O caso Denise Severo – devagar com o andor…

 

Lendo um dos posts do Vi O Mundo sobre a polêmica em torno da Denise Severo, uma das brasileiras mais recentemente detidas e deportadas em Madrid, vi uma série de comentários que me deixaram de cabelo em pé. Há de tudo, desde gente que diz que não tem vontade de sair do Brasil até o habitual “é-tudo-farinha-do-mesmo-saco”. Originalmente, coloquei este texto como um comentário no Vi O Mundo, mas acho que cabe colocá-lo no Ruminando, tão esquecido estes últimos dias pelas minhas férias e pelo acúmulo de trabalho causado pelas próprias.

Meu comentário sobre o monte de gente que diz que não tem vontade de conhecer nada na Europa e acha que só conhecer cultura brasileira é suficiente vai ser um só: exaltar a ignorância é muito pior que simplesmente ser ignorante, é ser ignorante ao quadrado.

Às pessoas que falam que os espanhóis são xenófobos, arrogantes, se acham melhores que todo mundo, lhes digo que estão redondamente enganados. Podem não ser particularmente receptivos em alguns lugares, mas nunca tive nenhum problema na Espanha, neste ano em que morei aqui. E, se lerem os comentários de artigos nos jornais online, vão ver que (do mesmo modo que no Brasil), dependendo da linha editorial dos jornais, haverá mais ou menos comentários de espanhóis reconhecendo que o país está abaixo de todos os outros países da Europa, em praticamente qualquer marcador que se tome para análise do desempenho do país. Verão que o espanhol se atribui, muito freqüentemente, um nível cultural mais baixo que o de qualquer país europeu. E verão que muitos reconhecem que o Brasil está infinitamente melhor que eles, expressando admiração.

Moro na Espanha há um ano e, ao final deste, ano pretendo voltar ao Brasil após longos seis anos fora, fazendo pesquisa em física na Itália, Bélgica e agora, Espanha. Nunca tive nenhum problema por ser brasileiro. Muito pelo contrário: em todo lugar fui muito bem recebido, nunca tendo sido alvo de comentários maldosos pelo fato de ser brasileiro. Visões equivocadas sobre nosso querido Brasil, sim. Problemas POR SER brasileiro, nunca. Meu supervisor, ao saber que eu estava interessado em fazer um pós-doc com ele, só não me contratou imediatamente porque descobriu que tinha que anunciar a vaga. Mas, eu a levei. Na extranjería de Santander – onde há, diga-se de passagem, uma quantidade considerável de franquistas -, onde nós, estrangeiros, temos que nos regularizar, sempre me receberam com a maior simpatia justamente por ser brasileiro, por sermos em geral um povo muito afável e de bom trato. Não, o problema não é sermos brasileiros – ao menos, não para o povo espanhol.

Há alguns problemas que são, em minha opinião, a causa do incidente com a Denise. Nem sempre o que vou escrever é uma razão justa para o que aconteceu com a Denise, mas é uma causa, e há que se pensar no evento como um todo.

  1. A polícia na Espanha é conhecida por ser dura. Vou confessar que não sei se é especialmente embrutecida, pois nunca tive que ter contato com os policiais espanhóis, por felicidade. Não é nada contra policiais, mas ter que entrar em contato com a polícia é sempre uma incomodação em qualquer país. Agora mesmo há dois professores brasileiros na Universidad de Cantabria, que chegaram sem nenhum problema, entrando por Madrid. Conheço alguns outros brasileiros, bolsistas da Fundação Carolina em Santander na parte de gestão cultural, que chegaram aqui na Espanha via Madrid, sem o menor problema. Ou seja, sem nenhum atrito com a polícia.
  2.  

  3. Poder-se-ia argumentar que o problema é a Denise ser uma mulher jovem. Isso passa a ser um “problema” quando o país tem problemas de machismo e violência de gênero, como é o caso da Espanha, onde muitas mulheres sofrem muitos maus-tratos físicos por parte de seus parceiros sexuais e companheiros, em proporções alarmantes. O homem espanhol, muito freqüentemente, é machista.
  4.  

    Um dos comentários no post do Vi O Mundo levanta um ponto que, infelizmente, é um fato: em vários lugares da Europa, há mercados de prostituição que são dominados por brasileiras e brasileiros, sejam mulheres e/ou homens travestis. Não é à toa que o Bois de Boulogne, na França, é conhecido como “petit Brésil”: a grande maioria das prostitutas mulheres e travestis do Bois é brasileira. Junte-se isso ao fato que levantei logo antes, e a conclusão lógica é: na cabeça de alguns tantos aqui, mulher jovem e sozinha, é prostituta. É assim também na Itália, outro país onde mulher não recebe o devido valor como ser humano. Aliás, uma das prostitutas do anãozinho megalomaníaco não era uma brasileira menor de idade?

    Dos brasileiros que conheci aqui em Santander, uma é justamente uma mulher, jovem (na casa dos 30), bonita e solteira (tem namorado, é super apaixonada por ele, mas os dois ainda não se casaram). Ela entrou sem problemas, chegou a Santander, viajou bastante aqui na Europa e pela própria Espanha nesses poucos meses que esteve aqui, e sem problemas de qualquer espécie. Conheci também a mestranda da USP que foi detida em Madrid, a caminho de um congresso em outro país que agora não lembro qual é. Mais jovem que esta brasileira que acabo de mencionar, com todos os documentos em ordem, e ainda assim, foi detida.

  5. Justamente a Espanha – e Madrid, em particular – é um dos principais pontos de entrada para estrangeiros na Europa. É claro que, sendo parte de uma união, a fiscalização vai ser bastante forte em Madrid, e haverá boas probabilidades de que excessos como este ocorram. Mais uma vez, repito: não justifica, mas é assim.

Tudo isso, para dizer algo que certamente me renderá uma saraivada de comentários indignados: eu acho que a Denise deu azar de pegar um policial machista, que estava descontando alguma frustração em cima dela, abusando do poder que tem. E, isso, não é exclusividade espanhola: acontece aqui, acontece na Itália, acontece na França – e no Brasil, também. É indignante, mas me parece que é isso aí.

Qual a solução? Certamente há que se aplicar o princípio da reciprocidade aí, e mesmo que seja algo violento, acho que, em caso de não-colaboração por parte da diplomacia espanhola em seu dever de garantir que isso não acontecerá porque há policiais despreparados e embrutecidos, há mesmo que se seguir a sugestão de um dos comentários do post, o de começar a deportar espanhóis, aleatoriamente, na mesma quantidade. Já funcionou na época em que as autoridades de imigração espanholas estavam com a idiotice de barrar os brasileiros para satisfazer as inquietações eleitorais com o tema de imigração – que eram causadas, diga-se de passagem, pelo Partido Popular, um tipo de “PSDB espanhol”.

Há que se fazer barulho através de cartas ao Itamaraty e a todos os embaixadores e cônsules espanhóis no Brasil. Temos que mostrar que estamos indignados com isto não só nos comentários do Viomundo, mas onde pudermos. No entanto, sem as generalizações absurdas que vi nos comentários, sempre de maneira respeitosa e sem estereótipos. Um erro não justifica outro, e é injusto jogar todos os espanhóis no mesmo saco, com a mesma atitude que tanto detestamos a nosso respeito. Há muita gente boa, aberta e receptiva aqui, que não merece que os ponhamos no mesmo nível do estúpido que deportou a Denise e sua amiga.

Há que se fazer acordos com as autoridades espanholas para que os cônsules e embaixadores possam atuar, e há que se fazer as embaixadas mais acessíveis e atuantes. Algum tipo de mecanismo deveria ser criado, para que um cônsul ou embaixador tivesse um instrumento para frear deportações injustas, e para que pudessem pleitear algo junto às administrações e autoridades espanholas quando se faça necessário defender algum direito do cidadão brasileiro imigrante. Hoje, as embaixadas e consulados são completamente inúteis neste sentido, não justificando os custos das estruturas que se mantêm no exterior.

Minha solidariedade à Denise e a sua amiga. Ninguém merece a humilhação pela qual passaram, principalmente quando se está com tudo em ordem e tudo o que se queria fazer era um inocente turismo, demonstrando interesse por algum aspecto, seja ele qual for, de uma outra cultura.

Redação

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