Acordos da Lava Jato são ferramentas contra a corrupção, diz juiz

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Nesta quarta (17), o advogado-Geral da União afirmou que empresas podem ser penalisadas, mas que o objetivo do instrumento é outro

Jornal GGN – O advogado-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, disse, nesta quarta-feira (17), que não existem soluções “rápidas” para os acordos de leniência, entre o governo e as empresas investigadas na Operação Lava Jato e que, infelizmente, empregos podem ser afetados. “Não exitem soluções rápidas. Tem que ter o acordo e, para isso, eu não posso forçar a empresa a aceitar”, afirmou, completando que, infelizmente, “a penalização pode até chegar a inviabilizar a existência da empresa”, mas que o objetivo final não é esse.

“O objetivo dos acordos é avançar nos processos, de forma que as empresas possam se tornar agentes no processo de combate à corrupção, principalmente se aceitam criar regras de transparência e gestão. O fechamento delas não é o objetivo”, disse.
 
Com vistas a não ter como foco o fechamento das empresas rés, os acordos de leniência podem ser ferramentas úteis contra a corrupção. Em artigo no Consultor Jurídico, o professor da Faculdade de Direito da USP e juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA) mostrou que o instrumento da leniência com as empresas não é suficiente para gerar condenações, mas possibilita novas descobertas, além de desestimular cartelizações por abrir desconfiança entre parceiros do grupo de empreiteiras.
 
Leia, abaixo:
 
Do Consultor Jurídico
 
Acordos de leniência da “lava jato” propiciaram tomografia de um suposto cartel
 
Por João Grandino Rodas
 

Dentre as infrações à ordem econômica, o cartel é a mais insidiosa, bem como a mais difícil de ser comprovada. Tanto assim que, os Estados Unidos da América, que, por tradição anglo-saxã, adota acommon law, ensinou países de direito continental a utilizar o instituto da leniência1para conseguir desvendar esse monstro que somente floresce nas sombras. O Brasil não foi exceção e o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SDE) utilizou-se, pela primeira vez, desse instituto em 2003.

Por incrível que pareça pode-se creditar à operação “lava jato” um ponto positivo, no concernente ao estudo do Direito Antitruste: uma das companhias partícipes, no âmbito de acordo de leniência, pioneiramente, autorizou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a divulgar uma versão pública do Histórico da Conduta, com 72 páginas. Embora seja um texto autêntico, elucidativo e interessante, de como os cartéis se formariam e se desenvolveriam — de grande interesse para o estudo —, é importante lembrar que não se pode tomar tal declaração, por si mesma, como prova de que tenha havido realmente cartel. Por se tratar de estratégia de defesa, ela terá de ser confrontada e sopesada com outros indícios, declarações e documentos comprobatórios, antes que possa haver um julgamento.

Consoante a delação, após a fase inicial não estruturada — por volta do ano 2000 —, as empresas participantes permanentes congregaram-se no “clube das 9” — 2003/2004 —, passando ao “clube das 16” — 2006 — e “clube VIP” — 2008/2009 — para acomodar mais empresas nas combinações. No seio desses grupos, havia uma hierarquia de facto, bem como empresas que atuavam como articuladoras. Tanto as partícipes permanentes, como as esporádicas buscavam a redução ou a supressão de competitividade nas contratações ou licitações levadas a cabo pela Petrobras, acertando-se previamente o vencedor, preços (que eram superavaliados) e condições; utilizando-se de abstenções, divisão de lotes, propostas de cobertura etc. As conversações entre os participantes faziam-se, mormente, em reuniões presenciais, com freqüências e locais identificados; mas também por telefone e SMS. As empresas definiam quem venceria determinado certame, se haveria consórcio ou não, e enviavam lista ao diretor da Área de Engenharia e ao diretor de Abastecimento da Petrobras. À guisa de comprovação, o histórico apresenta cópias de anotações manuscritas feitas durante as reuniões; anotações em iPad; extratos de conta telefônicas, comprovando contatos frequentes etc. No apêndice relativo às provas documentais da conduta, há 35 documentos. Os contatos e acordos anticompetitivos encerraram-se em inícios de 2012.

Além de elencar e qualificar as pessoas jurídicas participantes da conduta, estão assinalados os períodos em que atuaram, as pessoas físicas que as encarnavam, bem como os documentos comprobatórios. As empresas, no início, eram representadas por pessoas de seu alto escalão. A partir de 2005, por pessoas do alto escalão e do escalão operacional; e após 2008, sobretudo do escalão operacional e de níveis hierárquicos inferiores.

Há também rol dos concorrentes e dos clientes dos mercados afetados, com a respectiva qualificação. As licitações possivelmente afetadas são listadas cronologicamente.

Encontra-se descrita a maneira como o processo de contratação da Petrobras era driblado pela ação das empresas em estreita conivência com diretores da Petrobras. O cartel foi viabilizado mais facilmente em virtude da prerrogativa da diretoria finalística e da Diretoria de Serviços de convidar empresas para o certame. Os convidados eram justamente os indicados pelo “grupo” de empresas cartelizadas. Essas já haviam previamente acertado qual venceria e qual apresentaria as propostas de cobertura! O Histórico dividiu em 11 fases a descrição minuciosa da evolução do acordo entre as empresas e da dinâmica do cartel.

Por volta de 2008, com o aumento dos pacotes de obras, aperfeiçoaram-se as normas do “clube dos 16”, que tomaram a feição de regulamento de campeonato de futebol, identificando a empresa como equipe e regulamentando a representação das pessoas físicas. De tal regulamento, feito por escrito, constavam definição, objetivos e regras de competição. Por exemplo, “objetivo do campeonato”, “competição anual”, “regras da competição” e “competições passadas” eram, respectivamente: o cartel, as licitações da Petrobras, as regras do cartel e as licitações anteriores.

Segundo as informações e os documentos, há indícios de que os concorrentes acertavam o resultado das licitações, dividiam entre si as obras de montagem industrial onshore da Petrobras em território nacional, assinalando certames para cada empresa ou consórcio. Em assim sendo, ter-se-ia violado a ordem econômica por meio de “acordos de (i) fixação de preços, condições, vantagens e abstenção de participação, e, (ii) divisão de mercado entre concorrentes, em licitações públicas”.

Embora o produto da leniência deva ser visto cum grano salis, não sendo suficiente, de per si, para uma condenação, como já foi alertado acima, pode-se chegar, inobstante, a algumas observações:

A leniência que, por longo tempo, foi instituição desconhecida no direito brasileiro, demonstrou sua utilidade. Por um lado, no caso em tela, possibilitou a vinda à luz de alegados fatos e documentos, que, de outro modo, dificilmente teriam sido descobertos. Por outro, desestimula cartelizações por semear desconfiança entre os parceiros.

Conforme relata a delação, havia grande sinergia entre as empresas e as diretorias da Petrobras, não se podendo afirmar que o eventual cartel deveu-se unicamente à ação de um grupo de empresas. Daí a afirmação de que a participação de diretores da Petrobrás deve ser considerada concausa do possível cartel, sem a qual dificilmente teria tido o sucesso bilionário apontado. Tal participação, em parceria tão forte e contínua, quase institucional, poderia mesmo constituir-se em atenuante para as empresas.

Por fim, torna-se extremamente difícil, face à extensão, à duração e aos montantes envolvidos, imaginar-se que a alta direção da Petrobras e o Ministério da Minas e Energia, nunca tenham chegado a perceber a ocorrência de situação anômala digna de apuração!


1 “Acordo de leniência é a transação entre o Estado e o delator, que em troca de informações viabilizadoras da instauração, da celeridade e da melhor fundamentação do processo, possibilita um abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também participado na conduta ilegal denunciada.” Oliveira, Gesner e Rodas, João Grandino. Direito e Economia da Concorrência. 2ª edição, São Paulo. 1913. Thompson Reuters/ Revista dos Tribunais, p. 244/245.

***

 é decano dos professores titulares da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É a geopolítica do petróleo.

    Do montante desviado não se tem o valor exato e não foi possível rastrear, mas deram um número besta qualquer pro mercado poder aprovar as contas da Petrobras.  O viés Político do MP e de alguns Juizes é mais que óbvio! O prejuízo dessa politização do Judiciário é maior que qualquer corrupção que possa ter ocorrido, não obstante, ainda há a determinação desse Juizo em criminalizar grandes empresas nacionais, justamente as que mais geram empregos e investem no país.  A mídia se alia aos interesses economicos do rentismo e da geopolítica internacional do petróleo e os Juízes e Procuradores correrem para os holofotes como mariposas no cio…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador