MPF aponta série de inconstitucionalidades no ‘Pacote do Veneno’

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e permite produtos proibidos em outros países (ARQUIVO/EBC)

da Rede Brasil Atual

MPF aponta série de inconstitucionalidades no ‘Pacote do Veneno’

Relatório do ruralista Luiz Nishimori, que deve ser votado nesta terça (8), ignora os efeitos à saúde e ao meio ambiente e permite o registro de produtos que causam câncer e malformações

por Cida de Oliveira, da RBA

São Paulo – O subprocurador-Geral da República e coordenador da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, Nívio de Freitas Silva Filho, encaminhou ao Congresso Nacional nota técnica advertindo sobre as diversas inconstitucionalidades contidas no substitutivo da Comissão Especial sobre o Projeto de Lei 6.299/2002, que deverá ser votado nesta terça-feira (8).

Assinado pelo relator Luiz Nishimori (PR-PR), deputado que integra a bancada ruralista, o substitutivo dá parecer favorável ao PL 6.299, apresentado pelo atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, quando era senador, e aos demais 27 PLs a ele apensados – que juntos compõem o chamado “Pacote do Veneno”, revogando a atual Lei de Agrotóxicos (Lei 7.802/1989). 

A aprovação do pacote atende aos interesses dos fabricantes de agrotóxicos e sementes transgênicas e à bancada ruralista. Financiados por esse setor produtivo, esses parlamentares ganham ainda benefícios do governo de Michel Temer, que fez dos projetos moeda de troca pelo apoio político. 

De acordo com o Ministério Público Federal, dos quatorze motivos apontados por Nishimori para defender a aprovação do pacote e alterar a atual legislação, nenhum considera os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde ou meio ambiente.

Entre as inconstitucionalidades apontadas estão a extinção da competência dos municípios de legislar sobre o uso e o armazenamento local dos agrotóxicos, seus componentes e afins; o dever de adoção, pelo poder público, de políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doenças, à proibição de registro de produtos compostos por substâncias causadoras de malformações congênitas, câncer ou que provoquem distúrbios hormonais ou danos ao sistema reprodutivo. O registro de substâncias com estas características passa a ser legal se o substitutivo for aprovado.

O MPF destaca ainda que o Pacote limita a atuação dos órgãos de saúde e de meio ambiente, como a Anvisa e o Ibama, que passam a ter o papel de homologar a avaliação de risco toxicológico e de risco ambiental apresentada pelos requerentes. O procuradores da 4ª Câmara destacam que, no caso do órgão ambiental, não é facultado nem sequer a solicitação de complementação de informações. E que a homologação é contrária a princípios importantes da administração pública, como a indisponibilidade do interesse público e a indelegabilidade do poder de polícia.

“Não pode o Estado renunciar aos seus mecanismos de avaliação e controle prévio de substâncias nocivas ao meio ambiente e à saúde, mediante sua substituição por mero ato homologatório de uma avaliação conduzida pelo particular, distante do interesse público”, destacam.

Outra inconstitucionalidade destacada é a possibilidade de utilização de agrotóxicos sem o devido receituário agronômico “em situações excepcionais”, quando já são conhecidos os riscos da utilização indiscriminada de substâncias tóxicas (clique aqui para acessar a íntegra da nota técnica do MPF).

Agroecologia

O tema foi amplamente discutido ontem (5), em seminário sobre agrotóxicos realizado na 3ª Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, em São Paulo. A professora de Geografia da USP, Larissa Bombardi, apresentou dados do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, que demonstra de maneira clara a relação entre o uso desses produtos e o crescimento da incidência de doenças, como malformações e câncer, entre outras, que tendem a multiplicar com a aprovação do pacote  (clique aqui para acessar o atlas).

A gravidade do panorama  foi reforçada por estudo apresentado pela médica Ada Cristina Pontes Aguiar, integrante do Núcleo Tramas, da Universidade Federal do Ceará, que desenvolve pesquisas na região da Chapada do Apodi, onde a água de consumo humano está contaminada pela pulverização aérea de agrotóxicos. Segundo a pesquisadora, há forte relação entre o aumento nos casos de malformações e puberdade precoce entre crianças da população local a partir da contaminação. 

O coordenador da organização Terra de Direitos e presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), advogado Darci Frigo, destacou as manifestações da sociedade contra o pacote, entre elas do conselho que preside (clique aqui), e defendeu urgência no debate e encaminhamento de propostas para a construção de uma política nacional de agroecologia como alternativa à produção agrícola baseada no uso de agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor desses produtos em todo o mundo e permite o uso de substâncias proibidas em outros países – situação que tende a piorar, e muito, com a aprovação do substitutivo de Luiz Nishimori.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. MPF…

    E Nós temos MPF para questões ambientais, e ninguém está preso mesmo depois dos crimes de Samarco? De Anglo Americana e de Hydro? Será que o Poder Judiciário do Anão Diplomático  é ‘lacaio e cachorro vira-latas’ com medo de Americanos, Noruegueses, Australianos ou Britânicos? Então porque os Diretores e Representantes destas Empresas Estrangeiras que cometeram tamanho crime e bárbarie dentro de nosso Território, não foram responsabilizados? E porque não foram exigidas contrapartidas, indenizações e multas bilionárias contra tais crimes, como seriam feitos, se tivesse acontecido em seus países de origem? Tais Empresas Estrangeiras não tiveram que fazer Acordos Bilionários com a Justiça Brasileira, da mesma forma que foram obrigados Petrobrás ou Eletrobrás, com a Justiça de Países onde elas não atuam? Não é surreal?  Mas surrealidade é que os tais VENENOS aqui produzidos e vendidos, são proibidos nos países de origem, nas matrizes e países onde estão as Sedes dos Fabricantes. É muita Conversa de Lunáticos. Somente na Inocência Tupiniquim. O Brasil se explica. 

  2. Os “defensivos” que envenenam o povo vão ganhar mais imunidade.
    Nassif, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da ESALQ registrou uma retração de – 4,55% no PIB do agronegócio brasileiro em 2017 em relação ao ano anterior, e tudo indica que a retração em 2018 poderá ser pelo menos o dobro, em virtude da queda da exportação de carne de frango contaminada por salmonela, mas mesmo assim representou 21,58% do PIB brasileiro – afiança o Centro de Estudos, correlacionando uma maior oferta internacional de produtos, preços internacionais baixos e demanda interna baixa em função da crise para justificar tal tendência baixista. Em momento algum é mencionado, por exemplo, que o Brasil exportou para 16 países da Europa mais de 13 milhões de toneladas de soja em grão, triturada, óleo ou farelo, produzidas com nada menos que 150 agrotóxicos diferentes, 35 deles proibidos na União Europeia. Holanda, Alemanha, Espanha e França, nossos principais importadores. A “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, da professora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária da USP, aponta a existência de regras rígidas para a produção local, na Europa, mas nenhuma restrição quanto aos métodos utilizados pelos países exportadores. Uma tendência que está com os dias contados, em função de polêmicas como a perseguição da Monsanto ao Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer francês, desde que este denunciou que o glifosato – principal componente do agrotóxico Roundap produzido por aquela empresa estadunidense – é cancerígeno. Como o referido centro francês há 50 anos realiza o inventário de substâncias carcinogênicas da ONU/OMS, a denúncia está acertando em cheio a compra da Monsanto pela Bayer alemã por US$ 66 bilhões, a preços de 2016, uma vez que o Roundap é o principal produto da Monsanto e a chave-mestra da produção de transgênicos no planeta, dando origem a questionamentos irônicos sobre o uso das armas genotóxicas da Monsanto em alimentos capazes de multiplicar exponencialmente a venda dos remédios ou antídotos farmacêuticos da Bayer, que juntas irão faturar US$ 25 bilhões anualmente e empregar 140 mil funcionários, disseminando doenças para vender mais remédios. A polêmica deve resultar em um endurecimento de órgãos como a Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA) e a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), que se baseiam em pesquisas industriais confidenciais consideradas suspeitas pela comunidade acadêmica e pela opinião pública, diante do aumento exponencial de doenças deflagradas pelos biocides e de mudanças no perfil endocrinológico, uma vez que a ingestão desses alimentos contaminados desregula o sistema hormonal e afeta o sistema reprodutor. Ou seja, produtos oriundos de países que utilizam esses venenos sofrerão desvalorização alfandegária ou serão sumariamente embargados após análises de custos-benefícios pelos órgãos competentes. Aqui convêm retornarmos ao Brasil e indagar o que vendendo feito para salvaguardar nossa pauta de exportação ou o PIB do agronegócio que paga o salário do MPF, Judiciário e Legislativo – não que os agrotóxicos paguem impostos, pois o governo já concede redução de 60% do ICMS (imposto relativo à circulação de mercadorias), isenção total do PIS/COFINS (contribuições para a Seguridade Social) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) à produção e comércio dos pesticidas, segundo João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). O que resta de imposto sobre os agrotóxicos representam, segundo Olenike, 22% do valor do produto. “Para se ter uma ideia, no caso dos medicamentos, que não são isentos de impostos, 34% do valor final são tributos”, esclarece. Não vem sendo feito nada, órgãos como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) se limitaram a condenar a fusão Monsanto/Bayer em tese, por trazer efeitos anticompetitivos ao mercado do agronegócio e não pelo fato da crescente rejeição mundial aos venenos ameaçarem o mercado como um todo. Tampouco os ministérios da Economia ou das Relações Exteriores se manifestaram sobre esse pacote de biocidas que joga no lixo meio século de lutas da sociedade civil e das instituições científicas, depois que um ex-executivo da BASF alemã, José Lutzemberger, voltou ao Brasil e se dedicou à defesa de uma agricultura isenta desses venenos, já prevendo há 48 anos a época em que o custo das doenças que os mesmos provocam seria maior que os ganhos econômicos e demais benefícios. Até quando continuaremos exportando um algodão que utiliza 47 agrotóxicos proibidos pela União Européia; um milho em grãos que usa 120 venenos, 32 deles proibidos na União Européia; um etanol de cana produzido com 25 produtos banidos no Exterior; um trigo com 16 agrotóxicos proibidos lá fora; um arroz com 25 biocidas proscritos internacionalmente; um café cru com 30 venenos proibidos internacionalmente; açúcar (25 venenos); amendoim torrado (12; e uvas frescas ou vinho, com 13 substâncias nocivas à saúde? A lista poderia continuar indefinidamente, mas se o Ministério Público não se preocupa com o fato desses agrotóxicos estarem sendo jogados de avião sobre uma soja que ocupa uma área 3,6 vezes maior que Portugal, com 33 milhões de hectares repletos de populações urbanas e rurais, sobre canaviais que se estendem por 11,5 milhões de hectares cheios de cidades interioranas em São Paulo (com a agravante do estado possuir apenas um fiscal para cadastrar agrotóxicos na Secretaria de Agricultura e outros 75 para acompanhar o uso desses venenos nas 300 mil fazendas agrícolas do estado), o que esperar de autoridades insensíveis ao fato do Instituto Nacional do Câncer estimar que cada brasileiro consome anualmente um galão de cinco litros contendo esses biocidas, seja via contágio nas pulverizações aéreas, seja via ingestão de 70% de alimentos in natura que estão contaminados por agrotóxicos, 28% dos quais proibidos pela própria Anvisa ou Agência Nacional de Vigilância Sanitária? O que esperar daJustiça, quando o ministro Gilmar Mendes é acusado de promover essas pulverizações aéreas em sua fazenda no Mato Grosso, conhecendo-se seu poder de persuasão no STF? O que esperar de organizações não governamentais ambientalistas que se empenham mais em hostilizar Lula do que sair às ruas e denunciar esse pacote de venenos, que uma vez aprovado o mesmo voltarão a ser chamados de defensivos agrícolas?

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