícia Militar sendo fechado por um PM. Ao lado desse militar estava o homem que agrediu Wallace, segundo os dois amigos dele.

Às 18h40min28, o agressor de Wallace está cercado por quatro PMs (os dois que chegaram para ajudá-lo no carro da PM e outros dois que seriam da Rocam, grupamento que atua com motos). É possível ver quando o agressor foi cumprimentado por um dos PMs e, na sequência, ele se afastou, acompanhado por uma mulher que vestia blusa branca e calça escura.

Quando o relógio marcava 18h40min53, os quatro PMs se aproximaram do vidro traseiro do carro militar e observaram a parte do chiqueirinho.

Os PMs abriram a tampa do compartimento e ficaram observando até que, às 18h41min20, o agressor de Wallace apareceu dirigindo seu veículo Gol, estacionou perto do carro da PM e também desceu, juntando-se ao grupo de PMs fardados.

Quando o agressor de Wallace ficou ao lado dos quatro militares fardados, a mulher dele atravessou a rua, às 18h41min24, ouviu a conversa do grupo e viu quando o chiqueirinho foi fechado pela segunda vez. Às 18h42min03, a mulher embarcou novamente do Gol do marido, que, com as mãos nos bolsos, continuou a conversar com os militares fardados.

Desde o sábado (25/06), familiares de Wallace já percorreram hospitais, IMLs (Instituto Médico Legal) e delegacias da Polícia Civil em busca do rapaz, mas nenhuma informação foi encontrada.

“Isso só aconteceu porque somos pobres”, disse um tio de Wallace, que pediu para não ter seu nome revelado.
Wallace não tem antecedentes policiais e, de acordo com levantamento no sistema prisional e judiciário de São Paulo, feito junto à SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) e Tribunal de Justiça, ele não está preso nem foi apresentado para participar de audiência de custódia, padrão para prisões ocorridas na cidade de São Paulo.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=Oe2mIU2T9a8

Outro lado

A reportagem fez as seguintes perguntas à Secretaria da Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin:

1 – Onde está Wallace Araújo Souza, portador do RG XX.XXX.XXX-X?

2 – O que a Corregedoria da PM fez até agora para encontrar Wallace, visto pela última vez por volta das 18h30 do dia 25 de junho de 2016, sendo colocado em um carro da PM?

3 – Quem são os PMs que abordaram Wallace no sábado? O que os policiais faziam lá? Como foram acionados?

4 – Os policiais envolvidos no caso continuam atuantes em suas funções profissionais?

5 – O nome do Wallace foi consultado no Copom?

6 – Por que a Corregedoria da PM pediu um prazo de 10 dias para que a família volte a buscar informações sobre o Wallace?

A resposta da Segurança Pública:

“A SSP informa que o desaparecimento de Wallace Araújo Souza, de 18 anos, é investigado pela 4ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do DHPP e pela Corregedoria da PM. As polícias irão analisar as imagens apresentadas pelo reportagem. A Corregedoria da PM esclarece que o denunciante foi orientado a voltar após 10 dias da denúncia para ser informado sobre o andamento da investigação, que foi iniciada imediatamente. O DHPP informa que irá apurar a conduta da delegada por ter entregue o oficio de solicitação de imagens à família da vítima.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. Estamos longe de sermos um

    Estamos longe de sermos um país onde todos tem os direitos iguais.

    E o desespero maior, isso pode se acentuar sob o governo do traíra.

    Onde vamos parar, ou melhor, até onde vamos retroceder.

  2. O que mais assusta
    É o silêncio sepulcral do sr. governador do estado. Parece até que está esperando alguém de classe média alta ser devidamente atingida pela ação policial para se manifestar. Tomar alguma atitude são outros quinhentos.

  3. O que mais assusta
    É o silêncio sepulcral do sr. governador do estado. Parece até que está esperando alguém de classe média alta ser devidamente atingida pela ação policial para se manifestar. Tomar alguma atitude são outros quinhentos.

  4. Foi encontrado

    http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/07/jovem-que-sumiu-apos-abordagem-da-pm-e-achado-na-se-aliviado-diz-pai.html

     

    01/07/2016 18p3 – Atualizado em 01/07/2016 20h00

    Jovem que sumiu após abordagem da PM é achado na Sé; ‘Aliviado’, diz pai

    Ele tem dificuldade para falar e está com ferimentos pelo corpo.
    Policiais militares foram identificados e serão investigados, diz secretário.

    Will Soares e Glauco AraújoDo G1 São Paulo

     

    O casal Adriano dos Santos e Fernanda Araújo encontrou o filho Wallace Araújo Souza, 18 anos, na tarde desta sexta-feira (1º), atrás da Catedral da Sé, no Centro de São Paulo. O jovem estava desaparecido desde sábado (25), após ser abordado por policiais militares na região de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo. A mãe dele procurou a Corregedoria da Polícia Militar para reportar o ocorrido.

    “Estamos aliviados porque ele está vivo, mas ele está feridonas costelas, braços e cabeça”, disse o pai ao G1. Segundo ele, o filho tem dificuldades para falar desde que sofreu um atropelamento aos 9 anos, perdendo parte do crânio. “Ele não conseguia falar direito e nem pedir ajuda”, disse Adriano, que é coletor de lixo.

    Os pais levaram o filho para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde pestaram depoimento nesta sexta-feira. “Ainda não fomos ao IML fazer o exame de corpo de delito”, disse Adriano.

    Mágino Alves, secretário da Segurança Pública de São Paulo, disse na tarde desta sexta-feira que a polícia estava procurando pelo jovem. “Todos os policiais envolvidos nessa ocorrência já foram identificados pela Corregedoria”. Segundo ele, os PMs podem ser afastados. “Nós vamos apurar a conduta desses policiais”, afirmou Alves.

    Em nota, a pasta confirmou que o jovem foi encontrado, mas não esclareceu detalhes da apuração do caso. A Polícia Militar foi procurada pela reportagem do G1 para se posicionar sobre o caso, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

    Segundo Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), o fato de os pais teem localizado o filho não exclui a necessidade de se apurar a conduta policial no caso. “Ainda precisamos saber o que aconteceu naquela noite. Dependendo das investigações, além do depoimento da vítima, mas também das testemunhas, os policiais podem até responder por tortura e sequestro do jovem.”

    Wallace Araújo Souza está desaparecido desde que foi abordado por policiais militares no sábado (25) (Foto: Reprodução/Site da Secretaria de Segurança Pública)Wallace Araújo Souza está desaparecido desde que foi abordado por policiais militares no sábado (25) (Foto: Reprodução/Site da Secretaria de Segurança Pública)

    De acordo com ele, abordagem policial foi registrada por uma câmera de segurança. “Já identificamos os policiais que aparecem no vídeo. Estão sendo ouvidos na Corregedoria [da PM]. A polícia está fazendo diligências para localizar o Wallace. Nós estamos efetivamente procurando o Wallace.

    O secretário disse ainda que caso é isolado. “Não é um caso de confronto. É um caso absolutamente diferente dos outros. É um caso que está no início da apuração. Nós estamos procurando esse rapaz. Ele já teve um histórico de desaparecimento em outras oportunidades. Independentemente de encontrá-lo, já estamos investigando a conduta dos policiais”.

     

     

     

  5. Ditaduras e doenças

    Se a ditadura de ’64 perseguia comunistas, a de agora persegue pobres. Mas será que são mesmo duas ditaduras diferentes? Ou a de agora, mais econômica do que política, é apenas evolução da anterior?

    De qualquer forma, não está certo a PM praticar sua raiva, sua violência e seu medo dessa forma. Se fosse um caso isolado, um eventual psicopata fardado, ainda ia. Retirava-se o doente da corporação e pronto. Mas a própria corporação faz questão de proteger o psicopata

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