Cesar Locatelli
César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.
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Banco Central: a chave do Tesouro, por César Locatelli

O Banco Central, em seu relatório de estatísticas fiscais, revelou gasto de R$52,3 bilhões em juros, só no mês de janeiro de 2023

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Banco Central: a chave do Tesouro

por César Locatelli

A sagacíssima economista Maria da Conceição Tavares disse brincando a Jô Soares que não queria o Ministério da Fazenda, mas sim a presidência do Banco Central, a chave do Tesouro.

Uma breve comparação entre dois anúncios feitos nesse último dia de fevereiro: a arrecadação, prevista pelo ministério da Fazenda para um ano, com a volta parcial dos impostos sobre a gasolina e o etanol (29 bi) é menor que o gasto com juros em janeiro (52 bi).

Após uma ginástica notável para dar um sinal ao mercado financeiro, especialmente ao presidente autônomo do Banco Central, o ministro da Fazenda anunciou o retorno parcial da tributação na gasolina e no etanol, bem como a criação de um imposto sobre a exportação de óleo cru. As estimativas indicam um acréscimo de arrecadação para o governo federal de R$ 28,8 bilhões em um ano.

Por outro lado, o Banco Central, em seu relatório de estatísticas fiscais, revelou gasto de R$52,3 bilhões em juros, só no mês de janeiro de 2023. Informou, ainda, que o aumento de 1%  na taxa Selic, autonomamente determinada pelo Comitê de Política Monetária do próprio banco, representa um acréscimo de R$ 40,1 bilhões na dívida líquida do setor público. Se o Banco Central tivesse baixado 1 ponto percentual na reunião de fevereiro, economizaríamos 40 bi até janeiro do ano que vem.

Os gastos com juros, diretos e indiretos, deveriam fazer as manchetes de toda imprensa: “gasto com juros sobe quase 200 bilhões” ou “aumento do gasto com juros ultrapassa PEC da transição”. Não é caso. Nem mesmo os R$ 621 bilhões, total gasto com juros nos últimos 12 meses, comove os editorialistas dos nossos jornais. O mesmo relatório dá conta que, nos 12 meses encerrados em janeiro do ano passado, o acumulado com juros foi R$425,7 bilhões. O acréscimo foi de quase R$ 200 bilhões.

Para termos uma forma de comparação, basta lembrar que a PEC da Transição autorizou o governo federal a gastar R$ 145 bilhões, acima do ficcional teto, em programas sociais e a subida da taxa de juros fez o país gastar R$ 195 bilhões a mais, entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023.

Só em janeiro, o país gastou R$ 52,3 bilhões de juros. Colocando-nos na pele de um empresário que deve decidir entre investir ou aplicar em títulos da dívida percebemos que além do gasto direto há custos indiretos pela perda de investimentos e, consequentemente, menor criação de postos de trabalho.

Mas como quase todo mundo foi convencido que os juros são criados pela natureza e frutificam como as goiabeiras carregadas nesse verão, está tudo certo. “There is no alternative”, diria Margaret Thatcher, uma das principais inspirações de nossos financistas.

Cesar Locatelli – Economista e mestre em economia

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César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

2 Comentários

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  1. A PREOCUPAÇÃO DO MERCADO FINANCEIRO COM O EQUILÍBRIO DAS CONTAS PÚBLICAS, É TÃO VERDADEIRO, COMO O É A DO PAPA COM A CANONIZAÇÃO DE MARTINHO LUTERO. COMO DIZ O BORDÃO FUTEBOLÍSTICO: EM TIME QUE ESTÁ GANHANDO NÃO SE MEXE! POIS BEM, SE O PAQUIDÉRMICO MERCADO FINANCEIRO ESTÁ SATISFEITO COM OS SEU LUCROS, POR QUE CONTRARIAR O DEUS MERCADO? PENSAM OS DEFENSORES DESSES GIGOLÔS DO TESOURO. ELES SABEM QUE A FOME TEM PRESSA, MAS O MERCADO NÃO SE IMPORTA COM A FOME E AS CARÊNCIAS DA MAIORIA DA POPULAÇÃO. PARA ESSA GENTE, O FUNDAMENTAL É LUCRAR ILIMITADAMENTE, MESMO QUE AS CONSEQUÊNCIAS SEJAM DESASTROSAS PARA O POVO E O PAÍS.BASTA ATENTARMOS PARA O APOIO DA MAIORIA DO MERCADO FINANCEIRO À REELEIÇÃO DO BOÇALASNO. SERIAM MAIS 4 ANOS DE IRRESPONSABILIDADE FISCAL E DESMONTE ADMINISTRATIVO. PARA O FAMIGERADO MERCADO NÃO TERIA A MENOR IMPORTÂNCIA, DESDE QUE CONTINUASSEM COM O CONTROLE DO COFRE.

  2. Outra forma clara de explicar o pagamento de juros pelo Tesouro seria tratá-lo como devolução aos ricos de imposto cobrado dos pobres. “tax cashback” cairia bem no linguajar farialaimer.

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