O espaço do negro no centro paulistano, por Vera Lucia Dias

O espaço do negro no centro paulistano

por Vera Lucia Dias

UM ROTEIRO PELA CIDADE DE SÃO PAULO – O RELEMBRAR

Este documento resulta de uma Exposição apresentada no Metrô de São Paulo, estação Tatuapé no ano de 2005. A proposta consistia em mostra de fotografias ampliadas, com textos explicativos sobre a presença da comunidade negra na cidade sob o título “O Espaço do negro no Centro de São Paulo”. O objetivo seria destacar um Roteiro com novo olhar para aqueles locais por onde todos circulam diariamente.

Para este texto as imagens são apenas de Vera Lucia Dias. Naquela oportunidade, a exposição contava também com as fotógrafas Ana Maria Silva, bacharel e mestre em Turismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e Ana Elisa Rodrigues, formada em geografia pela Universidade de São Paulo – USP.

 

INTRODUÇÃO

Fatores econômicos influenciaram a exploração de colônias em vários países e resultaram em escravidão humana. O primeiro ouro da África chegou a Portugal já em 1442 com o navegador Antão Gonçalves, vindo de regiões como Guiné e Moçambique. A busca por esse metal no Brasil chegou a substituir a produção da África.

Visando suprir a mão de obra para as culturas açucareira e cafeeira, foram trazidos cerca de dez milhões de escravos para a América.

O Brasil contou com essa massa de trabalhadores também como forma de colonizar o território além do fato de que indígenas não se adaptavam à escravidão.

O país foi o último do continente americano a libertar seus negros escravos.

SABER MAIS SOBRE ZUMBI

Por volta de 1620 a princesa de Aqualtune teria sido capturada na África com outros escravos e levada para a região nordeste do Brasil.

Nessa mesma época grupos de africanos já começavam a fugir para a Serra da Barriga em Pernambuco. Deram o nome de Palmares ao lugar por contar com muitas palmeiras e ser de rica vegetação. Mesmo falando variados dialetos, uniram-se em aldeias denominadas mocambos. Esses aglomerados chegaram a ocupar o espaço que seria hoje todo o Estado de Alagoas.

A princesa Aqualtune para lá também fugiu. Gerou vários filhos, entre eles Ganza Zumba e de uma das filhas nasceu Zumbi “deus da guerra”. Ele cresceu como homem livre recebendo formação escolar de padre católico até a juventude. Logo seguiu para o quilombo que já contava com 50 mil habitantes. 

A produção alimentar desses locais era composta de múltiplas culturas, ao contrário das plantações açucareiras no século XVII.

Um possível acordo de Ganga Zumba com o governador para que o quilombo se tornasse vila, gerou divisão no grupo. Isto porque continuariam escravos. Diante dessa questão, Zumbi assume a denominada “Nação Zumbi”.

Depois de muitas lutas, foi traído, capturado e morto em 20 de novembro de 1695.

Os escravos não acreditaram que o deus da guerra poderia morrer!       

Atualmente o “Dia da Consciência Negra” é celebrado todo dia 20 de novembro.

 

EM SÃO PAULO

A partir do século XVII o tráfico de escravos predominava no planalto servindo como mão de obra também e principalmente para onde houvesse engenhos. Importante destacar a influência deixada através dos hábitos destes povos na formação da cultura paulista e paulistana.  

São Paulo, que de Vila transformou-se em cidade, cresceu lentamente no início de sua formação, mas rapidamente em meados do século XIX quando a cultura do café se firmou.

Bairros como Bixiga receberam negros que ao se abrigarem em grupos formaram núcleos. Jabaquara, na língua tupi-guarani significa “refúgio de fujões”, lugar onde os escravos fugitivos de seus senhores circulavam buscando formar possíveis quilombos urbanos. A região de Santo Amaro também abrigou muitos negros e teve um grande defensor da liberdade, o poeta Paulo Eiró.

A Zona Norte recebeu contingente considerável de personalidades fortes que fixaram suas agremiações de samba e atividades culturais, principalmente depois da remodelação da região do riacho Saracura, atual Avenida Nove de Julho, quase que expulsando seus antigos moradores. 

A antiga Aldeia dos Pinheiros com seus indígenas, também abrigou quantidade de negros. Lá residiu Celso Garcia (Afonso Celso Garcia da Luz) um lutador dos direitos das classes operárias.

A Zona Leste com seu bairro Vila Nhocuné, simboliza a presença de senhores e escravos onde o coronel Cristiano Luis da Silva, dono das terras, era chamado de “nho coroné”.

São marcas na língua que pronunciamos diariamente e que pouco conhecemos, assim também palavras de origem africana, exemplos disso são: Caconde, que significa “ouro” ou Cubatão, onde cubata é “casa”.  

A arte da arquitetura de chafariz e elaboração de torres das igrejas era realizada pelo importante profissional Tebas, apelido do negro Joaquim Pinto de Oliveira. Especialista nessas obras construiu a torre da antiga igreja da Sé e do antigo chafariz no Largo da Misericórdia com Rua Direita, onde havia uma esfera armilar no seu topo.

Introduzido o curso jurídico na cidade de São Paulo em 1828, novos tempos para reflexão sobre a luta na abolição da escravatura. Os serviçais, nas décadas seguintes, pertencentes aos estudantes, recebiam alforria ao mesmo tempo em que seus donos se formavam no curso, determinando assim nova classe social.

O atracadouro de barcos que havia no Rio Tamanduateí, chamado de Porto Geral, hoje lembra esses fatos e tem a denominação da via como Ladeira Porto Geral. Era utilizado como desembarque de escravos africanos e lá havia também negociação sobre eles, inclusive com leilões.

Nesse mesmo período, conta Ernani Silva Bruno, o viajante Von Martius assistiu na Casa da Ópera paulistana uma opereta francesa com artistas negros ou mulatos.

A Praça da Sé por um período serviu de local de encontro a negros libertos. Livres, porém sem moradia ou na grande maioria sem qualificação profissional buscavam ali trocar informações e oportunidades.

Alguns se destacavam por ter conseguido prestígio em seu ofício, era o caso em 1871 do negro Aleixo com uma barbearia localizada na Rua do Ouvidor, hoje Rua José Bonifácio. O seu salão contava com uma coleção de borboletas.

O Largo dos Curros, atual Praça da República abrigou no início do século XIX um circo arrematado com madeiras. Lá se apresentavam alguns negros, enfrentando os touros. Eram as touradas em São Paulo.

ESCULTURAS

É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança” diz o provérbio africano.

Percorrendo a cidade de São Paulo são observadas obras de arte que remetem à presença de povos negros. No Monumento às Bandeiras, Victor Brecheret estampou traços das raças que formaram o povo paulista: com índios, negros e europeus.

No Largo do Paissandu, bem ao lado da igreja encontra-se o Monumento à “Mãe Preta”, obra do escultor santamarense Júlio Guerra. Apresenta a mãe negra amamentando a criança do branco. O autor da escultura, nasceu em Santo Amaro quando esse local era formalmente uma cidade, trabalhou como assistente de Victor Brecheret..

Na base da escultura, homenagem para a mãe consta frase de Cyro Costa:

Na servidão dos anos, criar filhos alheios.

Rasgou, qual pelicano, as maternais entranhas e deu à pátria livre em holocausto, os seios”.  

João Mendes de Almeida destacou-se como político atuante na aprovação da Lei do ventre Livre. Há homenagem a esse estadista na forma de uma herma localizada na Praça João Mendes.   

Um medalhão ao poeta Cruz e Souza encontra-se na Praça Dom José Gaspar.

Luiz Gonzaga Pinto da Gama, ou simplesmente “Luiz Gama” o “Poeta dos Escravos” um especialista em direito, lutou incessantemente pela libertação da escravatura. Há busto em sua homenagem no Largo do Arouche e jazigo no Cemitério da Consolação.

Assim como Luiz Gama, outros abolicionistas atuaram determinados pela causa. Para citar alguns: Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Antonio Bento, André Rebouças, Castro Alves, Paulo Eiró ou ainda o poeta Fagundes Varela que versou:

“A São Paulo terra da liberdade”!

Pátria de heróis e berço de guerreiros,

Tu és o louro mais brilhante e puro,

O mais belo florão dos brasileiros!

 

Foi no teu solo, em borbotões de sangue

Que a fronte ergueram destemidos bravos,

Gritando altivos ao quebrar dos ferros:

– Antes a morte que um viver de escravos!”

 

De Castro Alves:

“Cai, orvalho de sangue do escravo,

Cai, orvalho, na face do algoz.

Cresce, cresce, seara vermelha,

Cresce, cresce, vingança feroz.” 

 

IGREJAS

Observando alguns templos católicos da cidade de São Paulo, descobrem-se também referências aos povos negros.

A igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos localizava-se desde o século XVIII no local onde hoje está a sede da Bolsa de Mercadorias & Futuros na Praça Antonio Prado.

Em 1857 quando havia festa na igreja, o acompanhamento era feito por tambores e os negros se enfeitavam. As mulheres requebravam com rodilhas na cabeça, pulseiras de prata e rosários de contas vermelhas no pescoço.

Desapropriada, a Irmandade mudou-se a partir de 1904 para o Largo do Paissandu. Com verba recebida de uma parte de indenização, construiu-se um novo templo no Largo onde está atualmente. A inauguração ocorreu em 1906.

Trata-se da primeira igreja em estilo neo-românico da cidade. Sua arquitetura apresenta a entrada voltada para o sul. As tradições sempre lembradas e essa irmandade continua com intenso trabalho social. Utilizam parte inferior onde estão localizadas a biblioteca, a cozinha e sala de reuniões.

Bem próxima está a Igreja Santa Ifigênia, de devoção dos negros. Foi erguida pela Confraria Santa Ifigênia em 1795. Recebeu reformas durante o século XX. Esse templo serviu a cidade de São Paulo como matriz enquanto a Catedral da Sé era cercada de obras.

A Igreja Nossa Senhora dos Rosário dos Homens Pretos da Penha de França, localizada no bairro do mesmo nome, ainda registra a Capela de 1802 em taipa de pilão. Recebeu torre e decoração interna em 1896. É um importante exemplo de conservação do patrimônio e envolve comunidade atuante na região. 

LUMINÁRIA

São Paulo, cidade onde muitos moradores ainda se lembram da canção de Zica Bergami “Lampião de Gás”, desde que era uma pequena Vila não havia energia elétrica. Esta chegou somente no início do século XX. Antes havia uso de lamparinas, tocheiros e velas.

Desde o início do século XVII, com escravos africanos trazidos para o trabalho, suas lidas se davam em olarias, atividades da cana de açúcar e o cultivo do café. Mesmo com o fato de terem uma história ligada a ausência de documentação, sabe-se que trouxeram hábitos alimentares, religiões, batuques, palavras.

Povos que sofreram muitas dores e mesmo assim conseguiram espalhar seus modos alegres de expressão seja na dança ou nos abraços.

Uma caminhada no Centro Histórico da cidade de São Paulo permite estabelecer Roteiro por onde passaram, residiram e marcaram com seu trabalho muitas construções.

Há luminárias importantes se encontram ao lado do Teatro Municipal e do Shopping Light na margem esquerda do Anhangabaú. Localiza-se no trecho por onde passavam membros de comunidades que lutavam para impedir um outro local onde eram realizados os famosos leilões de escravos. Estes no lugar onde hoje fica a Ladeira da Memória e atual Estação Metrô Anhangabaú.

O chamado Centro Novo só passou a existir com construção do Viaduto sobre o Vale passando ao antigo Morro do Chá, hoje a esplanada que homenageia o engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, a famosa “Praça Ramos”.

A luminária fica também ao lado da escultura em homenagem ao compositor Carlos Gomes, um paulista nascido em 1836, neto de africana escrava na Vila de Santana de Parnaíba. Ele até escreveu “A Caiumba”, uma dança inspirada nas Congadas.

CORETO NA PRAÇA ANTONIO PRADO

A praça tem nome de Antonio da Silva Prado, prefeito da cidade de São Paulo que exerceu o cargo até 1910. Foi responsável pela obra de ampliação do antigo largo que antes era denominado Largo do Rosário porque ali no mesmo terreno ficava a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, desapropriada e demolida.

O coreto hoje parece sugerir uma ocupação das artes em geral com músicos ou poetas. Está localizado junto à Rua São Bento e Avenida São João próximo ao antigo Banco de São Paulo e ao Mirante do Banespa, atual Santander.

 

VIADUTO DONA PAULINA

Nas vias próximas ao Centro da cidade também ficaram marcados os personagens que fizeram parte da sociedade paulistana e exerceram influências na economia ou nas lutas sociais.  

Luis Antonio de Souza Queiroz, português que trabalhou com mulas em 1818, é o nome do Brigadeiro Luis Antonio, pai do Barão de Limeira – Vicente de Souza Queiroz.

Esta área pertenceu a Dona Paulina de Souza Queiroz, filha do Barão de Limeira, e se tornou conhecido como Caminho de Santo Amaro.

Sob o viaduto fica a área administrativa do Serviço Funerário da cidade de São Paulo. E logo abaixo a Avenida 23 de Maio. Correndo pelo centro da avenida, o córrego Itororó canalizado desde o final da década de 1960. É esse viaduto que dá acesso ao Centro onde se encontra a Praça João Mendes, antigo Largo de São Gonçalo, lugar das antigas festas da comunidade dos pretos em homenagem ao santo. Ali está a igreja bem atrás da Catedral, edificada em barro desde 1757 e reformada em 1878. Abriga a imagem de São Gonçalo Garcia.

Ao largo da Praça João Mendes também ficava a Igreja Nossa Senhora dos Remédios onde o abolicionista Antonio Bento recolhia os escravos libertos.

Em 1898 o local passou a ser denominado Praça João Mendes. Homenagem a João Mendes de Almeida Junior que residiu na praça. Este, além de aluno foi professor da Faculdade de Direito e lutou pela abolição da escravatura.    

Em direção ao Largo da Forca – pelourinho paulista – hoje Estação Liberdade do Metrô, localiza-se a Igreja das Almas ou dos Enforcados. Abaixo, na Rua dos Estudantes a Capela dos Aflitos, entrada do antigo cemitério dos pobres, negros e condenados à morte.  

 

CEMITÉRIO MUNICIPAL DA CONSOLAÇÃO

Importante patrimônio de São Paulo construído em 1858, o Cemitério Público da Consolação está localizado na estrada que atravessava a Mata do Caaguaçú, hoje Avenida Paulista. Por lá passava o Caminho do Matadouro, região onde escravos se escondiam.

Serviu de acesso para a Aldeia dos Pinheiros. Durante o século XIX formaram-se chácaras com casas grandes e cocheiras. Ainda se podem ver jabuticabeiras em alguns quintais do bairro. Essa via também conhecida como Caminho de Sorocaba, a partir de 1803 recebeu o nome de Rua Nossa Senhora da Consolação.

Desde a antiguidade vários povos reverenciavam seus mortos de maneira diferenciada. Os romanos no período da Idade Média sepultavam dentro das igrejas.

Na cidade de São Paulo esse procedimento também ocorreu e o altar mor em geral era reservado aos ricos. Em volta da igreja, ficavam os pobres nos chamados “campos abertos”. Através de uma permissão pública do Estado, a partir das ordens do governo em 1854, foi inaugurado o Cemitério da Consolação. Era o primeiro cemitério público, considerado na época, distante da cidade.

Patrimônio da cidade repleto de obras de arte como uma escultura do artista Celso Marcondes de Menezes, modernista que valorizava o tipo físico brasileiro incorporando traços negros.

O local abriga, entre tantas raridades, jazigo com homenagem a Luiz Gama. Para ele teria sido realizado um dos maiores cortejos fúnebres da cidade de São Paulo, ocorrido em 1882, saindo do bairro do Brás com bandas de músicos e muita gente.     

RUA SANTA IFIGÊNIA

No século XVIII o Campo da Luz ou Guaré era região de entrada da pequena cidade de São Paulo para viajantes que chegavam dos caminhos das minas.

Com os rios e ribeirões por todo lado, foram construídas várias pontes. Entre elas, duas confeccionadas de pedra sobre o Anhangabaú no sentido Santa Ifigênia.

Neste local aconteciam procissões em períodos de festas religiosas. Uma característica forte do local foi a presença de pensões e pequenos hotéis para os que estavam de passagem. Tempos depois a região foi servida pelo trem, aumentando essa demanda.

Em meados do século XIX a Santa Ifigênia, já com esse nome, e a Luz também já contavam com residências que eram montadas por fazendeiros para quando estivessem em negócios pela cidade. Nessa rua morou também o juiz de paz Pires da Mota.

Nos hotéis só ficavam forasteiros, viajantes e mulheres de conduta suspeita, como se dizia. Já então começa a fama do lugar conhecido como “a boca do lixo”.

Em 1836 estavam lavadeiras brancas, negras, pardas e alforriadas assim como rendeiras, peixeiros e os que conduziam carros de boi. Região de diversões, de serviços pesados, de cabarés e prostíbulos.

Hoje com sua principal igreja aguardando reforma, se caracteriza pela presença de vários hotéis e grandes ofertas de produtos eletrônicos.

 

REGIÃO DA LUZ

Desde 1797 já eram realizadas as feiras chamadas de “Feiras de Pilatos” onde hoje se localiza a Avenida Tiradentes. As Feiras Livres tão conhecidas hoje tiveram origem a partir de 1914 no Largo General Osório, bairro da Luz.

Desde o início do século XIX as feiras de rua sobrevivem nos bairros mesmo com as mudanças econômicas dos grandes mercados e a sedução das inúmeras propagandas.

      

SALA SÃO PAULO

No início do século XIX os bairros de Santa Ifigênia e Campos Elíseos possuíam suas Feiras e por lá passavam viajantes. Também contavam com Bandas de Música e corridas de cavalos em vários pontos.

Na sociedade escravagista os ofícios pesados e sem valor quase sempre eram exercidos por escravos, como cuidar da terra e transportar o lixo. Nessa região concentravam-se carregadores negros para esses trabalhos pesados.

Havia também diversão. O lugar chegou a ter o Cassino Paulista, café-concerto como o Polytheama e o Café Cantante, além de vários Circos.

Em 1875 com produção cafeeira e a necessidade de escoar o produto da capital para o Porto de Santos, foi necessário construir e planejar a estrada de ferro Sorocabana.  Inaugurada em 1938, passou por período de abandono e recebeu reforma somente em 1999 com a presença de setecentos operários trabalhando e compondo um excelente teatro com 1509 lugares, a famosa Sala São Paulo.

 

IGREJA DA CONSOLAÇÃO

Antigo caminho dos tropeiros para Sorocaba, o trajeto passava também pela Aldeia dos Pinheiros.

Houve criação de uma primeira igreja erguida em 1799 e sediando a Irmandade de Nossa Senhora da Consolação.

A igreja atual projetada pelo mesmo autor da Catedral da Sé, o arquiteto Maximiliano Hehl, tem obras de pintores como Benedito Calixto e Oscar Pereira da Silva.

Esse construtor encontra-se sepultado no Cemitério da Consolação.

Em 1884 a Rua da Consolação terminava na Igreja e o Cemitério ficava na beira da Estrada. Era para os moradores, um lugar bem longe da cidade.

O prolongamento da via é a Avenida Rebouças que homenageia os irmãos André e Antonio Rebouças. Engenheiros negros formados antes da Abolição da Escravatura e amigos de D. Pedro II. André foi o primeiro negro a se diplomar em engenharia no Brasil. Era filho de um autodidata que advogou e lutou pela independência do país.

Quando o futebol ainda era atividade da elite e os jogadores atuavam de gravatas, bem ao lado da Igreja ficava o espaço para outra atividade esportiva, a bicicleta. O Velódromo foi construído na região da Consolação e estava no local ainda no ano de 1890.

 

HOSPEDARIA DO BRÁS

O trem que circula no Brás, funcionando junto ao atual Memorial do Imigrante próximo à estação de metrô Bresser servia à antiga Hospedaria do Imigrante, sua denominação anterior. A população negra e pobre se utilizava deste meio de transporte com suas bagagens em vagões simples. Por essa Hospedaria que abrigou milhares de estrangeiros, também passaram negros, principalmente os oriundos de Minas Gerais para trabalho nas fazendas de café do Paraná.

Antes dele, durante o século XVIII, os caminhos eram percorridos a pé. Havia procissões em direção ao bairro da Penha. Lá as festas eram de grande importância para a cidade de São Paulo.

Quando o trem começou a circular, no Brás era necessário aguardar a abertura da porteira onde se formavam filas de veículos para aguardar a passagem. A situação se modificou com a construção do Viaduto em 1968.

Nesse bairro do Brás durante o século XIX estavam os melhores cinemas e teatros, como o Colombo. Este, ótimo ponto de encontro, era alcançado através do uso dos bondes.

Cinemas famosos foram construídos lá como o Braz Politeama, Mafalda e Olímpia além do Oberdam que em 1938 sofreu um grande incêndio.

 

ESCOLAS

Em São Paulo muitas crianças passaram por processos de socialização difícil devido às suas origens. Até 1850 o ensino escolar era vetado às crianças negras, só liberado em 1879 com a reforma educacional.

No bairro de Santa Ifigênia havia o Seminário da Congregação de São José. Tinha o propósito de ensinar órfãs, mas aconteceram abusos na dura disciplina. Com freqüência ocorriam fugas e mesmo as escravas que prestavam serviços para a entidade, quando podiam, escapavam.

Por um período, durante o século XIX e início do XX, música e dança da população negra eram considerados casos de polícia. Batuques eram perseguidos e proibidos.

Como lazer e brincadeiras os negros praticavam capoeira, combatida pelas autoridades que chegaram a proibir essa prática nas ruas em 1832.

Mas outras atividades como o jogo da peteca, aconteciam, principalmente no Largo da Forca – hoje metrô Liberdade. Também se podia nadar nos vários rios e ribeirões da cidade.    

 

RUA DIREITA

Entendendo melhor o passado, podem os descendentes das comunidades negras observar a dinâmica da sociedade atual e valorar muitos de seus antepassados. Afinal em São Paulo durante vários períodos, houve trabalho duro e a moradia para negros se localizava quase sempre na parte inferior das casas.

Da escravidão para o trabalho livre foi um longo processo. Lutas empreendidas visando mudar esse quadro eram importantes, como a fundação da Frente Negra Brasileira na década de 1930 que tinha propostas educacionais para a comunidade.

A Rua Direita transformou-se durante as décadas de 1940 e 1950 em ponto de encontro dominical dos negros que seguiam para os seus bailes.

Durante as jornadas semanais sempre ligadas à manutenção da saúde e bem-estar da sociedade realizavam difíceis e pesadas tarefas. E nos finais de semana, um pouco de lazer pela cidade.

RELEMBRAR

Importante lembrar que muitos negros também conseguiram seguir estudos e obtiveram boa visibilidade em áreas do saber como o poeta Castro Alves, o maestro Carlos Gomes, o ator Grande Otelo, a compositora Dona Ivone Lara, a atriz Zezé Motta ou o geógrafo Milton Santos.

Essa necessidade de apresentar as personalidades de origem negra com destaque em áreas do saber como Artes Plásticas, Música, Ciência, Religião, política ou no Esporte é comum a todas as outras etnias que formam a cultura das cidades, assim também em São Paulo.

Influências na língua também são notadas através da derivação do dialeto africano banto e são palavras amplamente utilizadas como batuque, banguela, boboca, caçamba, cafuné, miçanga, moleque, peruca ou quindim.

Novas gerações podem conhecer mais, ampliar as pesquisas sobre o tema e relembrar seu ancestral no planejamento do futuro. Um roteiro pelo Centro Histórico de São Paulo que contemple a importância da presença negra e a mescla tão fascinante das raças resulta em interessante mosaico de uma cidade multicultural.   

 

OPINIÃO DOS USUÁRIOS DO METRÕ

Quando li algumas opiniões dos usuários que passaram pela Estação Tatuapé no ano de 2005 onde a Mostra se realizou, pensei um dia em ampliar a possibilidade de mais pessoas também conhecerem esses fatos. Daí esta publicação. Seguem alguns exemplos de opiniões do público.  

“Eu estive aqui e gostei bastante das fotos expostas! Muito bom! Supimpa! Legal! Mó curtição! Dia da abolição da escravatura, p. coincidência”

“Parabéns por essa exposição eu amei como cidadã negra, acho que deveria ter várias outras dessas por aí, para nós negros conhecermos mais a nossa história, e as pessoas darem mais valor para os negros brasileiros”

“Extremamente refinado, e de uma óbvia certeza, refaz aquela “tola” idéia de que o negro não traz boas qualidades, atributos, e, contudo, sua dor não deixa de ser lembrada, pois com os nossos próprios erros, temos a confirmação da real atitude de nossos dias. Excelente visão”.

“Ótima oportunidade para a população em geral conhecer parte de sua história. Porque todo brasileiro tem a sua “história negra””. Parabéns. Adorei. Abolição da Escravatura: comemorar ou refletir?”

“Independente é “nóis”. Branco se você soubesse o valor que o preto tem, tu tomava um, banho de pixe branco e ficava negro também!!! É bom valorizar o negro (um povo que foi roubado no passado e foi largado aqui depois da Abolição sem nenhuma ajuda!”

“Um belo resgate!”

“Adorei li tudo com paciência e viajei momentos nesta história que já ouvi falar algumas coisas”.

“Parabéns pela atitude, pois é muito difícil ver coisas tão belas da nossa origem!!!”

“É muito bom quando uma raça se apresenta com sua valorização. Isto é consciência, coisa que o NEGRO precisa fazer cada vez mais.” 

“Adorei a exposição dos negros”. Estão de parabéns!! Ah se possível façam exposição de japoneses.”

“Uma ótima exposição!! Adoramos ter passado por aqui! Beijinhos”.

“O negro realmente é lindo!!! Zona Leste somos nós.”

“Gostaria de ter me casado com um negro, mas não deu”.

“Queria ser negra…mas não deu.”

“Um salve para os negros!! Povo firmeza”

“O branco quando nasce é rosa quando adoece é verde, quando fica no sol é vermelho, quando morre fica roxo. Depois falam que negro é homem de cor”.

“Parabéns pela iniciativa, que abra horizontes para outras. Amei”

“Parabéns a todos pelas fotos! Ver não é apenas um fato da física, é perceber que o nosso redor é forma e conteúdo. É vida, é emoção. É a existência na plenitude”.

“Parabéns pelo sucesso que temos pela vitória dessa luta de brio e valor da nossa raça. Quero a mesma cara limpa de poder lutar por esta história”.

“Não vamos querer tapar o sol com a peneira. Vamos combater os preconceitos todos que existem, principalmente com os negros e nordestinos do país. Não vamos rir de piadas sem graça e preconceituosas.”

“Obrigado por mostrar um pouco mais sobre a história da nossa cidade. Apesar de morar em São Paulo há vários anos, ainda me sinto um estranho. As ruas do Centro são carregadas de história. Parabéns pelo trabalho!!!”

“O Brasil deve muito à raça negra, mas é preciso a partir de agora, rever todos os conceitos com essa raça e valorizar muito mais nossa história”. 

Vera Lucia Dias – Mostra a cidade de São Paulo a moradores e visitantes desde 1998. Formada em turismo com pós-graduação em Globalização e Cultura. Atuou no Conselho Municipal de Turismo. Fotografa a cidade e atua como palestrante. Docente na HOTEC em 2009.

Consultas Bibliográficas

 

ALMEIDA, Norlandio Mirelles de. São Paulo de Castro Alves: edição em homenagem ao sesquicentenário do Poeta. Soge, 1997.

BERARDI, Maria Helena Petrillo. Santo Amaro Memória e História: da botina amarela ao chapéu de couro. Scortecci, 2003.

GRANATO, Fernando. O Negro da Chibata: o marinheiro que colocou a República na mira dos canhões. Objetiva, 2000.

KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do Turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens. Civilização Brasileira, 1989.

PRADO Junior, Caio. Evolução Política do Brasil e Outros Estudos. Editora Brasiliense, 1977.

SANTOS, Milton. Técnica Espaço Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. Editora Hucitec, 1996.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870 – 1930. Companhia das Letras, 1993

Redação

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