Agricultores aderem programa para eliminar passivos ambientais

Município mato-grossense propõe desafio de se tornar a primeira cidade sem passivo ambiental, respeitando as áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Proteção Permanente (APP), como determina o Código Florestal Brasileiro. Quase 100% dos agricultores já aderiram à campanha.

Lucas do Rio Verde é considerado um dos maiores produtores de milho safrinha do Brasil, além de responder por 1% dos grãos produzidos no País, ou 1,5 milhão de toneladas/ano. O município está localizado no centro do estado do Mato Grosso, a 350 km da capital Cuiabá. Seu território total é de 3.660 km2, abrigando 31 mil habitantes, com uma taxa de crescimento anual de 10%, frente à nacional de 2% ao ano.

A iniciativa de tornar as atividades econômicas ambientalmente sustentáveis, atendendo a legislação federal, surgiu em janeiro de 2006, quando a prefeitura consolidou parceria com o instituto de conservação ambiental TNC (The Nature Conservancy), para lançar a campanha “Lucas do Rio Verde Legal”.  O projeto envolve as iniciativas pública, privada e organização não-governamental.

Hoje, quase 100% dos proprietários rurais do município participam do projeto – ao todo, são 370 produtores distribuídos em 670 fazendas. O tamanho médio de 81% das propriedades é entre 300 e 500 hectares.

Estima-se que 90% dos produtores brasileiros transgridem, de alguma forma, o Código Florestal pelas dificuldades de cumprir as determinações legislativas. A lei atual estipula que proprietários em área de Mata Atlântica mantenham 20% da cobertura vegetal original. Donos de terras no Cerrado devem proteger 35% desse bioma. E, na Amazônia, o índice mínimo de preservação é de 80%.

Essas proporções de áreas preservadas são as chamadas Reservas Legais, estabelecidas em toda e qualquer propriedade rural.  O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) avalia que a RL garante a conservação e reabilitação dos processos econômicos indiretos, como amenização de cheias e da erosão, regulação do clima local, controle de pragas e proteção dos rios.

Já as APP (áreas de preservação permanente) são espaços com vegetação nativa, essenciais para conter processos de erosão ao longo de rios e mananciais. São classificadas junto aos corpos hídricos em geral (matas ciliares), topos de morros nas montanhas, serras, encostas e restingas. Proprietários de áreas classificadas como APP não podem alterá-las. O Código Florestal determina uma margem de preservação entre 30 metros e 500 metros de lado ao lado de um rio.

As terras de Lucas do Rio Verde se dividem entre os biomas Cerrado e Amazônico. Os agricultores locais, assim como os demais produtores brasileiros, tentam superar a dicotomia entre a exploração econômica da terra e a preservação ambiental.

A secretária de Agricultura e Meio Ambiente do município, Luciane Copetti, afirma que o custo médio de recuperação de áreas degradadas é de R$ 7 mil a R$ 8 mil por hectare. “Imagine investir isso para que 35% da propriedade seja recuperada? Jamais se tira isso de um hectare de lavoura”, completa. Dessa forma, o programa Lucas do Rio Verde Legal criou novas modalidades para ajudar o agricultor:

– Recomposição local da RL deficitária – obrigação equivalente nos demais estados brasileiros, mas aqui com ajuda técnica e financeira de empresas e organizações não-governamentais;
– Compensação de RL em outras propriedades particulares. O produtor poderá compensar seu déficit de reserva legal realizando parcerias com proprietários de áreas ainda preservadas;
– Compensação por desoneração de áreas de parques. Nesse caso, o produtor adquire uma área pública e preservada de tamanho equivalente a sua desmatada, ajudando o município a consolidar mais unidades de conservação.

Em relação às áreas de preservação permanente, o município mantém uma legislação mais restritiva do que a norma federal – a metragem de proteção mínima é de 50 metros de lado a lado dos rios e de 100 metros em relação às nascentes.

Um relatório encomendado para o projeto Lucas Rio Verde Legal, e produzido pela ESALQ/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”) identificou inúmeras áreas de preservação permanente ocupadas com lavoura e pecuária, além de desmatamentos sobre a Florestal Amazônica. Também foram registrados conflitos agrários relacionados à grilagem de assentamentos rurais. A pesquisa descreveu a situação das APP e RL, entre agosto de 2006 e setembro de 2007.

Outro trabalho, encomendado à empresa Senografia (PR), revelou, em 2006, que Lucas do Rio Verde contava com 50 mil hectares de RL degradados em propriedades privadas, além de 6,65% das APP em áreas desmatadas. O estudo aponta que 68,84% do município (250 mil hectares) estariam desmatados para as diversas atividades humanas, sendo 65,90% destinados à agricultura e pecuária.

Alianças

Além da prefeitura e do TNC, participam a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), o Ministério Público do Mato Grosso, Frágil Comércio e Representações Ltda, Sadia S.A, o Instituto Sadia de Sustentabilidade, Syngenta Proteção de Cultivos, o Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde e a Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Integrado do Rio Verde.

A primeira iniciativa do grupo foi, com ajuda de imagens de satélites, mapear todas as propriedades e seus passivos ambientais. Em seguida, a prefeitura editou um decreto exigindo dos agricultores o isolamento e recuperação das matas ciliares em todas as fazendas.

As áreas de reserva legal também foram isoladas e nelas proibidas de haver qualquer atividade de lavoura ou pecuária.  Em casos mais críticos de degradação é feita a recomposição do solo e o plantio de mudas nativas – a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente e o Instituto TNC foram responsabilizados pelo auxílio técnico, e as demais instituições, pela alocação dos recursos financeiros necessários. Luciane Copetti explica que, atualmente, 89,5% das APP estão devidamente isoladas.

A recuperação com plantas nativas está sendo possível com mudas produzidas no horto municipal Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Integrado do Rio Verde e de viveiros particulares. Em contrapartida à adesão ao programa, os proprietários rurais recebem subsídios (como insumos) para a elaboração dos projetos de licenciamento e intermediação em negociações de prazos para implementação de áreas de RL, via Termos de Ajustamento de Conduta (TAC).

A autora da dissertação de mestrado em Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, sobre a relação entre o regime jurídico brasileiro da Reserva Legal, Wanda Isabel Cândido Guimarães, aponta como fundamentais a parceria e o financiamento dos custos despendidos para o cumprimento do Código Florestal. Dessa forma, todos saem ganhando, uma vez que a degradação ambiental afeta diretamente o valor agregado da terra, “além de impactar o acesso dos produtos aos mecanismos de certificação de seus produtores”, completa em seu trabalho.

Wanda lembra que a restrição ao crédito rural, aplicada em todo país, contribui para barrar os desmatamentos. A restrição ao financiamento agrário para quem transgride o Código Florestal foi instituída em 1981, no contexto da Política Nacional de Meio Ambiente, e reforçada nos Decretos nº 6.321/07 e 6.514/08, de 21 de dezembro de 2007 e 22 de julho de 2008. Atualmente, das 15 maiores instituições bancárias do país, 73% se manifestaram a favor de restrições a financiamentos agropecuários e demais atividades que não cumprem com a legislação ambiental.

Em abril de 2009, a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) assinou com o Ministério do Meio Ambiente o Protocolo Verde que abrange instituições financeiras públicas e privadas comprometidas com a concessão de financiamentos apenas a setores preocupados com a sustentabilidade.

Com base no caso de Lucas do Rio Verde, a pesquisadora reforça a importância de medidas menos agressivas “como a adoção de mecanismos de mercado atrelados a incentivos econômicos para estímulo ao cumprimento das normas ambientais ao regime de RL”, a exemplo dos agricultores que recebem certificados pelas práticas de produção sustentável.

Para acessar na íntegra o estudo da pesquisadora Wanda Guimarães, clique aqui.

Redação

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