Submarino alemão e a Marinha do Brasil

A discussão sobre o submarino nuclear IKL-214 começou aqui no blog e chegou até a Marinha brasileira. Segundo a imprensa da Grécia, país que adquiriu quatro unidades, o equipamento apresentou defeitos primários nos testes realizados após a entrega da primeira unidade. A reportagem do Projeto Brasil entrou em contato com o Centro de Comunicação Social da Marinha, que respondeu em menos de 24 horas.

Entre os pontos principais da entrevista por e-mail com o Capitão-de-Mar-e-Guerra e Diretor do CCSM, Paulo Mauricio Farias Alves, destaque para a confirmação de que o Brasil pretende adquirir o submarino em questão. O representante do Centro de comunicação negou que os gregos estejam insatisfeitos com o equipamento e afirmou que militares brasileiros acompanharam os primeiros testes na Grécia.

Confira a entrevista e comente:

Projeto Brasil: Existe alguma definição sobre a compra de submarinos por parte da Marinha brasileira?

Centro de Comunicação Social da Marinha: Em 1982, a MB contratou o consórcio alemão HDW-FERROSTAAL, para a construção de quatro submarinos de propulsão convencional (diesel-elétrica). O primeiro foi construído na Alemanha, no estaleiro HDW (modelo IKL-209-1400), batizado de Tupi, e os outros três, da mesma classe, denominados Tamoio, Timbira e Tapajó, foram construídos no AMRJ. Posteriormente, em 1995, foi assinado novo contrato, acrescentando mais um submarino, o Tikuna. Tendo terminado a construção do Tikuna, impunha-se a construção de novo submarino, sob pena de, por um lado, se perder uma capacitação tão duramente alcançada e, por outro, ficar sem perspectiva de renovação dos meios.

Considerando a conveniência de evitar a duplicidade de custos logísticos, para apoiar submarinos de origens diferentes, – o que ocorreria fatalmente, se fosse escolhido projeto de outro fabricante, e considerando os vultosos investimentos realizados pela Marinha, ao longo das duas últimas décadas, em diferentes metas conotadas aos submarinos Classe Tupi e, mais recentemente, na construção do Tikuna, associados à cultura e à tecnologia assimiladas nesse período por nossos técnicos (engenheiros e operários) e tripulações (oficiais e praças), em relação aos processos construtivos, logísticos, de manutenção e operação destes meios, respectivamente, a MB entendeu que deveria manter a padronização dos modelos IKL-HDW, de origem alemã.

PB: Qual modelo está em estudo?

CCSM: Antes de se decidir pelo projeto do IKL-214, da HDW, a MB estudou também o projeto do submarino Scorpène, da empresa ARMARIS, da França. Na verdade, ao longo de todo o processo, a MB esteve negociando com duas alternativas, tendo, ao final, concluído que a proposta da HDW era a que mais bem atendia às suas necessidades.

PB: Existe algum financiamento aprovado para essa aquisição?

CCSM: No escopo do Programa de Reaparelhamento apresentado pela Marinha, especificamente quanto à construção e modernização de submarinos, há uma proposta, na Comissão de Financiamentos Externos – COFIEX do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de operação de crédito com instituições alemãs para a construção de um submarino convencional e a modernização dos cinco existentes, da classe TUPI e TIKUNA, a serem feitas (construção e modernização) no Arsenal de Marinha no Rio de Janeiro. O financiamento é oferecido pelo ABN AMRO Bank, coberto pelo seguro de crédito do governo alemão “HERMES”.

A proposta de construção prevê que a entrega do submarino deverá estar concluída em até sete anos após a assinatura do contrato comercial. Quanto às modernizações, para o primeiro submarino teria uma duração de quatro anos e para os quatro demais ocorreria, seqüencialmente, em dois anos, para cada um.

PB: O modelo U-214, fabricado na Alemanha, apresentou sérios problemas e por isso, segundo a imprensa local, foi negado pela Marinha da Grécia. A Marinha do Brasil tem conhecimento sobre algum desses defeitos?

CCSM: A Grécia contratou, junto à HDW, a construção de quatro submarinos IKL-214, tendo sido o primeiro, o HN Papanikolis, construído nos estaleiros da HDW, em Kiel, Alemanha, enquanto os outros três deverão ser construídos no estaleiro de Skaramanga, na Grécia. Com referência aos aludidos problemas técnicos, as informações oficiais recebidas pela Marinha do Brasil (MB), tanto da HDW quanto da Marinha da Grécia, revelam um quadro bastante diferente daquele veiculado em alguns jornais gregos e turcos ou na Internet.

A Marinha da Grécia informa que está satisfeita com o submarino e que problemas técnicos surgidos durante as provas de mar foram sanados a contento. A HDW, em documento oficial, relacionou os problemas surgidos e as soluções adotadas. Releva notar que a razão de ser das provas de mar a que são submetidos os navios é justamente a de identificar eventuais defeitos de construção, sendo usual o surgimento de discrepâncias, que o estaleiro construtor é obrigado a reparar. Disposições contratuais estabelecem indenizações para defeitos que não se consiga corrigir, desde que, por sua monta, não comprometam a segurança ou a operacionalidade do meio em questão.

Em novembro de 2005, quando o submarino Papanikolis encontrava-se atracado no porto de Kristiansand, durante suas provas de mar, uma representação da MB, composta de oficiais submarinistas e engenheiros-navais, visitou o navio e teve a oportunidade de colher as impressões do oficial grego designado para comandá-lo. Era todo elogios à qualidade e ao desempenho do submarino. Difícil entender como, pouco depois, poderia ter passado a apresentar problemas tão primários e elementares, como vibração de periscópio na insignificante velocidade de três nós (5,5 km/h), entre outros.

Respondendo objetivamente à pergunta, a MB, ao longo de todo o processo, adotou – e continua adotando – todas as providências cabíveis, para bem inteirar-se dos fatos, inclusive, mantendo contato com a Marinha da Grécia, além, evidentemente, com o estaleiro construtor. O que acontece é que, no caso, os fatos reais não condizem com o que vem sendo disseminado, principalmente, na Internet.

PB: E sobre a opção francesa, existe algum contraponto?

CCSM: Depois de detida análise dos projetos técnicos e das propostas comerciais apresentadas, comparando suas respectivas vantagens e desvantagens, o Almirantado concluiu que, do ponto de vista estratégico e operacional, os submarinos atendiam aos requisitos da Marinha. Entretanto, tendo em vista a conveniência de se evitar a duplicidade de custos logísticos, para apoiar submarinos de origens diferentes, e considerando os vultosos investimentos realizados pela Marinha ao longo das duas últimas décadas, em diferentes metas conotadas aos submarinos IKL, associados à cultura e à tecnologia assimiladas nesse período por nossos técnicos (engenheiros e operários) e tripulações (oficiais e praças), em relação aos processos construtivos, logísticos, de manutenção e operação desses meios, o Almirantado, em 11 de novembro de 2005, ratificou a padronização de submarinos projetados segundo métodos e processos de origem alemã, da linha IKL-HDW, para emprego em operações navais na Marinha do Brasil.

Pergunta de leitor do blog: Quem é responsável pelo projeto do submarino nuclear TUPÍ? há quanto tempo está em desenvolvimento? quanto já foi investido nesse projeto?

CCSM: Para maior clareza e precisão nas informações, é necessário esclarecer, de início, que nunca houve um “projeto de construção do submarino nuclear” como apresentado na pergunta. Como dito, não há, – nem nunca houve -, um “projeto de construção do submarino nuclear”; existe um programa nuclear conduzido pela Marinha do Brasil (MB), composto de dois grandes projetos: o Projeto do Ciclo do Combustível e o Projeto do Laboratório de Geração Núcleo-Elétrica (LABGENE). No Projeto do Ciclo do Combustível, a tecnologia já está praticamente dominada.

Quanto ao LABGENE, projeto que visa o desenvolvimento e a construção de uma planta nuclear de geração de energia elétrica, suas obras de montagem estão em andamento. Somente depois de desenvolvidos esses projetos e logrado êxito na operação dessa planta nuclear, serão criadas condições para que, no futuro, havendo decisão de governo para tal, possa ser dado início à elaboração do projeto e construção de um submarino com propulsão nuclear, ou submarino nuclear de ataque (SNA).

A primeira fase, que representou, na realidade, um salto tecnológico, foi alcançada pela MB no final da década de 1980, com o enriquecimento de urânio em escala laboratorial, o que significa o virtual domínio da tecnologia. Entretanto, a partir daí, não se contou mais com recursos suficientes para o desenvolvimento do programa, tendo a Marinha arcado, ao longo dos últimos quase 20 anos, com parcela considerável de seu reduzido orçamento, para manter o programa, como um todo, em estado praticamente vegetativo, limitado a pouco mais do que a preservação do conhecimento (recursos humanos).

A única maneira de evitar a perda de tudo o que foi investido e, principalmente, do que foi alcançado, é a transformação do programa da Marinha em um projeto nacional, com garantia de alocação continuada de recursos. Para tanto, o Ministério da Defesa e a Marinha têm feito grandes esforços, no sentido de transmitir essa necessidade aos parlamentares e à opinião pública, mediante a promoção de visitas às suas instalações nucleares, apresentações e palestras.

Do início do Programa Nuclear da Marinha (PNM), no final dos anos 70, até o momento, foram investidos um total de US$ 1,1 bilhão. Para concluir o LABGENE, o custeio ao longo dos anos, o término do ciclo de combustível e o término da infra-estrutura requerem um volume de recursos da ordem de R$ 1,1 bilhão (de reais).

Luis Nassif

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