Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Reforma Agrária, Vale do São Francisco e MST, por Rui Daher

uvas

Reforma Agrária, Vale do São Francisco e MST

por Rui Daher

em CartaCapital

Não tinha jeito, compromissos profissionais previamente ajustados me levaram para o Vale do São Francisco, Petrolina (PE), Juazeiro (BA) e arredores, justamente no período de 3 a 6 de maio, quando ocorreu a III Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca, São Paulo.

Já comparecera a duas delas, uma em Porto Alegre (RS), relativizada na Expointer de Esteio, mais voltada à pecuária, e outra em São Paulo, de menor expressão, pelo que leio nas folhas e no site do MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

De qualquer forma, não saí pagão da região do Velho Chico. Mais uma vez, pude refletir como deveria ter sido feita a reforma agrária e como a transformação agrária poderá ainda ser feita com sucesso.

E aí peço licença aos grandes pensadores agrários do século passado, como Gondim da Fonseca, Francisco Julião, Vitor Nunes Leal, tantos outros, e aos movimentos sociais do presente, para dizer que o termo reforma agrária, em proposta intrinsecamente reformista, não será transformadora. Pode ser usado como forma semântica, não em termos exequíveis e de conquista de adeptos.

Seria como comparar a agropecuária de 50 anos atrás à atual. O comércio internacional ainda sujeito a vantagens comparativas e não competitivas. Os avanços tecnológicos de mecanização aos arados, as sementes híbridas à transgenia, dando volta de 360 graus nas práticas de plantio direto, irrigação, integração lavoura, pecuária, floresta, sistemas integrados de proteção, uso de controladores biológicos, inovações em nutrição e fisiologia vegetais.

Não que eu valide tudo o que foi feito de lá para cá. Pelo contrário, houve muita involução na forma de práticas insustentáveis, sempre condenadas e apontadas nesses cinco anos de coluna.

Poderíamos, sim, ter conquistado os mesmos avanços sem tanta obtusidade ambiental e em relação aos homens e mulheres do campo, como exposto na coluna anterior. Mas o que está feito não será revertido insistindo-se no rótulo da reforma agrária.

No imaginário dos brasileiros, apoiado em conservadorismo, poder de mídia, predomínio de culturas voltadas às commodities exportáveis, lobbies no Congresso, oligopólios de multinacionais agroquímicas, associações patronais, comodismo de pesquisadores, agrônomos e técnicos agrícolas em não desenvolverem tecnologias naturais ou orgânicas contrapostas às moléculas sintéticas.

Enfim, aí sim, estaríamos falando em transformação e não em reforma agrária “como nossos pais” (Belchior) tinham razão lendo Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Antônio Cândido.

Desculpem-me, não é mais assim e nem assim será.

Mesmo sem comparecer, sei que foi muito bonita a festa, pá! Foi e sempre será. Como festa, não como práxis, esta empobrecida pelos novos aspectos do atual ciclo do capitalismo. Aqui e acolá.

Reproduzo trechos do texto de entrada no site do MST:

“As agricultoras e agricultores, vindos dos quatro cantos do Brasil, trazem à capital paulistana sua produção in natura e agro industrializada [por que não do agronegócio, se é o que realmente é, sem qualquer demérito?] com o sabor marcante das lutas camponesas. (…) O espaço “Culinária da Terra”, com pratos típicos e com shows com apresentações culturais de diversos artistas. Serão mais de 350 toneladas de alimentos saudáveis e a presença de mais de 900 assentados, (…) onde há organização do (…) do MST mostrando que a democratização da terra dá certo e que é possível produzir alimentos saudáveis, respeitando a terra, a natureza e os trabalhadores”.

Ótimo! Foi o que disse sobre a festa. Compareceram 260 mil visitantes. Fico feliz, mas isso repete a maioria de eventos na cidade de São Paulo, ávida por novidade e lazer.

E como a festa produzirá apoio político e medidas transformadoras? Voltará o essencial Ministério do Desenvolvimento Agrário? Os recursos do PRONAF, Programa Nacional para a Agricultura Familiar, deixarão de ser reduzidos? O vergonhoso Pacote do Veneno Ruralista não passará no Congresso? Será vetado pelo presidente ilegítimo? Assentamentos continuarão sem apoio técnico? A comercialização da hortifruticultura permanecerá sem garantia de preços mínimos? Batatas continuarão a ser jogadas nas estradas? Nossa soberania deixará a guerra EUA x China cagar em nossas cabeças, sobretaxando commodities brasileiras?

A festa foi bonita, pá, mas apenas festa. A verdadeira transformação agrária foi e está sendo feita no Vale do São Francisco e outras terras de semiárido, apesar da pouca benevolência edafoclimática da região.

Com água do Velho Chico, gente que recebeu pequenos lotes de terra, e trabalhou, de forma autonômica, construiu-se um arcabouço de tecnologias viabilizadoras.

Reforma não transforma, escreviam pensadores importantes do século XIX. Não preciso dizer quem.

https://www.youtube.com/watch?v=7vl4FEx2i8c]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=-Zq41qdy_Uc

 
Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

9 Comentários

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  1. reforma….

    Caro sr., a reforma socialista e agrária no Vale do S. Francisco foi capitalista. As suas viagens à região, comprovam isto. Agropecuária é apenas agropecuária. Nada mais que isto. Reforma Agrária temos há séculos. E ainda falta muito para completá-la. 2/3 do território não tem ainda nem Agricultores, nem Pecuaristas para trabalhar, quanto mais para guerrinhas ideológicas e reformas. MST não produz nada. Quem produz é Assentado com terra. Igual a outros milhões Agricultores Brasileiros, muito mais que os tais Assentados, que fizeram isto com méritos próprios e sem qualquer apoio e propaganda politica. O próprio Stédile afirmou que o tal MST e Reforma Agrária, nos seus modelos, não era para produzir nada fora uma revolução socialista a partir do campo (tudo gravado). Quanto aos Agrotóxicos ( que beneficiam as vendas de Multinacionais Estrangeiras e presionam para isto) e não a Agropecuária ou Agronegócio, como acusam, os ‘Ambientalistas de Shopping Center’, que tem tanto medo de VENENO, deveriam pedir o fim também de Inseticidas para uso Residencial ou outros venenos  urbanos e pessoais, que usamos diariamente. Ou DDT não foi usado até ontem e não é altamente cancerígeno? Ou Cipermetrina (li na embalagem) não é altamente tóxica? Ou o tal ‘gourmet’ vai conviver com baratas e mosquitos da dengue e febre amarela? Ou piolhos? Ou ratos? Mas só na Agropecuária é que é totalmente prejudicial? abs. 

    1. Pô, Sérgio

      Estou cansado de escrever isso em minhas colunas. Arrisquei-me a uma crítica “de direita” na CartaCapital, nesse último texto. É inclusive o parágrafo final. Mas você sempre tem uma crítica a fazer por me considerar de esquerda. Sou! Mas não burro para entender porcessos e momentos históricos.

      Abraços

  2. Seguinte,

    não precisa avisar. Já percebi, mas não consigo remover. O vídeo do Alceu, nas imagens, erra de Juazeiro. Assistam só o do Fagner

    1. Jair,

      ele está com o genial compositor da música, se vc não percebeu. um clássico histórico. O Raimundo pouco interessa.

      Abraços

  3. Uma dúvida sobre o Agro brasileiro

    Caro Rui,

    Ontem fico sabendo que uma grande trading japonesa está fechando as operações de uma de suas controladas, uma comercializadora de grãos relativamente tradicional no Brasil. Pergunto: se, na agricultura, somos “primeiro mundo” porteira dentro, por que não dominandos a cadeia hacia afuera? Digo: por que, até hoje, não se concebeu neste país uma empresa  que tenha envergadura para competir internacionalmente com os grandes ABCDs do chamado “soft commodity” (leia-se grãos agrícolas) mundial? Sei até de empresas de Cingaupra e de Hong Kong, que tem destacada presença nessa ponta (inclusive com escritórios aqui no Brasil), assim como até aqueles russos dos fertilizantes, que já montaram operações internacionais (também aqui no Brasil), bypassando as casas suiças.

    Obrigado e um forte abraço para você!

     

     

    1. Uma dúvida….

      Caro Eden SP, sei que a pergunta não foi para mim mas quero dar mais este pitaco. Você chegou ao X da questão. Por que Somos AntiCapitalistas. Nosso AntiCapitalismo de Estado, implantado fascistamente há 88 anos, numa Ditadura Militar, que é vangloriada e ovacionada por nossa Elite Esquerdopata até hoje( afinal existem ditadores e ditadores) ascendeu o Estado Máximo. Estado Obrigatório. Transformar as condições sociais através de Empregos e Salários, criando uma Classe Média nunca foi nosso objetivo marxista tupiniquim (nem quando é o objetivo marxista chinês). Mas não consiguimos entender bnem o ÓBVIO !!! Então para que Empresas? Empresas destes “Empresários”, que só querem achacar o pobre proletariado tupiniquim?!! Veja o tamanho da nossa Imbecilidade? Como o sr., afirma somos naturalmente os Gigantes, o Carro Chefe, a Maquina Locomotiva da AgroIndústria Mundial. E damos tamanho potencial, capital, tecnologia, empregos, possibilidades, território, águas, mercado a Interesses Internacionais, como Singapura ou Hong Kong (o que Singapura e Hong Kong são perto do Gigante Brasil? Como o rato pode dominar o elefante?) Mas temos sim Gigantes Brasileiras da AgroIndústria. E o sr., não está vendo o que o AntiCapitalismo de Estado Brasileiro está fazendo com sua própria riqueza, empregos, cidadãos, profissões, milhares de propriedades rurais? Ou não vê a destruição de JBS? E de BRF? E de Odebrecht? E de Grupo X? E ceder grandes territórios nacionais à propriedade estrangeira? E sabotar e destruir Petrobrás e Vale do Rio Doce, que juntas detém mais de 40% das reservas mundiais de insumos para a fabricação dos tais ‘fertilizantes’ que o sr. afirma que russos estão abocanhando, inclusive aqui no país? A imbecilidade somos Nós. Não tem Trump, nem grandes potências, nem tempestade solar, nem Casa grande, nem baboseiras, academicismos e ilusões inventadas. Tem o rumo errado e escolhas infelizes que buscamos desde a Ditadura Inaugural. Ditadura que nos salvou de Eleições Diretas e facultativas. Vai entender !!! abs.  

      1. O governo Lula foi…

        …legítimo governo capitalista. Onde a elite esquerdopata errou?

        A direita brasileira é que é anticapitalista, ela é colonialista o golpe é colonialista. O estado tem que ser o precursor dos investimentos e assim induzir as empresas a investirem também.

        Entendi muito bem sua confusão política colinialista…

    2. Caro Eden,

      Sua observação é muito consistente, mas a dinâmica do comércio internacional é que levou a isso. Começou com o enfraquecimento e até quebras de grandes cooperativas brasileiras, que por muito tempo fizeram esse papel. Nada a ver com o anticapitalismo do Estado brasileiro, que nem sabe o que é isso. Muitas cooperativas do Paraná, fortes, ainda mantêm suas tradings, mas se enfraquecem com os produtores de commodities que optam por vender a produção para as grandes tradings multinacionais. Pegam melhores preços e menos burocracia. Mesmo em relação ao café, a COOXUPÉ, ainda manda no mercado de café, mas há inúmeras associações de pequenos produtores para fugir das imposições da cooperativa e exportarem “direto”, sobretudo em bases de produções orgânicas e fair trade. 

      Se um japonês (creio ser a Mitsubishi) naõ pode pode com americanos e chineses quem, no Brasil, poderá, ainda mais com produtores competitivamente apertados pelo servilismo no uso de insumos – MULTICIONALMENTE OLIGOPOLIZADOS – como muitos equivocados não criticam

      Prometo aprofundar-me no assunto e voltar a abordá-lo.

      Forte abraço

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