De Valentina a Araceli, o consenso sobre a prática do abuso sexual

Do As Mina na História

O Estupro de Crianças – de Valentina à Araceli e o Preço que todas nós pagamos

por Helena Vitorino

Você teme pela sua filha? Deveria.
 
A Valentina do MasterChef Jr. chegou até o programa porque, assim como as outras crianças selecionadas, é uma das 20 melhores crianças cozinheiras do país. O que bombou nas redes sociais depois do programa, no entanto, não foi o belo prato de Valentina, nem sua realização ao entregá-lo aos chefs-jurados. Mais do que seu sorriso de felicidade ao realizar seu sonho, o que bombou no Twitter foram os desejos sexuais expressos, por homens, a respeito de uma menina de 12 anos. Com seu corpo, seu rosto e seu comportamento infantil, Valentina recebeu uma gama de comentários sexuais, que questionavam desde o consentimento para um crime sexual e até a chamavam de “vagabunda”.

Pra você que não sabe o que é a Cultura do Estupro, apresentamos esse comportamento que não está presente só na nossa sociedade. A cultura do estupro é o consenso sobre a prática do abuso sexual. É a sociedade que diz “sim, pode estuprar, isso está correto”.

Mas Valentina não foi a primeira.

Conhece a Araceli Sanchez? Tinha oito anos quando foi estuprada e morta por dois playboys no Espírito Santo em 1973. Voltava pra casa, depois de um dia na escola, e foi atraída para um mustang branco para dar um passeio com o “tio Paulinho”. Depois de dois dias mantida em cárcere por Paulo Constanteen Helal e Dante Michelini, Araceli teve o peito, a barriga e a vagina dilacerados por mordidas e agressões; seu queixofoi deslocado a golpes, e seu rosto foi desfigurado com ácido. A autoria dos crimes foi comprovada, e Paulo e Dante puderam descansar tranquilamente enquanto seus familiares ligados à ditadura garantissem sua absolvição. Paulo Helal recebeu recentemente honrarias da Assembléia Legislativa por ser o primeiro maçom do Espírito Santo, e a avenida mais bonita da cidade em que Araceli foi morta foi nomeada de Avenida Dante Michelini.

araceli 2

E a Ana Lídia Braga, você conhece? Tinha sete anos de idade quando foi estuprada e assassinada, em 1970, pelo filho do então ministro da Justiça, o jovem Alfredo Buzaird Jr. Consta que Ana Lídia foi vendida pelo irmão, Álvaro
Henrique Braga, para alguns filhos de políticos, e que teria sido levada ao sítio do então vice líder da ARENA, Eurico Resende. Lá foi assassinada quando Alfredo Buzaird Jr., Eduardo Ribeiro Resende e Raimundo Lacerda Duque estavam no sítio. A justiça atuou com bastante preguiça nas investigações: não houve análise do sêmen das duas camisinhas encontradas ao lado do corpo de Ana Lídia, as digitais no cadáver não foram especificadas, nem as marcas dos pneus de carros no local do crime. A própria família de Ana Lídia se mostrou passiva no decorrer das investigações. Em 1974, o Departamento de Polícia Federal solta comunicado que diz:

“De ordem superior, fica terminantemente proibida a divulgação através dos meios de comunicação social escrito, falado, televisado, comentários, transcrição, referências e outras matérias sobre caso Ana Lídia e
Rosana”.
 Ana lidia braga
E a Rosana Pandim? Desapareceu aos 11 anos de idade, em Goiânia, no mesmo ano do assassinato de Ana Lídia. Seu caso foi tido como “sequestro consentido”, embora não há registro de quem possa ter sequestrado a menina, uma vez que nenhum familiar estava envolvido no crime. O pai comprou um fusca e buscou a filha por conta própria até sua morte. O corpo de Rosana Pandim nunca foi encontrado. Rosana
 
Há uma infinidade de casos de estupro de meninas, registrados ou não. E podemos incluir o caso de Valentina nesta lista também. Sim, porque o que une os estupradores condenados de Araceli, Ana Lídia e Rosana  aos comentários sexuais sobre Valentina é a certeza, convicta e clara da impunidade sobre expressar, física, moral e literalmente a cultura do estupro infantil. As justificativas são sempre duas:
 
1ª – Foi apenas uma brincadeira.
2ª – Ela estava pedindo.
 
Os comentaristas podem se pendurar em argumentos pífios de liberdade de expressão, ou de que foi uma “simples brincadeira”, ou ainda nossa velha conhecida justificativa de que a menina não deveria ser “tão vagabunda” a ponto de despertar desejos sexuais. Seus nomes de login foram omitidos na reprodução dos comentários.
 
Paulo, Dante, Alfredo, Eduardo e Raimundo também se penduraram: suas ligações influentes na Ditadura garantiram sua liberdade e vida mansa.
 
Comentários 3
 
 
O abuso sexual pode ser uma incitação verbal, uma pressão psicológica, uma transcrição literal, um ato interrompido, uma ação coletiva, uma ação individual – é isso mesmo, estupro envolve muito mais do que penetração.
E hoje, homens que estupram não sofrem coerção pelo ato de estuprar. A constituição prevê, nós sabemos disso. Por isso chamamos de “cultura”: por mais que os instrumentos normativos garantam que o estuprador vá para a cadeia, isso não ocorre. E sabe por que?
 
Porque você ensina seu filho que as moças com saias curtas estão “pedindo”. Quando pronuncia a frase “está pedindo”, automaticamente está pronunciando, num dialeto social não verbal: “não é errado estuprar ou agredir, porque elas merecem isso”. O estupro é “cultural” porque é praticado e aceito pela população. É duro de ler, mas é a realidade. Quer mais uma prova de que o estupro é aceito em nossa sociedade?
 
O apresentador Rafinha Bastos declarou que mulheres gordas deviam agradecer caso um dia fossem estupradas. Isso porque são tão indesejáveis que seria a salvação de suas vidas caso um homem quisesse forçá-las ao ato sexual. Esta fala não rendeu nenhuma coerção ao apresentador. Fora o questionamento de alguns fãs – e eu diria até uma adesão de muita gente que pensa como ele – a fala rendeu muito mais audiência do que solicitações de explicação. Ele não se redimiu. E também nem tem porquê: a sociedade não exige dele que se redima, assim como não exige dos comentaristas de Valentina que se redimam. Afinal ela era uma “vagabunda”, não é? Pense no quão trágico e irônico é um homem sem camisa ensinar a seu filho que a a moça de saias curtas está pedindo “me estupre!”.
 
rafinha
 
A cultura do estupro é isso: vai desde o filho do delegado ao apresentador de TV, do pintor de parede ao médico com doutorado. Está entre homens, mulheres, e tristemente, entre crianças. Uma vez enquanto eu andava na rua, sem que eu percebesse, um garoto de uns nove anos apertou minha bunda, e saiu dando risada. Corri atrás dele, mas fui vencida na corrida. Um senhor que varria a calçada me socorreu, achando que ele havia me furtado, e quando eu disse o ocorrido, ele me disse: “também né dona, com essa legging!”.
 
Você teme pela sua filha?
 
Por Helena Vitorino

 

Redação

25 Comentários

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  1. Somos uma sociedade doente
    Não é de hoje que observo que somos uma sociedade doente.
    Pelo menos em SP o raciocinio é o seguinta: as mulheres da minha familia são honestas as outras são potencialmente desfrutaveis.

    Simples assim.

  2. PROTESTE! RECLAME AQUI POR ABUSO… TÉCNICO-COMERCIAL

    não tem tu vai tu mesmo… meu proteste já!

    não foi abuso sexual de Bill Gates…mas está sendo abuso técnico-comercial da Microsoft…

    DO RECLAME AQUI AGORA HOJE

    Uma semana depois de expirar a garantia de fábrica de 1 ano do Nokia Lumia 925 da minha mulher, comprado na loja eletrônica http://www.guriveio.com.br, o Smartphone APAGOU TOTAL!!! Fiz todos os procedimentos conhecidos do manual e de fóruns de suporte técnico, tanto da microsoft.com como outros, como de baixar programas recovery tools e tal e nada de dar sinal de vida. Somente acende, por alguns segundos, o ícone windows do aparelho e apaga… Nunca vibrou. Nem eu ainda vibrei de alegria. Falei com Suporte Microsoft 4003-2525 e E. repetiu alguns procedimentos já testados daqui e dali e tal. Troquei o cabo USB e nada de ligar. Por fim, E. desconfiado que seja placa-mãe, sugeriu-me procurar assistência técnica fora da Microsoft por ser mais barata (placa-mãe Nokia Lumia 925 na autorizada Microsoft custa R$. 900,00; Smartphone custou-me R$. 841,39). Perguntei desconfiado sobre algum recall de lote do aparelho recém-saído da garantia de fábrica. Passei-lhe o número serial IMEI da nota fiscal e aguardo um parecer técnico-comercial da Ouvidoria Microsoft, para terça-feira próxima, dia 27/10) por volta das 14:40h. Já perdi um tempo precioso, desgastante e irritante procurando solução técnica “faça você mesmo” e lá na autorizada Microsoft da Av. Ibirapuera 3407 que aliás, parece um lotado muro das lamentações de smartfakes nas baias de atendimento em pé “fala que eu te escuto” para defeitos celulares do Nokia Lumia Microsoft e da Motorola.
    (Desconfio que Bill Gates acha que costumo rasgar, por louco prazer, notas de cem reais ou que meu rico dinheirinho suado seja encontrado jogado nas ruas…).

     

  3. E o caso do herdeiro de um

    E o caso do herdeiro de um dos maiores conglomerados de mídia do Brasil (conglomerado este envolvido na Zelotes)????

    O blogueiro que divulgou o caso já faleceu.

    E o agressor?

    O que houve com ele?

  4. A PROTEÇÃO DA MAÇONARIA

    No caso Araceli, a maçonaria brasileira mais uma vez encobriu um crime dos seus irmãozinhos. Uma vergonha para uma seita que se diz praticar a retidão.

  5. Capítulos da história

    Capítulos da história nacional da infâmia. Desde poderosos na época da ditadura até qualquer zé mané de hoje em dia.

  6. A BUSCA DO GOOGLE É UM ESCARNIO PORNOGRÁFICO.

    Minha filha foi fazer uma busca no Google da música brasileirinha, só saiu site pornô com vídeos sem nenhum filtro de tudo quantas porcaria até zoofilia e ninguém faz nada. A internet está cheia de maníacos acostumados com aqueles filmes americanos onde palavras de baixo calão é a singeleza de comunicar feito otários, quanto a esses apresentadores os donos das Tvs que eles trabalham também são responsáveis pela amplificação da cultura do estupro e da agressão. Mas como num outro comentário bem lembrou, dentro do plenário do congresso deputados cultuam o estrupo pois não puniram um de seus pares que até afirmou que só não estupraria uma outra deputada porque ela era feia. O que esperar desse bando de criminosos senão crimes hediondos sem punição. Por isso é que as TVs vão quebrar, elas não respeitam mais nada, isso é a fala de pai e não de nenhum conservador, neste caso não há tipificação, isso é crime e se tivéssemos governo e justiça essa corja não estavam nem na internet e nem nas televisões agredindo pessoas insinuando que até “comeriam a gravida e seu bebe” e ficou por isso mesmo perdeu na justiça, mas continua nas tvs falando asneiras e cometendo crimes.

  7. Estupro é a suprema forma de

    Estupro é a suprema forma de violencia.

    Contra uma criança é o crime mais hediondo cometido pelos humanos.

    Quando acontece uma epidemia como a que  assistimos agora, significa que a nossa sociedade esta muito enferma, muito doente.

  8. Fico tão absolutamente,

    Fico tão absolutamente, profundamente arrasada por ver que o que está na matéria do post não passa de uma verdade, de uma tristíssima realidade brasileira, que também existe mundo afora. 

    Como pode um parente próximo de uma criança seguir em bando para a devorarem como uns selvagens, e tudo terminar como numa brincadeira. Morta, após uma selvageria, os assassinos não pagam pena, e ainda, de acordo com as circunstâncias, como no caso Ana Lídia, ainda tiveram os bandidos a defesa dos órgãos superiores de segurança, por eles serem de famílias intocáveis. 

    Não suporto os programas policiais das televisões, mas se, por um acaso, vejo um pouquinho, dá-me nojo a explosição de tantas maldades praticadas sistematicamente contra mulheres e crianças. 

    O caso dessa menina da BAND tem sido muito explorado aqui no blog, e sei ser necessário. Mas a gente quase não acredita que esses vagabundos possam ter coragem para agredi-la com tanta baixaria nas redes sociais, se isso, por lei, já é um crime. 

    Onde está nossa justiça que não atenta pra isso?

  9. Abuso Sexul – Denuncie

     

    O QUE É VIOLÊNCIA SEXUAL?

    É qualquer ato sexual indesejado, ou tentativa de ato sexual, avanço ou comentário sexual não desejado, assim como quaisquer outros contatos e interações de natureza sexual efetuados por uma pessoa sobre outra, contra a sua vontade.

    A VIOLÊNCIA SEXUAL PODE OCORRER DE TRÊS FORMAS: ASSÉDIO, ABUSO E EXPLORAÇÃO.

    · Assédio sexual: O assédio sexual é uma forma de discriminação sexual ilegal que desrespeita o direito de escolha de um dos envolvidos e consiste em avanços sexuais não desejáveis, pedidos de favores sexuais e/ou conduta física ou verbal de natureza sexual.

    · Abuso sexual: É a atividade sexual não desejada pela vítima, onde o agressor usa a força, faz ameaças tornando a vítima incapaz de negar consentimento.

    · Exploração sexual: A exploração é quando crianças e adolescentes são usados com a intenção de se obter lucro ou benefício de qualquer espécie.

    A exploração ocorre de 04 formas: em redes de prostituição, pornografia, rede de tráfico e turismo sexual.

    A violência sexual pode ser perpetrada por alguém próximo da criança ou adolescente, como um familiar, um conhecido, um vizinho e também alguém desconhecido que se aproxima de crianças/adolescentes por meio da internet.

     

    COMO E ONDE DENUNCIAR

    Conselho Tutelar

    Polícia Militar do Estado de sua cidade 190

    Delegacia de Polícia Civil

    Disque Direitos Humanos: Número 100

    Sobre o disque 100

    Atenção: Violência sexual contra criança e adolescente é crime! Para denunciar Disque 100!  

    O Disque 100 ou Disque Direitos Humanos, é um serviço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) que recebe denúncias de abuso e exploração contra crianças e adolescentes.

     
    As denúncias registradas no Disque 100 são examinadas e encaminhadas aos serviços de atendimento, proteção e responsabilização do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e Adolescência presentes nos estados e nos municípios brasileiros. Os principais parceiros são os Conselhos Tutelares, o Ministério Público e os órgãos da segurança pública – Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal.

     

  10. Legislador

    O Bruno tocou em um ponto importante: Se um legislador, membro do congresso diz que uma mulher, ex-ministra, é muito feia e por isso não merece nem ser estuprada , por que isso não é crime ? Por que continua alegremente dizendo sandices , frases nazistóides, agredindo a cidadania, sem um mínimo de decência e decoro que exige o cargo, e não lhe acontece nada, nenhuma cobrança ? Faz parte do time do “corpo fechado ” ? Deprimente.

  11. As mulheres com perfil de

    As mulheres com perfil de brancas e bonitas, sofrem esse tipo de assédio, não apenas em criança, mas durante toda a sua juventude e fase adulta.

    Sinceramente, acredito que muitas tem dificuldade de mostrar seu real valor, sem levarem em consideração, os seus atributos sexuais.

    Deve ser muito sofrido para algumas delas, serem cantadas o tempo todo, convites indiscretos, presentes caros dado de “bom coração”…

    Agora, assediar e ter desejo por uma jovem de 12 anos, com cara, corpo e jeito de menina, isso é doença, é um distúrbio, anomalia.

    Na boa, tinha que capar um cara desse.

    Na epoca da escravidão, era comum uma negrinha quando tinha boa aparência, ter seu rosto todo retalhado pela mãe por navalha.

    O motivo dessa aparente brutalidade era para evitar um mal maior. Não levantar a cobiça, o desejo sexual, do senhor, seus filhos e capatazes.

    Por isso que existem fotos de negras escravas com o rosto todo retalhado, com vários quelóides.

    1. Dá gosto ver a bolsonarização

      Dá gosto ver a bolsonarização das mentes progressistas quando se trata do crime de assédio ou em circunstâncias onde a pedofilia esteja presente. Corta, pica e jogue aos cães é o mote dos humanistas tabajaras…

  12. GGN reincide no erro

    Observo que mais uma vez o GGN publica o nome da menina do caso MasterChef.

    Será que não dá para discutir o problema, que por si só já é muito sério, sem expor ainda mais esta menina de 12 anos?

    Lembrem que na internet o gogle costuma fazer associações entre as palavras que costumam aparecer juntas. Já imaginram a contribuição que está sendo feita para que ao digitar o nome da menina no google, apareça junto uma outra palavra inconveniente ou vice-versa?

     

  13. estupro institucional

    É o duro retrato do DNA de nossas instituições elitistas. Dáí, o mais forte economicamente, poder usufruir até mesmo da vida do mais fraco, sem represálias de alcanse nacional. Sem repudio de nossas Instituições.

    Guarda semelhança com os EUA dos anos 50, em que se enforcava por racismo.

    Se a filha de um empresário for estuprada vira notícia nacional e internacional, como deveria ser. Mas, os estupros cotidianos de jovens das classes menos abastadas, é rotina que a sociedade em transe, já não se comove mais. As manchetes são degustadas como se faziam ao vivo e à séculos no Coliseu.

    Tristes trópicos.Pobres Instituições. Prisioneiros do poder econômico num capitalismo selvagem.

  14. Meninas/mulheres/moças negras

    Meninas/mulheres/moças negras e subalternas assediadqas diuturnamente em situações familiares das casas-grandes 2.0 – ”Isto é normal, etc” (vide comentário de Roger Moreita, que assediou a empregada)

    Meninas/mulheres/moças brancas, remdiadas, médio-classistas para cima assediadas em situações sociasis diversas das equivalentes negras – 

    “Cultura de estupro! Todo homem ´estuprador potencia!”

  15. Separando as coisas

    Eu tenho uma filha mulher, ela é criança ainda, mas no momento oportuno eu e minha espoa certamente iremos ensiná-la sim que ela deve tomar cuidado com as roupas que veste, com as companhias masculinas … não acho que isso seja machismo, estou apenas sendo pragmático e zelando pelo bem-estar dela. O que mais eu posso fazer?

    Além disso, eu pessoalmente acho que citar três casos de estupro que ocorreram há 40 anos atras é jogar para a plateia, sem muita utilidade prática. As perguntas que interessam são: como estão as estatísticas hoje? O número de casos está aumentando ou diminuindo? É feita uma análise dos diferentes casos por tipo de ofensor (parente, amigo, vizinho, menores delinquentes etc) de modo a atacar o problema em todas as suas dimensões? O modelo de delegacias da mulher está funcionando para registrar as ocorrências adequadamente? As punições continuam insuficientes? Como equilibrar o risco de denúncias falsas com a necessidade de se respeitar a intimidade de quem acusa?

    O fato é que não é realista achar que a cultura de tratar a mulher como objeto sexual vai desaparecer de uma hora para outra – até porque muita gente (homens e mulheres) ganha bastante dinheiro com isso. Então, cabe ao Estado tomar medidas de educação (para fomentar uma cultura de respeito mútuo), prevenção (reforço de conselhos tutelares, regras mais claras em escolas, até melhoria no policiamento ostensivo e na iluminação pública ajuda) e punição (locais adequados para receberem denúncias, celeridade na justiça, adequação das penas) que possam levar a uma redução concreta no número de casos. De resto, fica a torcida para que cada vez mais pessoas entendam a infelicidade de certos comentários e opiniões e que, por consequência, essas sejam sempre repudiadas – como de fato está acontecendo no caso da Valentina.

  16. A defasagem do tempo

    Quando somos crianças, olhamos mulheres maduras com curiosidade. Na adolescência, nos masturbamos imaginando-as em roupas íntimas. Quando jovens, interagimos esporadicamente (meio que na brincadeira) com as nossas colegas de escola ou de universidade. Quando adultos queremos “aproveitar” antes de casar, e pegamos mulher por esporte.

    Já maduros, no momento em que procuramos de verdade alguém para ficarmos juntos pelo resto das nossas vidas, aí é que sentimos a defasagem do tempo: As mulheres maduras ficaram velhas demais; as colegas de faculdade engordaram e encheram de cosméticos no rosto, perdendo a sua naturalidade; algumas casaram e foram “devolvidas” com filhos de outra pessoa; as mais novas estão ainda “brincando” com os seus pares, ainda na universidade; outras bebem em mesa de bar, fumam ou falam demais e até querem discutir a relação a toda hora. Alguns homens desistem e viram “Gays”.

    O mundo atual separa homens de mulheres, justamente na época em que tínhamos que nos conhecer melhor. O mundo se abriu, na década de 60/70 em diante, como um enorme shopping direcionado pelo consumo, onde a maior parte dos homens segue por um corredor cheio de jogos, carros e aventuras bobas; e muitas mulheres, noutro corredor, avançam tomando um choque de vida, de capitalismo e de globalização, amadurecendo a golpes de penteados e cosméticos, de gravidez, ou, em alguns casos, trocando os seus sonhos pela segurança econômica.

    Esquecemos-nos de crescer junto com elas, de arriscar no mundo real do amor, família e de compromisso; de amadurecer juntos com as mulheres nesta nova sociedade. Pelo contrário, ficamos brincando de Peter Pan, e hoje, com nostalgia e infantilidade, olhamos meninas de 12 anos falando bonito, inteligentes e ainda cozinhando na TV, despertando em nós um sentimento de que Amélia, Emilia ou Marina Morena (antes de se pintar) ainda poderão existir, daqui a alguns anos, mas isso é uma ilusão. Daqui a pouco essas meninas vão pular rapidinho 10 ou 15 anos na nossa frente, e novamente ficaremos para trás, nesta defasagem do tempo.

    Parece que tudo conspira para o desencontro, para a anti-família, para a atomização das pessoas e dos seus sentimentos, para a falta de vida coletiva, para esquecer o velho “living together and growing together”.

  17. Talvez nos estudos da médica Psicanalista Marli Piva Monteiro de

    Talvez nos estudos da médica Psicanalista Marli Piva Monteiro denominado “O mal do século” se entenda um pouco o que estamos passando.

    Não sei se deveríamos promover este texto para o GGN devido a importância e a análise pontual e contundente da Médica.

  18. Às vezes fico tentado a voltar no tempo.

    Sentença do ano de 1833

    SENTENÇA JUDICIAL DATADA DE 1833 – PROVÍNCIA DE SERGIPE

    O adjunto de promotor público, representa contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant’Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.

    CONSIDERO:

    QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ella e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana; QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas; QUE Manoel Duda é um sujetio perigoso e que se não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.

    CONDENO:

    O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco o carcereiro. Cumpra-se e apreguem-se editais nos lugares públicos.
     

    Manoel Fernandes dos Santos.

    Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha Sergipe,

    15 de Outubro de 1833

     

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