Fascistas tentam transformar agressores em vítimas, por José de Abreu

Jornal GGN – Em artigo publicado pela Folha de S. Paulo, o ator José de Abreu fala sobre a intolerância e o ódio político que saiu da retórica e tem incentivado cada vez mais episódios como o protagonizado pelo próprio ator na semana passada. Para ele, a crise política fez com que o brasileiro passasse de “homem cordial” para “homem troglodita”, relembrando os casos envolvendo o ex-ministro Guido Mantega, insultado em um hospital enquanto acompanhava sua mulher doente em um atendimento. Mantega seria atacado mais outras vezes, assim como o ex-ministro Alexandre Padilha, o ministro Jaques Wagner, o comediante Gregorio Duvivier, Chico Buarque e Eduardo Suplicy.

Sobre o episódio em que cuspiu em um sujeito que o insultou em um restaurante paulistano, José de Abreu diz que “Ser chamado de ladrão, ver sua mulher xingada de vagabunda e sua mãe de puta, isso não é muito legal”. Também afirma que irá processar o homem que o ofendeu e denunciá-lo à Ordem dos Advogados do Brasil. Por último, Abreu defendeu a presidente Dilma e diz que o país será entregue para o PMDB e outros partidos com políticos “enroscados na Lava Jato”. Leia o artigo abaixo:

Da Folha

Adeus, Brasil cordial
 
José de Abreu

 

A crise política que vivemos proporciona uma outra leitura sobre o nosso povo. De “homem cordial”, o brasileiro passou a “homem troglodita”. Sem escalas.

De que outra maneira explicar, por exemplo, a agressão ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega em um hospital, em fevereiro do ano passado? Não em um hospital qualquer, o que já seria intolerável, mas no Albert Einstein, instituição de referência no país.

Na ocasião, uma grita nacional deveria ter repreendido os que insultaram o ex-ministro em momento de extrema fragilidade, quando ele levava sua mulher, doente, para buscar atendimento.

Nada, contudo, aconteceu. Nada. Algumas notícias depois, o assunto morreu, mas o mau exemplo prosseguiu. Mantega foi hostilizado mais duas vezes, não em hospitais, mas em restaurantes.

Pouco depois, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha foi insultado, também num restaurante. O mesmo ocorreu com o comediante Gregorio Duvivier. E também com Jaques Wagner, ministro-chefe do gabinete pessoal da presidente Dilma Rousseff. O álcool dá coragem.

O disparate chegou a tal ponto que até mesmo o velório de José Eduardo Dutra, ex-presidente nacional do PT, ficou tristemente marcado por ofensas. Panfletos com a inscrição “petista bom é petista morto” foram jogados no local onde o corpo era velado. Talvez em outro país tal ato fosse tratado como um escândalo nacional. Aqui, mais uma vez, nada aconteceu.

Insultaram ainda o ex-senador Eduardo Suplicy (acreditam nisso, o Suplicy?) na Livraria Cultura de São Paulo. E a livraria deixou. A Cultura.

No Rio, Chico Buarque, acompanhado de amigos (o escritor Eric Nepomuceno e os cineastas Cacá Diegues, Rui Solberg e Miguel Faria Jr.), foi hostilizado na saída de um restaurante por um grupo de jovens antipetistas. Um deles confessou depois ter ido perguntar ao pai quem era mesmo Chico Buarque. Aconteceu alguma coisa? Nada.

Poderia citar aqui muitos outros exemplos. Em todos eles, nada aconteceu aos agressores e preconceituosos. Nada.

Por ser um ator conhecido e eleitor do PT, sabia que era um alvo fácil e que minha vez não demoraria a chegar.

Até que chegou mesmo, em um restaurante (mais uma vez) de São Paulo. Reagi como deu, com um cuspe. Ser chamado de ladrão, ver sua mulher xingada de vagabunda e sua mãe de puta, isso não é muito legal. Usei a juridicamente chamada “retorsão imediata à injúria”. O injuriante, que se dizia advogado, deve saber que vai ser processado civil e criminalmente e denunciado à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Os fascistas tentaram transformar os vândalos agressores em vítimas. Mas as “vítimas”, caso inédito nos anais da criminalidade, fugiram. Nem eles acreditaram na mentira de seus defensores.

Todos esses casos já prefiguravam o golpe que estava por vir, escondido sob a aparente legalidade do processo de impeachment.

Eu sinto muito pelos menos favorecidos. Vão entregar o Brasil ao PMDB carioca. De Eduardo Cunha. Do secretário Pedro Paulo Carvalho Teixeira, que bateu na própria mulher. Do prefeito Eduardo Paes, que gastou quase R$ 45 milhões em uma ciclovia que desabou após três meses de uso. De Moreira Franco, talvez o pior governador que o Estado do Rio já teve em sua história.

E a outros políticos do mesmo calibre, de outros Estados, de outros partidos, mas muitos com a mesma marca: enroscados na Lava Jato.

E o que pesa contra Dilma? Pedaladas. As mesmas que muitos outros políticos também deram. E que, suspeita-se, Antonio Anastasia, agora relator do processo de impeachment de Dilma no Senado, também deu. É tanta hipocrisia, tanto desapego à democracia.

Adeus, Brasil cordial.

JOSÉ DE ABREU, 69, é ator. Trabalhou, entre outros, nas minisséries “O Tempo e o Vento” (1985) e “Anos Dourados” (1986) e na novela “A Regra do Jogo” (2015/16), da TV Globo

Redação

15 Comentários

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  1. Faltou exercer o poder.

    Tudo o que o Zé de Abreu é pertinente, mas é preciso entender a origem dessa situação. O povo brasileiro nunca foi flor que se cheire, simplesmente caíram as máscaras e quem era fascista reprimido colocou seus sentimentos para fora. Cooptar ou submeter os ignorantes foi fácil, a mídia, as igrejas pentecostais e as polícias se encarregaram disso. A ascenção das classes menos favorecidas incomodou sobremaneira a classe média odiadora fascista, que sempre se achou mais próxima da classe rica, quando era o contrário. A conclusão que chego é que o Brasil não é muito diferente de países como a Líbia ou o Iraque, países que não conseguem conviver em (aparente) paz interna sem um governo autoritário e centralizador, devido às cisões internas inconciliáveis. Em resumo, a democracia e o republicanismo que o PT tentou implantar aqui não passou de uma utopia. Não somos capazes de conviver em plena democracia, não temos competência e capacidade para isso. Nossas instituições são corruptas e só funcionam a mando dos mais ricos. Somou-se a tudo isso a leniência e a covardia da presidente Dilma. Nunca um presidente permitiu-se criar um vácuo político e de poder do tamanho e da gravidade desse. Mesmo que se salvasse do impeachment, Dilma não governaria, ficaria tutelada e chantageada até 2018. Todos os governos de esquerda da AL usaram dos poderes que o cargo dispunha para fazer a luta política pelo poder. Dilma deveria usar os instrumentos que tinha em mãos, que no caso do presidente não é pouco. Remoção dos delegados da PF rebeldes para locais isolados, corte de publicidade governamental para a mídia golpista, corte de linhas de crédito baratas para essa mídia, colocar a Receita Federal para cobrar a conta das sonegações das empresas de mídia, represamento de verbas para o Judiciário e o MPF restringindo as ações dos golpistas neste poder. Indicação de juízes e promotores descomprometidos com essa banda podre de direita para os tribunais superiores e a PGR. Colocar o Ministério da Justiça e a PF para perseguir os fascistas do MBL e do Vem Pra Rua e até usar a Lei de Segurança Nacional para enquadrar a oposição agitadora de direita. Nada disso foi feito e agora estamos às portas de um governo corrupto, fascista, autoritário e privatista. Viveremos tempos terríveis pela frente. Lamento por todos nós, mas precisamos dessa lição. E tenho dúvidas de que aprenderemos.

    1. Basta organizar o texto, para transformá-lo em artigo

      Marcos Ribeiro,

      Análise objetiva e correta.

      Organize o texto em parágrafos (dois ou três) e peça para a equipe do blog elevá-lo à categoria de post.

  2. Cordial não significa bonzinho

    “Cordial” porque age com o coração, ou seja, pela emoção.

     

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792007000200011

     

    A cordialidade brasileira não exclui a violência: pelo contrário, o Homem Cordial é um homem dado a atitudes extremas, capaz de agir com extrema violência. Extrema porque se trata de uma violência que atua fora dos meios legais de coerção, e extrema porque é a expressão de um comportamento incapaz de moldar-se a padrões legais e à ordem pública. A tal ordem o Homem Cordial contrapõe a lógica da esfera privada e de seus códigos particulares, que são os códigos dessa esfera. É essa violência que não é a violência weberiana, monopolizada pelo Estado, e, sim, a violência privada, sancionada por códigos particulares que leva o autor a contestar a tese de ser a história do Brasil uma história incruenta, o que é visto por ele, aliás, como um conceito historicamente insustentável:

    De todas as histórias nacionais pode ser dito que são cruentas e a do Brasil naturalmente não forma exceção. E pretender que o tenha sido – a do Brasil – em menor ou maior grau do que a dos outros povos já é matéria dependente de critérios de mensuração e naturalmente de termos de comparação, que até o momento ainda não se descobriram (Holanda, 1996a, p. 300).

     

     

    HOLANDA, Sérgio Buarque de. Livro dos prefácios. São Paulo: Companhia das Letras, 1996a.

    1. De fato.

      Me impressiona a manobra discursiva insistentemente mobilizada pela Folha para transformar o Sérgio Buarque numa espécie de caricatura amestrada para servir aos propósitos ideológicos desse jornaleco.

      Não sei se é toda uma geração de jornalistas que foi reduzida à imbecilidade ou se é uma espécie de cinismo pós-moderno maléfico que é reiterado de forma gobbeliana. Talvez ambas as coisas em doses proporcionais.

    2. Além de SBH e Freyre, leiamos os contemporâneos

      Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro devem ser lidos e estudados. Sempre.

      Mas quem tem feito uma leitura nada convencional, e a meu ver muto acertada, da sociedade brasileira é o sociólgo e professor Jessé Souza. Jessé estudou profundamente SBH e GF e faz uma crítica muito consistente à obra de ambos. Recomendo a leitura de todas asobras de Jessé.

      E dentre os três ‘monstros sagrados’ citados no início, eu não titubeio em apontar Darcy Ribeiro como aquele mais visionário, mais humano, mais apaixonado pelo País, que o conheceu tanto quanto os outros, mas que até o fim da vida, já sofrendo com o câncer, sempre nos encheu de esperança, de otimismo, de amor pelo Brasil

       

  3. Aplausos de pé! Clap! Clap Clap!

    Dá-lhe, José de Abreu!

    Grande ator, bem articulado, conhecedor da Lei e do Direito, cidadão atuante e corajoso. Imperfeito como todo ser humano. Mas é o tipo de pessoa que merece respeito, que vale a pena ouvir, ler, prestar a atenção, mesmo que discordando do que ele pensa, escreve ou diz.

    Não há como ser cordial com agressores que nos perseguem e que tentam nos aniquilar. É preciso reagir. Foi o que fez José de Abreu.

    O homem brasileiro cordial não existe; nunca existiu. Esse mito foi criado pelo sociólogo Gilberto Freyre, para provocar a identidade nacional e o sentido de pertencimento necessários à população brasileira, tão heterogênea e com diferenças econômicas, regionais, étnicas e culturais de tal grandeza que sem esse mito, haveria grande probabilidade do País se dividir, não apenas em duas, mas em várias partes. Gilbeto Freyre criou o mito positivo; Sérgio Burarque de Holanda inverteu a equação e tudo que era positivo em Freyre ele negativou. Jessé Souza, que estudou ambos, mostra isso em recente livro, intitulado “A tolice da inteligência brasileira”, cuja leitura considero altamente recomendável.

     

  4. è a pura verdade

    O que Jose de Abreu escreveu é a pura verdade para uma chamada classe média, media -alta. Se for paulista mais adequada ainda!

    O povão de verdade, aquele que anda de metro, trem de suburbio, trabalha nas fabricas ,pequeno comercio, setor de serviços não tem esse comportamento. Não tem também tempo para isso. Tem mais do que pensar e não vai encher o saco dos outros.

  5. o fato é que a Globo só lhe 

    o fato é que a Globo só lhe  deu uns 30 minutos para ele fuzilar os seu  desafetos, coisa muito pouca, pois os nazistas tinham anos até para fazer tais coisas

  6. Se ofendessem minha mulher e

    Se ofendessem minha mulher e minha mãe eu também não deixaria por menos.

    Em tempo: pra mim essa tal imagem do tal “brasileiro cordial” nunca existiu. O brasileiro não é nada disso e se esta onda de intolerãncia está servindo pra alguma coisa é para mostrar (descontando as excessões, por óbvio) sua verdadeira excência: ignorante, violento, egoísta, bárbaro, intolerante, materialismta, presunçoso e fascista.
     

  7. Digo que aquela chance de

    Digo que aquela chance de falar sobre a gressão sofrida de Zé de Abreu no Faustão foi uma dessas coisas que só a Globo sabe fazer em matéria de manipulação. Acredito que foi mais ou menos dizer que todos tem que ter os mesmos direitos. Nada disso. Naquela mesma noite, durante o Fantástico, vi pouca coisa, mas tava lá os apresentadores fazendo caras e bocas contra o filhote da ditadura Bolsonaro. São dois programas muito vistos por brasileiros lá fora, também, e uma oportunidade para eles dizerem que a imprensa estrangeira tá sendo injusta. 

    Foi bom ver o José de Abreu, claro, mas ele jamais diria que a Globo foi quem plantou com maestria esse ódio do povo contra o PT. Nem mesmo nessa entrevista acima ele se refere à emissora que o emprega; fala genericamente. É compreensível, mas faz parte do jogo da Maldita.

     

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