A intolerância

Enviado por: weden

Tanto um leitor quanto outro têm visões deliciosas, que gostaríamos de entender como realistas. E reafirmarm uma série de desejos que temos para a sociedade, aos quais eu adicionaria: um mundo sem guerras, uma infância sem mortes ou violência, e emprego e saúde para todos. Mas infelizmente isso não existe.

A realidade é diferente e me fez repensar bastante o que é o ideal para a sociedade, e o que são medidas efetivas para garantir a igualdade entre brancos e negros, nordestinos e o povo todo deste centro-sul.

Conto, brevemente, três episódios que aconteceram comigo, um típico mulato (ou pardo, de acordo com meu RG) e que aconteceria também com um certo “feito” físico nordestino, que bem conhecemos.

O primeiro passou-se quando saí de uma cidade do Grande Rio para morar na Tijuca.

Sou professor universitário, de gesto simples, e um tipo bastante comunitário, desses que vão até o bar da esquina, para gozar o time do dono.

Posso dizer que “venho de baixo” e “ando estando” há alguns anos na chamada classe média. Cheguei portanto num apartamento da Tijuca, um bairro símbolo do Rio de Janeiro, pelas cruéis diferenças sociais.

Tratava-se de uma apartamento da classe média.

Cena um: A minha surpresa foi um envelope do síndico: continha uma ficha de identificação policial.

Sabia que eles estavam errado.

Paguei condomínio com antecedência e meus móveis não eram tão ruins assim. Nem minhas roupas.

Apresentei-me, todos sabiam que eu fazia. Mas infelizmente, parece que não acreditavam. Liguei para a polícia, a DP da região, para ver se eram práticas comuns. Eles desconheceram.

Eu poderia tomar uma atitude bastante irritada: poderia passar meia hora humilhando os autores daquela atitude humilhante. Tenho verbo para isso. Não o fiz, guardei comigo. Engoli seco. Desceu com dificuldade.

2) Cena dois: A realidade segue o seu rumo: estava numa loja de utensílios domésticos da Tijuca. Num setor um pouco mais vazio da loja, via chuveiros. Um segurança saiu de onde estava e veio “me atender”: “O que você quer rapaz?”, com olhar ameaçador.

Nesse dia estava ” vestido de classe média”, portanto, sem qualquer indicador “social” de diferença.

Não precisei dizer que fui até a gerência: perguntei se eram práticas comuns seguranças fazerem o papel do atendimento, e de forma bastante indelicada. Na palavra do gerente, “todas as medidas seriam tomadas”.

Sei lá quais foram. Fiquei com raiva. Poderia ter dado muitos prejuízos à loja, e perdido a razão.

Cena três: Havia uma encomenda de revisão de livros, oportunidade apontada por um amigo jornalista do Globo. Fui ver. Não gosto mais de fazer revisões, o que cheguei a fazer há 15 anos.

Mas naquela época o “serviço” me interessou. O escritório em Ipanema me recebeu entre cochichos. Prometeu me ligar mais tarde no mesmo dia. Após dois dias, resolvi saber quando começaria. Eles disseram que não precisavam mais e que “a vaga estava preenchida”.

Não sabiam que era amigo do amigo deles. O que fiz questão de não contar.

Dois dias depois, um jovem branco, tinha conseguido a vaga. Ironia: o jovem era meu aluno.

Resumo da história: não me falem de ideal, quando o real ainda está doente.

É lindo cantar músicas de uma sociedade maravilhosa e plural. Mas as políticas públicas não são uma letra do Clube da Esquina, onde todos são felizes, nem podem irresponsavelmente ignorar os conflitos.

Por que há conflitos – no sentido de diferenças que chocam.

Ninguém sai na rua queimando negros no Brasil. Mas casos simples como esses dão queimação. Queimação às vezes branda e às vezes forte, no estômago, no coração. E na mente.

Há coisas mais sérias do que contestar feriados. Há cada um mais tolo do que o outro.

O tempo desperdiçado aqui poderia muito bem ser utilizado para propor saídas reais, concretas.

Lógico, que não sejam algo como uma conclamação poética à igualdade dos homens. Afinal, não somos compositores do Clube da Esquina.

Infelizmente.

Luis Nassif

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