Lipset e o golpe de 2016 no Brasil, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Lipset e o golpe de 2016 no Brasil

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em 1959 Seymor Martin Lipset publicou Working Class Authoritarianism,  obra que ajudou a modelar o imaginário político neoconservador norte-americano. No centro das idéias de Lipset está a crença de que:

“O autoritarismo, entendido como um traço de personalidade, tinha sido colocado na agenda ideológica do fascismo. Nos anos 50, o anticomunismo o manteve vivo como um problema. Especialmente para estudiosos como Lipset que viam o fascismo e o comunismo como duas manifestações da mesma predileção servil por parte das massas. Nesse análise, a classe operária era responsável pelo totalitarismo de todas as espécies e de todas as épocas porque as pessoas da classe operária eram inerentemente tacanhas, intolerantes e, na maioria das vezes, autoritárias. A implicação paradoxal, e pode-se dizer de auto-serventia, era que as únicas pessoas com algum talento para a democracia eram membros das elites privilegiadas. Nas palavras de Lipset, ‘a aceitação das normas da democracia requer um alto nível de sofisticação’, uma qualidade indefinível possuída apenas pela classe média assalariada e pelos membros educados da rica aristocracia.” (O Medo da Queda – ascensão e crise da classe média, Barbara Ehrenreich, Scripta, 1994, São Paulo, p. 119)

O elitismo de Lipset é evidente. O teórico norte-americano foi incapaz de admitir o autoritarismo da elite norte-americana durante os conflitos trabalhistas que assolaram os EUA na primeira metade do século XX e que culminaram na violenta repressão policial da greve na GM e nos assassinatos de operários na porta da Ford. Tampouco levou em conta a evidente mentalidade tacanha que caracterizou o macartismo nos anos 1950. Além disso, para equiparar o comunismo ao fascismo Lipset foi obrigado a omitir o fato de que os fascistas perseguiram os comunistas justamente porque eles não aceitavam viver em regimes autoritários que foram organizados pelas elites européias. 

Todavia, o que me interessa neste momento não é criticar as teses de Lipset. O que eu quero é testar a validade delas levando em conta a atual realidade brasileira. 

A aventura do Impedimento de 2016 começou a ser chocado nas manifestações de rua de 2013 que foram crescendo até se tornarem imensas demonstrações de força no ano de 2015. A composição social das últimas manifestações anti-Dilma revelaram que os manifestantes eram predominantemente brancos, bem educados e tinham renda elevada, mas eles também eram portadores de uma mentalidade extremamente preconceituosa, racista e autoritária.

Consolidado o golpe de estado, os anti-petistas passaram a apoiar silenciosamente as reformas impostas ao país por Michel Temer. Alguns deles, os mais famosos, até aplaudiram publicamente o congelamento de investimentos em educação e saúde, a revogação de programas sociais e a reforça trabalhista. Os indícios claros de corrupção dos membros do novo governo não incomodam os paladinos da moralidade pública que derrubaram Dilma Rousseff por causa das pedaladas fiscais. O fato de Michel Temer ter provocado uma depressão econômica também não provocou qualquer reação dos varões de verde amarelo e das mocinhas que mostravam suas partes pudendas na Av. Paulista.

A reação das vítimas do novo regime e dos líderes de esquerda demorou e começou tímida, mas está ganhando ímpeto. O sucesso da caravana de Lula no nordeste é um marco do retorno dos operários à arena política. Tudo indica que os operários e as organizações deles são e serão os maiores arquitetos do restabelecimento da democracia no Brasil. Curiosamente, eles não estão recorrendo a qualquer tipo de violências, nem tampouco revelam uma mentalidade intolerante. Tanto que a imprensa internacional demonstra certo espanto em razão da forma paciente como o povo brasileiro parece aceitar as reformas neoliberais grotescas e impostas autoritariamente por Michel Temer.

Os eventos recentes no Brasil mostram que aqui a teoria de Lipset deveria ser enunciada de maneira diferente. Aqui não são os operários que demonstram uma mentalidade inerentemente tacanha, intolerante e, na maioria das vezes, autoritária. Os portadores destes vícios são os membros da classe média e da classe alta que deram um golpe de estado porque não conseguem conviver com o regime democrático quando perdem eleições. O desespero e falta de sofisticação da elite brasileira se torna ainda mais evidente quando notamos que é ela que apóia a adoção do Distritão e do Parlamentarismo porque ambos garantirão menos e não mais democracia.

Em se tratando do Brasil, portanto, as teses de Lipset estão erradas. Além de não explicar a dinâmica política e social brasileira, que opõe uma classe operária tolerante, sofisticada e democrática à uma elite tacanha, racista e autoritária elas criam  uma imagem invertida do mundo em que vivemos.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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