Um remédio anti-fascista: a coolness de Hannah Arendt e Umberto Eco

Em setembro de 2011 o povo brasileiro foi eleito o segundo povo mais cool do planeta. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/09/110907_brasil_cool_badoo_pesquisa_bg.

Alguns anos depois, em dezembro de 2015, outro jornal inglês disse que o povo brasileiro é o terceiro povo mais ignorante do mundo. http://www.independent.co.uk/news/world/politics/the-top-ten-most-ignorant-countries-unaware-of-their-countries-demographics-a6761541.html.

É possível ser cool e ignorante? Para responder esta pergunta precisamos olhar mais atentamente a realidade.

Umberto Eco resumiu os principais sinais do fascismo e afirmou que ele pode ser definido como irracionalismo http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/43281/umberto+eco+14+licoes+para+identificar+o+neo-fascismo+e+o+fascismo+eterno.shtml. Todavia, o eminente pensador italiano se esqueceu de mencionar o apurado estético dos fascistas. Na Alemanha dos anos 1930 eles usavam fardas vistosas e botas de cano alto impecavelmente engraxadas. Nas manifestações contra o PT e a favor do golpe de 2016 eles foram vistos usando camisetas oficiais da CBF, calças jeans de marca e tênis importados. Onde quer que o fascismo tenha crescido, irracionalismo e culto da aparência andaram de mãos juntas.

A plataforma dos golpistas era irracional: eles queriam ganhar uma eleição que perderam; desejavam impor a democracia mediante a revogação dos 54,5 milhões de votos em Dilma Rousseff. Eles conseguiram o que desejavam em virtude de serem apoiados pela imprensa.

Durante as manifestações que culminaram com a aprovação do Impedimento mediante fraude de Dilma Rousseff, os golpistas se distinguiam dos “outros brasileiros” por serem brancos, educados, economicamente privilegiados e supostamente inimigos da corrupção. Eles eram predominantemente leitores da Veja, Estadão, Folha de São Paulo e O Globo. As redes de TV trataram-nos como se eles fossem cool e inteligentes.

Os brasileiros que defenderam e ainda defendem a democracia, eram pobres, pardos, mestiços, negros, índios, gays e operários envelhecidos pelo desgaste nas fábricas. Leitores dos blogues mantidos por jornalistas independentes e intelectuais (que foram chamados de blogues sujos por José Serra e pela imprensa tradicional). As redes de TV retrataram-nos como ugly e ignorantes.

Hannah Arendt disse que “…o resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade, e a verdade ser difamada como mentira, porém um processo de destruição do sentido mediante o qual nos orientamos no mundo real  – incluindo-se entre os meios mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e falsidade.” (Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt, Perspectiva, São Paulo, 2009, p. 317/318).

O processo de destruição do sentido mediante o qual os brasileiros se orientam no mundo real é evidente. Isto explica porque eles se tornaram mais e mais ignorantes a partir do golpe de 2016. Tão ignorantes que eles não percebem que não há corrupção maior do que entregar o pré-sal aos estrangeiros a preço de banana quanto os recursos oriundos da exploração petrolífera poderiam ser utilizados para aumentar o padrão de vida e o bem estar dos próprios brasileiros.

Os jornais e telejornais criaram e utilizaram as categorias “cool e inteligentes” e “ugly e ignorantes” para distinguir os defensores e adversários do golpe de 2016, mas estas expressões não foram abertamente utilizadas. Algumas vezes a novilíngua – outra característica do fascismo segundo Umberto Eco – passa a ser usada de maneira corrente, outras ela apenas ajuda a construir os conceitos que orientam o trabalho dos jornalistas.

A julgar pelo que temos lido nos jornais e visto nas redes de TV, as pessoas que pertencem àquelas duas categorias teriam conservado suas características após o golpe de 2016. Todavia, a percepção da realidade sempre se impõe quando somos capazes de ultrapassar os limites conceituais estreitos que foram artificialmente criados por uma versão inverossímil do real que pretende destruir a oposição entre verdade e falsidade.

Os golpistas não podem mais ser considerados “cool e inteligentes”. A economia piorou ao invés de melhorar e eles não são capazes de realizar manifestações contra a corrupção evidente, descarada e desenfreada do governo do usurpador Michel Temer. A beleza e a inteligência dos “ugly e ignorantes” segue sendo diariamente revelada e reforçada. Mesmo sob intensa repressão policial eles não deixaram de contestar um regime político arcaico que se caracteriza pelo racismo programático consolidado através da revogação de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários e da defesa de privilégios senhoriais herdados por nascimento.

Em razão de tudo que foi exposto, a mim parece que os fascistas brasileiros são “cool e ignorantes”. Mas em algum momento, com ajuda da coolness de Hannah Arendt e Umberto Eco, eles passarão a ser vistos como realmente são: ugly racistas e escravocratas.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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