Fatiamento: De Nuremberg ao “mensalão”

Nassif, será que o ministro Barbosa, se inspirou no Tribunal de Nuremberg para enfiar goela abaixo o fatiamento no julgamento do “mensalão”, pelo menos essa técnica lhe deu uma precisão tão grande que a dosimetria será aplicada na véspera da eleição do segundo turno, que precisão milimétrica heim

Samuel Sergio Salinas: “Mensalão”, de Nuremberg a Brasília

 

Não! Não – disse a Rainha
Primeiro a sentença – depois o veredito;
Bobagem – disse Alice
(Alice no País das Maravilhas – Lewis Carrol)
  No dia 8 de agosto de 1945, as potências militares vencedoras da Segunda Guerra Mundial, concluíram um acordo para a criação de um Tribunal Internacional para o julgamento dos grandes criminosos de guerra das nações do Eixo Europeu, derrotadas no conflito.

O artigo primeiro desse acordo dispôs: “Será criado, após entendimento com o Conselho de Controle para a Alemanha, um Tribunal Militar Internacional encarregado de julgar os criminosos de guerra, cujos delitos não se situam geograficamente de maneira precisa, sejam os acusados a título individual, sejam a título de membros de organismos ou de grupos, ou ainda neste duplo título”.

A constituição do tribunal não foi imediatamente resultado de um entendimento entre as potências aliadas. Winston Churchill tinha clara e repetida opção pelo fuzilamento dos nazistas e seus coadjuvantes, submetidos a um julgamento sumário e implacável. Os delegados soviéticos e norte-americanos lograram convencer os aliados de que o Tribunal atenderia mais adequadamente ao propósito de nortear a aplicação das penas.

O tribunal julgaria somente os vencidos, a despeito de os vencedores também terem cometidos crimes de guerra, a exemplo dos bombardeios destruidores de uma cidade alemã indefesa, Dresde, e de Hamburgo com bombas de fósforo. Hiroshima e Nagasaki excederam todos os massacres perpetrados durante a Guerra.

A inexistência de lei internacional obrigou os vencedores a estabelecer uma tipologia de crimes com efeito retroativo no artigo 6º da Constituição do Tribunal Militar Internacional, no Capítulo l. sobre Jurisdição e Princípios Gerais. Este artigo previa a punição das pessoas que, agindo no interesse dos países do Eixo europeu, seja a título individual, ou a título de membros de organizações, cometeram um dos crimes seguintes, segue-se a seguinte relação, dispensados os alusivos acréscimos que circunstanciam os tipos penais enumerados:

a) Crimes contra a Paz;
b) Crimes de Guerra;
c) crimes contra a Humanidade.

Categoria amplas e suscetíveis de uma apreciação bem abrangente.

O artigo 8º desta Constituição do Tribunal inova quando estabelece que o fato de o acusado ter agido sob ordem de seu governo ou de um superior não o isenta de sua responsabilidade, embora possa beneficiá-lo com circunstâncias atenuantes. A lei alemã da época anterior à guerra adotava o princípio do chefe, o Führerprinzip, exacerbado durante o regime nazista.

No artigo 9º, a referência fundamental é a da existência de Organizações Criminosas, ou seja, a acusação pode indiciar alguém que tenha pertencido a uma dessas instituições que os acusadores reputaram delituosas, dentre elas seis organizações nazistas, as SA (tropas de assalto), as SS (a princípio um corpo de defesa pessoal de Hitler), a Gestapo. Ainda mais criativa foi a inclusão de altos chefes militares, num precedente pela primeira vez visto na história. Inculpava-se o Estado Maior das Forças Armadas, envolvendo os militares que tinham ocupado posições de comando no planejamento e na parte executiva nos períodos que precederam e se seguiram à guerra.

Afirma Bradley Smith que também se tornaram passíveis de julgamentos os membros do Gabinete do Reich, desde 1933 (quando os nazistas, numa expressão dúbia, “tomaram o poder”). Trata-se de uma penalização ex post factum, ou seja, lei criada para atingir situações anteriores à sua promulgação.

Como vemos, os grandes princípios do Direito Penal clássico, vigente na Europa, foram, em pouco tempo, abandonados, dentre eles o de que não há pena sem prévia lei que a defina. Por sua, vez a acusação podia escolher os delinquentes de guerra pelo simples fatos de pertenceram a uma “organização criminosa”.

No artigo 19 da Constituição do Tribunal deparamos uma norma que torna a produção das provas, pelos juízes do Tribunal, independente da existência inquestionável dos fatos delineados por um tipo penal . Vejamos: “O Tribunal não será compelido a seguir regras fixas em matéria de provas. Adotará e aplicará, em toda medida do possível (dans toute la mesure du possible) um procedimento expeditivo sem caráter técnico e admitirá toda prova que estimará probante (qu’il estimera probante)”. O documento foi redigido em quatro línguas.

O caráter excepcional do julgamento de Nuremberg suscitou amplas controvérsias na ocasião, tendo em vista a natureza heterodoxa das cominações e da natureza informal das provas coligidas.

Bradley Smith,a propósito do Julgamento, assim se pronuncia:”O que principalmente permanece no espírito do público acerca de Nuremberg e do regime nazista não são as conclusões cautelosas e cercadas de considerandos da Decisão Final, mas as arrasadoras e, muitas vezes, inexatas acusações formuladas pela promotoria. As velhas palavras e expressões ‘conluio’, ’guerra de agressão’ e ‘crimes contra a humanidade’ conservam tanta atração que os historiadores têm de recorrer a toda fibra de que dispõem para evitar que elas os limitem, como espartilhos, na interpretação do que se passa, mesmo em dias atuais”.

Brasília

Ao desmembrar a denúncia do processo denominado “mensalão” em capítulos, o relator da ação penal amparou-se nas mesmas configurações do processo dos grandes criminosos da Segunda Grande Guerra Mundial. Criou-se, para efeito da acusação, grupos de acusados, a exemplo do núcleo de publicitários, núcleo político, procedimento que alguns ministros denominaram fatiar o processo. O alvo foi evidenciado pela inquestionável analogia com as entidades criadas pelo julgamento de Nuremberg, que já ingressavam no procedimento com a caracterização de instituições delituosas, restando para um subsequente momento processual as investigações referentes às pessoas. Em resumo, os acusados já ingressavam na área penal com a pecha de criminosos pela própria natureza, o que certamente facilitou a acusação.

O argumento acusatório que impressionou,em Brasília, alguns ministros mais recentes , dentre eles Rosa Weber e Fuchs, era o fato de que esses integrantes dos núcleos fatiados, pela sua proximidade, pelo contato e promiscuidade de atividades políticas e atividades criminosas, não poderiam alegar ignorância ou desconhecimento de fatos já declarados criminosos em seu envoltório social, ou seja, no grupo atuante na área malsinada. Forjou-se uma impressionante armadilha. Se o grupo atuou para implementar atividades ilícitas, todos os seus integrante deveriam conhecer as condutas de cada um isoladamente. A conhecida teoria do todo e das partes. O argumento de que não poderiam arguir desconhecimento dos atos influiu decisivamente na sensível Ministra Rosa Weber,
que pareceu ansiosa ao votar.

Outra semelhança entre Nuremberg e Brasília ficou evidente na prova e sua avaliação pelos ministros. Votou-se contra as provas dos autos e valorizou-se a palavra de um delinquente notório que pretendia desencadear um escândalo que permitisse , num momento difícil do governo federal da época, um procedimento de queda do presidente Lula da Silva. Verifica-se agora os riscos que o Brasil estava correndo na época em que o governo ainda não havia iniciado os programas sociais e políticos que reformularam a trajetória social, econômica e política do País.

Amplamente suscitada pelo Relator, a teoria do domínio do fato é de origem alemã. Dentre os penalistas alemães sobressai-se Hans Welzel, o grande teórico da “ação finalista” no livro, Derecho Penal, tradução argentina, Roque Depalma, editor”. Sustentando a natureza de seu conceito de ação finalista, diz Hans Welzel, na página 43 “Quem limpa seu fuzil, que não descarregou antes, e mata sem querer, a outro, realiza uma ação finalista (a limpeza do fuzil), que origina causadamente (causalmente) a morte de outro. Sem embargo, para o tipo no sentido do &222 (do Código Penal Alemão) são importantes as causas finalistas (a morte do outro) e isto porque o autor, em suas atividade finalista (a de limpar) não acresceu o mínimo juridicamente necessário de direção finalista para evitar o resultado (o cuidado objetivamente necessário no intercambio).” Independentemente da grande cautela que o autor atribui aos princípios da ação finalista e ao conceito de domínio do fato essa doutrina, na maneira objetiva, e não subjetiva deste conceito, distancia-se muito do nosso ordenamento jurídico penal.

O procedimento investigatório embora a presença de juízes decididamente inclinados a buscar elementos para uma decisão que abonasse o sentido político predominante nas altas esferas do judiciário, não redundou nesta permanente atividade golpista da velha direita.

O povo não acudiu ao apelo dessa conclamação e esvaziou os ventos da discórdia de políticos e partidos que estão sendo desidratados pelo voto do brasileiro.

Sobrou esta versão amarelecida de um processo penal que o Supremo não soube decidir, condenando sem provas, distante do nosso Direito Processual Penal, que aprecia conduta de indivíduos, não de grupos criados artificialmente e exige provas, não indícios, pois, por maior número que possa existir, o que não está acontecendo no processo, os indícios servem para indicar a prova, nunca para substituí-la.

*É procurador de Justiça aposentado. Título do Vermelho

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=196063

Redação

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