Ameaça à autonomia do BC

Não consigo entender a lógica do respeitado José Roberto Mendonça de Barros na entrevista ao Estadão. Ele aponta os índices de difusão de aumento de preços, relaciona um conjunto de fatores que leva ao aumento da demanda, inclui serviços como efeito do aumento de renda e de demanda.

Aí, é confrontado com uma pergunta da repórter Márcia De Chiara sobre a redução da produção da indústria automobilística. Responde que a demanda está suprida pelos importados, mas continua forte.

Diz que o Banco Central incluiu o crescimento, ao lado da inflação, como meta de política monetária. É assim em qualquer país desenvolvido e racional. Diz que é legítimo mas, antes, precisa conquistar um mandado do Congresso.

Como assim? Na implantação do Real, o primeiro passo dos economistas – entre os quais o próprio José Roberto – foi retirar qualquer interferência não apenas do Congresso como de qualquer outro setor, ao mudar a composição do Conselho Monetário Nacional.

Não consta que o BC tenha recebido mandado para implantar o sistema de metas inflacionárias, nem tenha dado satisfações a ninguém ao manter durante quase vinte anos as mais altas taxas de juros do planeta.

Agora, pretende-se que para incluir uma norma legítima e racional – colocar crescimento como prioridade, ao lado do controle da inflação – tenha que pedir autorização?

Ora, ora. Primeiro, defendia-se a autonomia absoluta do BC, em relação ao governo e ao Congresso. Agora, pretende-se utilizar o Congresso para impedir a queda de juros.

De O Estado de S. Paulo

“A meta de inflação ficará para 2013, na melhor das hipóteses”

Para Mendonça de Barros, IPCA deve ficar em torno de 6% por um longo período

Márcia De Chiara

Entrevista – José Roberto Mendonça de Barros

O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, acredita que a inflação não vai convergir para o centro da meta, de 4,5%, no ano que vem. “A inflação está viva e forte e a meta ficará para 2013, na melhor das hipóteses”, afirmou.

Sem tom alarmista, Mendonça de Barros não vê uma disparada da inflação nos próximos meses. Mas ele acha que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial de inflação, vai rodar em níveis altos, acumulando alta em torno de 6% em 12 meses, por um longo período. Entre julho de 2010 e agosto deste ano, a inflação já subiu 7,23%, segundo dados divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para 2012, Mendonça de Barros revisou de 5,3% para 5,7% a sua estimativa de inflação e ele já considera a possibilidade de a taxa até ser maior. Para este ano, a sua previsão para o IPCA é de 6,5%.

Entre os fatores apontados pelo economista que manterão a inflação em níveis elevados ao longo de 2012 estão os preços dos alimentos e dos serviços que continuarão pressionados, fortes reajustes salariais, aumento do salário mínimo de 14% para 2012, desemprego no limite de baixa e agora a valorização do dólar. Na sexta-feira, o dólar atingiu R$ 1,68 e acumulou valorização de 1,02% no ano. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. vê o resultado da inflação?

O IPCA em 12 meses está em 7,23% e o INPC, em 7,40%. Ambos apontam para o estouro do teto da meta. O resultado não surpreende, pode aliviar um pouquinho, mas a inflação está viva e forte. Isso não é imaginação, é um número efetivo. A inflação vai continuar pressionada.

Quais os fatores que vão pressionar a inflação?

Os preços dos alimentos continuam elevados porque a China, Índia e os grandes consumidores mantêm crescimento, independentemente do que está ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos. Por pior que seja o cenário na Europa e nos Estados Unidos, a demanda por alimentos dos novos consumidores seguirá forte. Além disso, os estoques desses produtos estão baixos e a produção americana, que está em andamento, ainda se encontra naquele chamado mercado de clima. Até meados deste mês, a seca e o calor excessivo, que estão afetando a produtividade dos grãos nos EUA, vão continuar influenciando a produção. Portanto, tem de esperar até lá. Mas, mesmo no melhor cenário, teremos estoques mais baixos de grãos. Por isso, os preços estão tão elevados, a despeito de toda a confusão macroeconômica no mundo rico. Por isso a alimentação no Brasil vai continuar relativamente alta, porque os preços internacionais estão altos. E agora reforçados pelo câmbio.

Por quê?

Na nossa interpretação, essa intervenção no mercado cambial, que colocou poder de arbítrio total na mão do Conselho Monetário Nacional, na prática significa que o dólar não vem abaixo de R$ 1,50 sob quaisquer condições. Na realidade, pelo menos no curto prazo, a diminuição das operações de arbitragem está elevando o dólar. Ninguém sabe até onde ele vai, pode chegar até R$ 1,70. Com preços altos em dólar e o dólar a R$ 1,70, não tem como a alimentação aliviar muito. A alimentação fora do domicílio continua muita forte, pois daí você junta comida com custo de mão de obra. Por outro lado, os serviços estão chegando a 9% em 12 meses.

Por que eles sobem tanto?

Porque eles não têm importação e se a demanda é forte e os custos sobem, é fácil passar isso para frente. Qualquer pessoa que come fora de casa está vendo isso há muito tempo: cada dia que vai ao restaurante é mais caro que o dia anterior, pelos custos da matéria-prima e da mão de obra. Não tem a menor perspectiva de serviços caírem. Inclusive porque tem uma experiência, se olhar para trás, como foi em 2008 e 2009, uma demanda muito forte por mão de obra. Serviços não vão cair pela circunstância de poder repassar os custos para frente, porque os dissídios estão muito fortes e porque nós temos em muitas dessas áreas indexação contratual. Os dissídios são custo e, ao mesmo tempo, aumento de demanda. A safra de dissídios do segundo semestre está se mostrando muito saudável. Praticamente todos os acordos que têm saído têm tido algo como 8% a 10% igual para todo mundo, mais uma quantia fixa em reais por conta de distribuição de resultados. Por exemplo, foi de R$ 2.400 mais 10% para os metalúrgicos de São Paulo. Isso dá um ganho nominal de 14% a 18%. Fora o salário mínimo, que já está no orçamento, com aumento de, praticamente, 14%.

Por esses fatores a demanda vai continuar forte?

Sim. A taxa de desemprego está no limite de baixa e não tem perspectiva de ser alterada. As pessoas têm convicção que vão manter o emprego, que é um poderoso indutor para consumir. A renda está subindo. É verdade que os bancos apertaram um pouco o crédito ao consumidor. Mas, feito esse ajuste, os bancos estão dispostos a emprestar e vão ficar satisfeitos quanto mais puderem emprestar. Então tem renda, emprego, confiança e crédito. E, a despeito de toda a conversa de ajuste fiscal, o último dado de contas nacionais do segundo semestre, mostrou uma situação de gastos do governo significativa. A demanda está, sim, relativamente forte. Se houver isso para o ano que vem, eu diria que é isso e até um pouco mais.

E esse pouco mais é o quê?

Até as pedras sabem que o governo vai gastar mais por causa de Copa e Olimpíada no ano que vem. Neste ano, o dispêndio foi relativamente modesto e o ano que vem é que vai se jogar o grosso do dinheiro para que os projetos maturem até 2014. Na prática, existe muito anúncio de ajuste fiscal, mas o governo segue expansionista. Essa que é a verdade. Tem-se um pouco mais de superávit primário, mas isso veio pela arrecadação inesperada. Em julho, a Vale pagou R$ 6 bilhões. Não estamos vendo nenhuma queda significativa de demanda, do ponto de vista do consumidor e daquilo que vem do governo. Mas o consumidor é a parte mais importante. A inflação vai se manter elevada. Não há jeito de a inflação convergir para a meta sob nenhuma hipótese.

A meta ficou para quando?

Na melhor das hipóteses para 2013, se é que vai acontecer essa convergência. Eu vejo a inflação muito mais facilmente flutuando em torno do topo da meta. Este ano pode até ultrapassar o topo da meta ou ficar parecida com ela e, no ano que vem, olhando para perto de 6%. Nós prevíamos uma inflação de 5,3% para o ano que vem e revisamos para 5,8%. O que assusta mesmo o governo é a aceleração da inflação, não é o seu nível absoluto, onde ela está hoje. Nossa perspectiva é de uma piora do quadro inflacionário. E daí a surpresa do movimento brusco que o Banco Central fez ao cortar juros.

O sr. não está vendo uma disparada da inflação, mas a inflação rodando num nível mais alto por um período mais prolongado?

Sim. Por que isso nos preocupa? Isso nos preocupa porque eu sou da geração que viveu a alta persistente da inflação por várias décadas. Ainda que o Plano Real tenha sido bastante bem-sucedido para estabilizar, todos nós sabemos que remanesce no sistema uma indexação formal ou informal muito generalizada. O que significa que, se tiver um choque de preços, a inflação pode subir, mas muito dificilmente ela cai de forma muito apreciada. Por exemplo: os serviços estão acima de 6% ao ano há cinco anos. Não é uma causalidade. O receio nosso é que, se as nossas projeções estiverem corretas, pelo terceiro ano consecutivo próximo a 6%, a inflação ficará leve para subir, se houver ocorrência de um choque. Nós não estamos prevendo choque. A economia está ficando vulnerável. Essa é a nossa preocupação.

Então o BC brincou com o fogo ao cortar juros?

Acho que foi uma aposta muito ousada que, de fato, não tem base técnica pelos dados disponíveis. Basta compararmos os dois comunicados do Banco Central nas duas últimas reuniões do Copom. O mundo é o mesmo entre as duas reuniões. Essa mudança brusca foi uma coisa muito ousada que tem consequências e machuca o sistema de metas. No sistema de metas de inflação, a comunicação do Banco Central com o mercado para ancorar as expectativas é decisiva. Isso é no mundo inteiro. Mas eu nunca vi na minha vida uma discrepância tão grande entre os tesoureiros e os economistas antes dessa mudança. Mesmos os economistas mais conservadores e os mais ousados, ninguém previa essa mudança abrupta. Acho que a comunicação ficou prejudicada. Em segundo lugar, acho que os dados objetivos não justificam esse tipo de coisa. Até porque a depressão, a recessão mundial, a única coisa que justificaria esse movimento é uma aposta sobre o futuro.

Mas vimos nos últimos dias que as montadoras pararam a produção e já há indústrias de telefones celulares demitindo. Por esses dados, não há um desaquecimento do ritmo de atividade?

É aí que está o nó da questão. A produção está claramente desaquecendo, mas o componente importado está aumentando. Vamos tomar o caso das montadoras. O Brasil está caminhando para importar em bases anualizadas 1 milhão de veículos por ano, com mercado total de 3,2 milhões, com claro efeito substituição. Isso provoca mudança na composição da oferta em detrimento da produção nacional, mas a demanda e as vendas de carros continuam bastante bem. Tem demanda. Por isso está implícito no movimento do Banco Central a preocupação com a produção. Os defensores do governo disseram que aqueles que criticam estão sendo injustos com o Banco Central porque ele não abandonou as metas de inflação. Eu não disse que ele abandonou. Claramente o BC colocou um segundo objetivo, que é o crescimento econômico. Hoje está à frente da inflação. Ele pode fazer isso? Claro que pode. Mas se pressupõe que esse novo mandato seja claramente discutido com o Congresso. É uma mudança explícita de política. Eu continuo achando que o governo e o Banco Central cometeram um equívoco. O futuro vai dizer se foi certo ou errado. É só uma questão de esperar.

Com essa mudança de política econômica, o sr. acredita que mais para frente o Banco Central vai continuar cortando juros?

Você não faz um movimento desses sem tirar pelo menos mais 150 pontos, no mínimo 200 pontos. A dúvida é saber se vão fazer corte de 1 ponto na próxima ou talhos de meio ponto. Mas claramente eu esperaria, no mínimo, 150 pontos. É uma aposta muito grande do Banco Central para ser feita de forma econômica. Agora entrou num trilho que é muito difícil voltar atrás. O custo de voltar atrás é bastante complicado. Nesse sentido, é uma aposta muito ousada.

Luis Nassif

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