Categories: Sem categoria

CPIs, catarse e técnica

Alguns leitores criticam, aqui, o fato do ex-governador Geraldo Alckmin ter impedido CPIs em sua gestão. Outros criticam o ex-presidente FHC pelo mesmo motivo. Acho a CPI uma instituição que se presta a golpismo político, chantagens e que, raramente, produz algo de prático. Republico, aqui, pedaço de coluna minha de 2001 (portanto em pleno governo FHC) criticando o instituto da CPI, em polêmica com um colega de jornal:

Comecei a questionar as CPIs na CPI do Impeachment, apesar de ter sido o jornalista que mais atacou Collor antes da CPI (de acordo com livro de Cláudio Humberto). Fui também o principal crítico da grande pizzaria em que se transformou a CPI dos Precatórios e a dos bancos. E isso porque acho que CPI só serve para fazer barulho e atrapalhar a produção de provas.

Grosso modo, a defesa que o artigo faz da CPI centra-se em dois pontos. Um, nas vantagens legais sobre outras formas de investigação (como inquérito policial e investigações do Ministério Público). Outro, na sua presumível eficácia sobre as demais formas.

No plano legal ela teria mais facilidades em conseguir quebrar sigilos bancários e telefônicos do que o MP e a PF. É falso. Quando o pedido é bem fundamentado nem MP nem PF têm encontrado dificuldades em obter autorização judicial para a quebra do sigilo. Ou se esquece que as denúncias sobre a Sudam foram levantadas em cima de mais de 300 horas de “grampo” autorizado pelo Judiciário? (…)

Outra “virtude” da CPI -segundo o artigo—seria o “o confronto de tendências opostas entre os numerosos investigadores”. Ora, mas essa característica é justamente o que impede a eficácia das CPIs. Confronto de “tendências opostas” é bom para questões políticas, e até para julgamentos finais, jamais para investigações, operação que exige critério, método, estratégia e sigilo. Nas CPIs têm-se levantamentos feitos de forma amadorística, sem preocupação de colher provas e submetidos ao critério subjetivo das “tendências opostas”. E esses critérios são exclusivamente o da manipulação de ênfases, sem nenhuma preocupação técnica.

Outra pretensa “virtude” das CPIs seria seu caráter público. Ótimo! Na CPI do Narcotráfico o público mais atento ao caráter público e democrático das sessões foram os narcotraficantes. Era só ligar a TV Senado ou TV Câmara, conferir o nome da testemunha de acusação, e elimina-la em seguida.

Outra grande “virtude” das CPIs seria o fato de abrir oportunidade “ao acaso, ao inesperado, a fatos e comportamentos catárticos”. Na CPI dos Precatórios, a “catártica” senadora Maria Emília saía distribuindo documentos sigilosos à mídia, garantindo seu espaço nas manchetes e permitindo aos acusados montar suas estratégias para desqualificar as provas. É possível acreditar que se chegaria aos falsários da Sudam através desses métodos “catárticos”?

Aliás, apresentar o caso Collor como prova da eficácia da CPI (que o cassou) e da ineficácia das demais formas de investigação (que não o alcançaram) é atropelar os fatos. Pela Constituição, o resultado de uma CPI tem que ser remetido ao MP. A perna penal não avançou porque quando o processo chegou na PF, não havia uma prova substantiva recolhida, apesar das inúmeras evidências sobre os métodos de atuação de PC. Além disso, o espírito “catártico” da CPI permitiu que muitos dos tais “anões” do Orçamento -outra CPI apresentada como modelo de sucesso, apesar de não ter levado à punição penal de nenhum dos acusados– se transformassem em heróis da mídia.

Luis Nassif

Luis Nassif

Published by
Luis Nassif

Recent Posts

Leilão concede empreendimentos de transmissão de energia em 14 estados

A previsão é que sejam investidos R$ 18,2 bilhões em 69 empreendimentos, com a geração…

11 horas ago

O mundo de Charles Michel às três e meia da manhã, por Gilberto Lopes

Michel repete declarações que ouvimos frequentemente hoje: “A Rússia não irá parar na Ucrânia, tal…

12 horas ago

STF analisa novamente a manutenção do foro especial para senadores e deputados

Investigações de ex-parlamentares devem ser encaminhadas para a primeira instância, decidiu a Corte em 2023

12 horas ago

Julgamento da cassação de Sergio Moro terá transmissão ao vivo; saiba como assistir

TRE-PR começa a julgar na próxima segunda-feira, 1º de abril, duas ações que pedem a…

14 horas ago

Tarcísio vai ganhando peso na sucessão do bolsonarismo, mostra pesquisa

Pesquisa traz o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como o predileto para herdar…

14 horas ago

Dengue: Américas podem registrar pior surto da história, alerta Opas

Brasil, Argentina e Paraguai, segundo a entidade, respondem por mais de 90% dos casos e…

14 horas ago