Parem de matar nossos policiais, por Gustavo Roberto Costa

do Coletivo Transforma MP

Parem de matar nossos policiais

por Gustavo Roberto Costa

Os números são chocantes. Neste ano, 91 policiais militares já foram assassinados, somente no Estado do Rio de Janeiro (após o fechamento desta coluna, já foram mais dois). O 91º foi um sargento que fazia patrulhamento pela Favela do Vidigal, Bairro do Leblon [1]. No dia anterior havia ocorrido o enterro de outro policial militar, também morto a tiros em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense [2]. O número de policiais mortos no estado carioca em 2017 já superou o de 2016, quando o número total foi de 77 [3]. Muitos policiais são mortos fora de serviço [4], quando estão voltando para casa ou fazendo os famosos “bicos”. Só em 2016, foram 54 os que morreram em São Paulo nessas circunstâncias [5].

Para além dos números, os agentes estatais deixam filhos, esposas, mães, pais, netos. Uma tragédia de escala monumental. Com o crescimento do número de baixas nos órgãos de segurança pública, duas conclusões se impõem:

A primeira é a absoluta incapacidade da lei penal em resolver, ainda que minimamente, o grave problema da segurança pública. Lembre-se que, em 2015, foi promulgada a Lei n. 13.142, que incluiu no Código Penal mais uma hipótese de homicídio qualificado, desde que praticado contra autoridades ou agentes de segurança, “no exercício da função ou em decorrência dela” (art. 121, § 2º, VII). Como se vê, nenhum efeito prático causou. Para lembrar o pensamento do grande Zaffaroni, “é incontestável que a racionalidade do discurso jurídico-penal tradicional e a consequente legitimidade do sistema penal tornaram-se ‘utópicos’ e ‘atemporais’: não se realizarão em lugar algum e em tempo algum”[6].

A segunda é o completo, eloquente e inequívoco fracasso do enfrentamento. Não há mais como se apostar somente na lógica do combate e da guerra para lidar com a questão. A política criminal com derramamento de sangue (expressão de Nilo Batista) precisa urgentemente sair de cena.

As mortes dos policiais militares (muitos deles vindos das classes mais humildes da população), em serviço ou fora dele, são lamentáveis. Mas são consequência da política de repressão e violência que se exerce há anos sobre as populações pobres e miseráveis do país.

Segundo o 10º Anuário Brasileiro da Segurança Pública [7], em 2014, o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil foi de 3.146, e, em 2015, de 3.320. Conforme o mesmo documento, o número de mortos pelas forças de segurança em São Paulo, em 2014, foi de 958, e, em 2015, de 848. No Rio de Janeiro, no mesmo período, os números foram 584 (2014) e 645 (2015). Só no primeiro trimestre de 2017, foram 459 pessoas mortas por policiais em São Paulo (uma média de cinco pessoas a cada dois dias). No primeiro trimestre de 2017, 30 policiais militares morreram no estado paulista em razão de sua condição profissional [8].

Não é difícil saber qual o perfil das pessoas que usualmente são mortas em confrontos (ou fora deles) com a polícia: jovens, negros e pobres são líderes absolutos das estatísticas. No Rio de Janeiro, levantamentos mostram que de cada 10 pessoas mortas pela polícia, 9 são negras ou pardas, cerca de metade são jovens de até 29 anos de idade e a grande maioria das ocorrências acontecem nas periferias (somente 1% das mortes foram na Zona Sul da cidade carioca) [9]. A polícia que mais morre é também a que mais mata. Isso tudo sem contar as vítimas de balas perdidas.

Como o Estado quer alcançar a paz produzindo mais e mais violência? E agora o governo federal volta a intervir (ilegalmente) no Rio de Janeiro com o Exército, desvirtuando completamente a instituição de seus fins constitucionais [10]. Dá para imaginar quais serão as principais consequências e os mais prejudicados por essa atitude ilícita e irresponsável.

A guerra declarada contra o crime (o inimigo comum) esconde a faceta mais cruel do problema: a criminalização da pobreza [11]; a legitimação da política penal “como programa desigual de controle social, agora revigorado para a repressão seletiva de favelas e bairros pobres das periferias urbanas, especialmente contra a força de trabalho marginalizada do mercado, sem função na reprodução do capital”, nas palavras do penalista Juarez Cirino dos Santos [12].

A verdade é que não podemos diminuir drasticamente o número de policiais mortos se não criarmos mecanismos de redução da letalidade policial. Toda ação gera uma reação. Enquanto a política de segurança adotada for de pânico, extermínio e destruição (como diz o lúcido Orlando Zaccone) [13], haverá baixas de ambos os lados.

O primeiro – e inadiável – debate a ser feito é o da descriminalização e regulamentação da produção, comércio e consumo das drogas hoje ilícitas, cuja proibição é a maior causa de violência, encarceramento e mortes no país. E o segundo – e certamente não o último – é a mudança da lógica da guerra pelas polícias. É preciso compreender que o combate em moldes bélicos também traz muitas consequências para os policiais, cujas vidas devem ser preservadas. Chega de ver policiais virarem números.

O confronto mostrou-se ineficaz – ao menos para alcançar seus objetivos declarados, de proteção social e manutenção da ordem. O grande problema são seus objetivos ocultos, notadamente a concessão de poderes infinitos às agências de controle do crime e a relativização – quando não a supressão completa – de direitos e garantias fundamentais (tanto de criminosos como de inocentes).

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Gustavo Roberto Costa – Promotor de Justiça em São Paulo. Membro fundador do Coletivo por um Ministério Público Transformador e membro do Movimento LEAP-Brasil – Agentes da Lei contra a Proibição.

1. http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/mais-um-policial-militar-e-morto-no-rio.ghtml

2. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/23/sargento-e-assassinado-no-rio-e-mortes-de-pm-chegam-a-91-em-2017.htm.

 
 
 

6. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas – a perda de legitimidade do sistema penal.  Rio de Janeiro. Ed. Revan, 1991, 5. ed. Rio de Janeiro, p. 19.

 

 

6 Comentários

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  1. Estímulo ausente

    O artigo do promotor Gustavo tem um ótimo título,um apelo que brada. Mas, no geral, o texto se alonga na violência da polícia contra pobres e se  omite em uma questão essenciail  para se ter uma boa polícia: a ausência de estímulo. É uma questão abrangente que passa principalmente pelas condições de trabalho dos policiais. Não é justo o policial ter que fazer bico, um bico incentivado e aprovado pelo governo do estado (pelo menos em São Paulo). Em vez de descansar, ele se estressa mais e nessa codição volta para o serviço público. Não é justo o policial enfrentar bandidos que têm armas melhores e mais poderosas do que as autoridades. Não é justo e nada estimulante um policial se defrontar e prender sistematicamente criminosos que, em pouco tempo saem das prisões beneficiados por rápidas e as vezes fatais decisões do nosso lerdo e dispendioso Judiciário que recebem valores  bem bem  maiores do que os  aqueles que trabalham na segurança pública (policiais, carcereiros  etc). Seus salários são indignos, principalmente em SP. É preciso parar de matar policiais, mas não se pode culpar só as ações truculentas dos agentes da lei e a criminalização da pobreza  como razões dessas mortes. Vamos tratar do estímulo ausente.

  2. Ahã… descriminaliza-se as

    Ahã… descriminaliza-se as drogas e tchan, tchan, tudo muda? A mega operação  no sábado teve como foco o roubo de cargas. Vai se descrinalizar também o roubo de cargas? Ok. Que tal abolir o código penal na íntegra? Não haveria mais criminosos – pois crimes não mais existiriam –  e nem a polícia para combtaê-los. O melhor dos mundos. Um verdadeiro paraíso. 

  3. Culpa de Tropa de Elite e da guerra às drogas

    Culpa, no varejo, de Tropa de Elite, o filme, que romantizou a estúpida estratégia do matar ou morrer.

    Culpa, no atacado, da estúpida guerra às drogas. Se pular de parapente ou praticar esportes radicais com alto índice de mortalidade como skyjump não é crime, porque o Estado tem que se meter a proibir o consumo de substância X ou Y pelos cidadãos?

    1. Não li a matéria e nem vou
      Não li a matéria e nem vou ler.
      O meu comentário acima foi pelo título da matéria.

      Quem é o segmento social mais fraco no contexto atual

  4. É incrível! Uma situação

    É incrível! Uma situação destas e ainda se pensa de forma corporativa! Não passa pela cabeça de nenhum analista discutir aquilo que todo cidadão da periferia sabe de cor: a corrupção policial mata muito mais aos policiais do que o crime organizado! A ausência do tema é ainda mais gritante quando o analista é policial. Este é um tabu do qual eles próprios têm pavor de mencionar. Mas, enquanto o policial tranqueira vai na biqueira pegar seu quinhão, enquanto o sujeito fala pra todo mundo que quem faz a lei é ele, intimidando o cidadão comum quando este faz sua parte, o policial que morre é o chamado X9, traidor da corporação, bunda-mole, etc. É ele que vai fazer bico pra compensar o salário baixo enquanto seus coleguinhas ganham rios de dinheiro dando proteção pra traficante, aliciando menores, cooptando aqueles que se encontram em situação de risco.

    Pergunto, com toda boa vontade, policiais honestos não sentem raiva desta situação? Não pensam em abrir a boca? Por que não se organizam??? A resposta é óbvia: a introjeção burra do senso corporativo o impede.

    Policial, se não é bandido, é burro. E se for bom, vira presunto. Pela mão de seus próprios colegas de trabalho. Há infintas formas de se matar um colega. É só fazer uma casinha de caboclo pro cara. Quem não se esquece do menino “problemático” que matou toda a família – pai e mãe PMs – depois que os pais denunciaram colegas corruptos? Coincidência? Alguém acredita nesta história?

    A polícia é o que é por que o Estado sabiamente seleciona apenas covardes pra compor seus quadros. Pode ser que nem todos sejam bandidos (pode ser?), mas que, com certeza são covardes e burros, não tenho dúvidas. O bons e íntegros não ficam na PM. Pedem demissão ou morrem.

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