Vou-me embora pra Pasárgada?, por Shellah Avellar

Do blog Sensorion

Vou-me embora para Pasárgada?

Por Shellah Avellar

Por malvados que sejam os homens, não ousariam parecer inimigos da virtude, e quando querem persegui-la, fingem acreditar que é falsa ou lhe atribuem crimes. ”                                                          

La Rochefoucauld

A nossa pobre condição humana, o nosso impávido colosso reduzido às manigâncias de alguns conspiradores. O servilismo ao “ mais do mesmo” passado de sombras do coronelato e das usinarias da casa grande. O caldo de emoções desencontradas e contraditórias do cenário das manifestações das ruas. As narrativas de decepção, revolta e perda , seja pela desordem burocrática mascarada de “justiça”, seja pelo desenho do golpe mascarado de júbilo e aureolado pela súbita paixão à família , a deus e a qualquer coisa que o valha ,para defender a embriaguez coletiva que assolou o nosso parlamento, esboçam em mim um aturdimento, que apesar de me paralisar momentaneamente, provocam uma revolução intestinal, emocional e cerebral que só se debela através da escrita-desabafo.

Apesar de ser favorável às divergências de pensamentos, conceitos e teorias e partidária do exercício da democracia, e da liberdade de expressão e impressão dos meus companheiros de estrada , sejam transeuntes, vizinhos, familiares e desafetos, o atual tribunal da nossa  contemporaneidade me provoca engulhos.

A falta de perspectiva histórica, de mínimo conhecimento das conquistas pelos  direitos humanos para os mais simples, o “salve-se quem puder” para garantir a perpetuidade da canalhice é como ser condenada a dormir eternamente  misturada a escorpiões.

Acordo febril, carente de líderes e imersa nas águas lamacentas da hipocrisia,que insiste em me rodear e me sacudir .

A vizinha que ontem berrava de júbilo pela vitória do impeachment e pelo fim da corrupção, pela manhã me chama e me oferece vacina contra h1n1 por 50 reais, oriundas de um certo posto de saúde , trazendo “ de quebra “ a enfermeira para aplicação em domicílio.

Recuso educadamente, e me retiro para o café apressadamente, para me refugiar e não me deixar contaminar . Lá, outro contumaz batedor de panelas, um empresário bem-sucedido de não sei o exatamente o quê, dá bom dia carregado de um sorrisão pro cafeteiro e diz que agora as coisas estão começando a melhorar.” O rapaz lhe pergunta: Mas  e o Cunha ?-Ele responde :Ah ,o Cunha ? ah ah ah. Já defini que é o “meu malvado favorito”.

Peço uma água pra lavar a goela,e  talvez a minha alma desalentada.Respiro fundo, vou em casa pegar uns documentos esquecidos por conta da pressa e abro dois  envelopes em que Associações Comerciais me cobram uma taxa para adesão de minha nova empresa ,agora no sistema Eireli. Ligo para o contador, apavorada, por desconhecer tais compromissos monetários tão prematuramente, uma vez que foi combinado que eles me informariam com antecedência das minhas obrigações tributárias para que eu me programasse.

Ele me responde, com a maior tranquilidade,  que eu não me preocupe com isto, porque a Junta Comercial vende os números dos novos CNPJs para as Associações Comerciais.Mas a gente não precisa pagar.E, se ,pagar, por descuido, não devolvem o dinheirinho suado da garota aqui e nem dos outros empresários de si mesmos “desavisados.”

Quando da entrada do processo na Tal da Junta, perguntei quanto tempo iria demorar, eles respondem por volta de dez a quinze dias. Mas se fizer pelas agências dura dois dias e tem de pagar 250 reais. Recuso e  aguardo os tais quinze dias.

Daí, queridos, me poupem, me dêem um colinho, porque é muita emoção pro meu caminhãozinho ,num só dia de pós -parto da Libertação da Corrupção do País do Pau-Brasil(aliás em processo de extinção), ou o “Dia em que o povo brasileiro viu a Luz!”

Passeio os olhos exaustos pelos impressos  e pelas redes sociais,e os ouvidos poluídos pela mídia eletrônica e só o que leio e vejo e escuto são as revelações do poder que tento exorcizar, recorrendo às artes.

Mas a inquietação me remexe, quando fascistas esbravejam impunemente pela  implantação do Apocalipse em prol da tortura e do medo. Só o que consigo ver nas estátuas são seus olhos cegos.

Ênfases na peroração de velhos discursos e ameaças de profetas caindo de podres.

Nada a fazer? Ninguém escapa da lentidão em que os indícios de uma verdade contrária ao que se deseja se acumulam.

Quantas provas mais para que se denuncie abertamente os sofismas maniqueístas de que se cobrem as manobras de todos os lados?

Ou vocês acham que é fácil, ouvir de uma mulher da periferia, que apanha do marido, que chega embriagado e a força a ter relações sexuais com ele, sem proteção,enchendo e preenchendo sua vida estéril com filhos indesejados,que “ele é bom pra ela, que bota o barraco pra ela e bota comida na mesa.”?

Ou ouvir de um “amigo’? ,de classe média alta que achou um jeitinho da mulher não encher mais o saco dele, porque ganhou do próprio ,um cartão de crédito black, sem limites de consumo, para preencher sua vidinha igualmente estéril, fazendo vista grossa ,ambos os lados para suas pequenas escorregadas na ética de relacionamentos para além da cerca?

 

E, quem sou eu,pobre garota, diga-se de passagem jovem senhora para alguns, me pergunto das vezes em que fiz vista grossa para tanta coisa e ouvido de mercador, porque senão você sai correndo pra lugar nenhum, porque a corrupção não está no governo, na família ou nos amigos e nos desconhecidos. Ela é inerente à  nossa própria natureza humana que  corrói nossas entranhas desde que o mundo é mundo.

Vou-me embora pra Pasárgada,por que lá sou amiga do rei? Só o fato de ser amiga do rei ,já me condena de novo ,a me utilizar de lobbies,de agendas engordadas pelo interesse do jeitinho brasileiro, chinês,americano ou planetário.

Quando o circo instaurado pelo exercício da politicagem ,nos oferece uma piada pronta inextinguível e desautoriza nossos humoristas a se exercer porque a Divina Comédia está no ar e é um seriado sem final feliz..

Esta é a má notícia, minha gente. Não existe Pasárgada que nos exile de nossa verdade glacial: “o inimigo do seu inimigo pode ser seu inimigo , quando você o crê seu irmão.”

Em retiro de mim mesma, eloquência muda, me sinto só. Sou parte da platéia que assiste ao nosso drama político que ora ocupa a cena mundial, e que revela sua verdade, mas nós não a queremos ver.

“E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar,

Vou-me embora pra Pasárgada

— Lá sou amigo do rei —“ Manuel Bandeira

Pasárgada ou Pasárgadas era uma cidade da antiga Pérsia, atualmente um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado 87 quilómetros a nordeste de Persépolis. Foi a primeira capital da Pérsia Aqueménida, no tempo de Ciro II, e coexistiu com as demais, dado que era costume persa manter várias capitais em simultâneo, em função da vastidão do seu império: Persépolis, Ecbátana, Susa ou Sardes. É hoje um Patrimônio Mundial da Unesco.

Redação

7 Comentários

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  1. Vou-me embora pra Brasília…

    Lá sou amigo do Temer

    No meu processo terei

    o juiz que escolherei

     

    Vou-me embora pra Brasília

    Lá não tenho o que temer

    do mandato verbas infinitas

    não importando se ilícitas

     

    Vou-me embora pra Brasília

    Lá é melhor que a Suíça

    Em nome de Deus, da pátria e da família

    mostrei dos brasileiros a acefalia

    1. Parabéns
      Perfeito.
      Permita-me repassar.
      Aliás se não gostar de Brasília, pode ir pra São Paulo, pois lá será amigo do Alckimin e merenda não lhe faltará.

  2. Se adiantasse..

    Eu me iria para qualquer lugar, Pasárgada, Tokio, Buenos Aires ou Lisboa – gosto de Lisboa. O problema é que iria junto comigo o sentimento de inconformidade com tantos impropérios que esse 17/04 nos impôs. Nunca na minha vida poderia imaginar que palavras como família, filhos e, pasmem, deus – com letra minúscula para minorar minha dor, pudesse perder a santidade que a elas destinava. Ah seu eu pudesse esquecer que há tantos pulhas no CN, já identificados na parte da CD, eu toparia a dose, qualquer dose.

    Como esquecer aqueles que vergam em seus currículos títulos como pastores, missionários e outras “autoridades” evangélicas, portarem-se de forma tão inacreditavelmente mesquinha, mentirosa, sem o mínimo pudor. Pastores, que deveriam envergar a Bíblia como bússola e suas lições sobre verdade, respeito, amor ao próximo e cuidado com o mais desvalidos, conseguem nos enojar, logo nós que seríamos seus “irmãos”. Aliás, esqueça essa minha útlima colocação. Meu DNA não comporta essas atitudes.

    Missionários, sinônimos de homens denodados que sacrificam suas próprias vidas em amor do desconhecidoo, do estrangeiro. Largam suas pátrias e se dedicam à pregação do mesmo evangelho, que esses escroques rasgaram junto com a CF.

    Chega a ser um grande ofensa a esses verdeiros pastores e missionários.

    Ah Pasárgada.. voce poderia ser minha solução, poderia ser minha saída, mas, não será.

    Quem sabe um sono profundo que ao acordar tenha sido, apenas, um pesadelo.

    Não, não posso me enganar.

    Vivo num país que tem sua sede em Ratópolis, a terra dos ratos. Não, não é toda Brasília, composta de bons brasileiros, é só uma parte localizada em algum buraco onde a decência não chega.

    Vamos ver se em 2018 usamos raticida em dosagem suficiente.

  3. Pasargada ja não ha!

    Como se diz comumente: sem tirar nem pôr meus sentimentos e angustias dos ultimos dias. Para onde correr, quando quase todos compactuam com a loucura geral? Ou sera nos que teremos enlouquecidos?

  4. vou me embora prá qualquer

    vou me embora prá qualquer lugar

    lá não tem rede globo,tem  até lei

    não tem morocracia,nem ódio vulgar 

    talvez possa  ter  a vida que escolherei

    1. Ir para bem longe…

      IDEM. Também gostaria de ir para bem longe desta -loucura coletiva- em que está se tornando o país/ qualquer lugar mas bem distante de tudo isto.  

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