Um fracasso em Copa do Mundo suscita muitos comentários, muitas interpretações. Não se trata de uma mera competição esportiva. A Copa do Mundo tem influência marcante sobre o imaginário nacional, sobre a auto-estima.
Grosso modo, há dois tipos de interpretação sobre a falta de garra dos jogadores, algumas no plano esportivo, outras no plano psicossocial.
No plano psicossocial, as explicações abordam o excessivo mercantilismo dos jogadores, sua formação supra-nacional, uma certa perda da identidade nacional, o que os levaria a tratar um jogo de Seleção da mesma maneira que um jogo de seu clube. É uma possibilidade sim. A cena de Roberto Carlos arrumando a meia, na hora do gol da França, é de um simbolismo atroz.
No plano tático-administrativo, vejo no fracasso da Seleção vícios de Carlos Alberto Parreira muito presentes no campo político e administrativo brasileiro. Há semelhanças claras entre Parreira e o comando da política econômica -embora não haja nenhuma relação de causalidade entre os dois.
A Seleção de 1994, com menos estrelas, era um primor de arrumação tática. Raramente os adversários chegavam ao gol. Porque a de 2006, com tantas estrelas, não conseguiu se encontrar em campo, se o mesmo Parreira treinava as duas?
A primeira característica comum em Parreira, e em sucessivas equipes econômicas, é a incapacidade de adaptar seus princípios táticos ao mundo real. Ambos montam sua tática e não tem flexibilidade suficiente para adaptá-la a cada circunstância. É como se a tática fosse a chamada invariável da equação. Às vezes dá certo, às vezes não.
A segunda, prima-irmã da primeira, é o predomínio da inércia, o receio de correr o risco da inovação. Ficou evidente para todos, desde o início, que muitos dos jogadores consagrados já não tinham muito a contribuir para a Seleção, pelo peso da idade, pelo desinteresse de quem está em final de carreira. Cafu e Roberto Carlos são exemplos evidentes, desde o primeiro jogo.
Periodicamente, treinadores e gestores são submetidos ao desafio da renovação, mas tremem na hora da decisão; do mesmo modo que gestores de política econômica, quando percebem o esgotamento de determinada política, mas não querem correr o risco de mudá-la, mesmo sabendo que a mudança será inevitável em um ponto qualquer do futuro. Empurram com a barriga e passam a responsabilidade para os sucessores. É por isso que, em ambos os casos, a mudança só vem depois do desastre consumado.
A lógica é a mesma nos dois casos. Se não der certo com o convencional, o risco de crítica é menor do que se falhar com a mudança. Nesse caso, ele seria crucificado pelo experimentalismo. Alguma diferença com a tática de redução gradativa de juros adotada pelo Banco Central?
A terceira característica é a incapacidade de estimular o “espírito animal” -no caso da política econômica, dos empresários em empreender; no caso de Parreira, dos jogadores em jogar. Todo o intervalo de jogo vale para os ajustes táticos e para uma lufada de auto-confiança nos jogadores. Provavelmente (isto os especialistas poderão dizer melhor), Felipão tem menos conhecimento de tática de jogo que Parreira. Mas sabe injetar sangue na veia de seus jogadores.
A quarta característica é a ausência do “agente político” na Seleção, o líder — técnico ou jogador– capaz de levantar a bandeira e tirar os jogadores do marasmo. Foi o que Didi fez em 1958, o que Gerson e Pelé fizeram em 1970 e o que Dunga fez em 1994. E o que Zidane fez maravilhosamente no jogo contra o Brasil.
Parreira-Zagallo não diferem muito do espírito burocrático de FHC-Lula. A crise que se encarregue de providenciar as mudanças.
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