Glauco Arbix: inovação é único caminho para reverter desindustrialização

Para sociólogo e presidente da FINEP, empresários brasileiros precisam superar protecionismo tradicional de décadas

Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org

O real vem se valorizando acentuadamente desde março, quando a taxa de câmbio valia R$ 1,66. Hoje, encontra-se no patamar de R$ 1,57. Esse cenário tem proporcionado a diminuição da competitividade em setores industriais, principalmente o manufatureiro, e a intensificação do processo de desindustrialização. Segmentos ligados à média ou alta tecnologia, como o de semicondutores e de máquinas e equipamentos, demonstram insatisfação com a penetração de importados. A dificuldade de ampliação dos investimentos em inovação e em produtos com maior valor agregado tem reservado espaço para o Brasil, no exterior, principalmente para produtos agrícolas e minerais, com baixo valor agregado.

Há sete meses ocupando a presidência da FINEP (Financiadora de Estudo e Projetos), ligada ao ministério da Ciência e Tecnologia, o professor Glauco Arbix concorda que o câmbio valorizado seja um empecilho para os empresários, mas não o único. “Se os empresários brasileiros não virarem a página do protecionismo tradicional de décadas, vamos ficar a vida inteira reclamando, corretamente, do câmbio, da inflação dos juros, e sem olhar diretamente para o futuro”, disse Arbix, que também comandou o IPEA entre 2003 e 2006.

De passagem por São Paulo, onde participou de um congresso da Associação Brasileira de Metalurgia, o sociólogo concedeu entrevista ao Brasilianas.org. Para Arbix, o cenário de baixa competitividade da indústria brasileira não tem outro caminho a não ser o da inovação.

 “O problema é que cada vez que olhamos para o câmbio, ou para os incentivos, ou para o Estado, ou para a proteção, a gente, historicamente, tem dificuldades de olhar, ao mesmo tempo, para os ganhos de produtividade, que são advindos de uma política e de iniciativas direcionadas à inovação e à tecnologia”, explicou.

As coordenadas da nova política industrial, a ser lançada pelo governo federal no próximo dia 2 de agosto, conta Arbix, apontam no sentido do fortalecimento da política de inovação, tendo os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento como motor da indústria.

AcomAcompanhe abaixo a integra da entrevista.

Brasilianas.org – O ministro Mercadante disse recentemente que os empresários brasileiros devem investir mais em inovação. Mas alguns setores da indústria apontam para o problema da desindustrialização, com o aumento das importações, principalmente da China. Não é preciso criar condições para que esses empresários possam competir lá fora?

Glauco Arbix – A inovação é o único caminho para reverter esse cenário, não há outro. Mas é preciso também controlar o câmbio, que atinge, de maneira bastante perversa, vários setores industriais. O problema é que cada vez que olhamos para o câmbio, ou para os incentivos, ou para o Estado, ou para a proteção, a gente, historicamente, tem dificuldades de olhar, ao mesmo tempo, para os ganhos de produtividade, que são advindos de uma política e de iniciativos direcionadas à inovação e à tecnologia. O grande problema é não ficarmos olhando só para trás. Inovação significa olhar para frente e ter ganhos reais de produtividade e competitividade.

Essa é a questão-chave para a economia brasileira. Não estou negando, pelo contrário, enfatizo a relação adversa do câmbio real dificulta a nossa competitividade, e isso tem que ser sanado, pois nossa indústria está sofrendo. E ainda passamos a ter facilidade muito grande para importar, e isso evidentemente não é bom. Mas o essencial é ganhar produtividade, que só é possível com inovação e tecnologia. Se os empresários brasileiros não virarem a página do protecionismo tradicional de décadas, vamos ficar a vida inteira reclamando, corretamente, do câmbio, da inflação dos juros, e sem olhar diretamente para o futuro.

Mas para que as indústrias invistam em novas tecnologias, precisamos superar o problema do câmbio primeiro, não?

Sim, é possível que sim. A história da humanidade é uma história complicada. Mas o que enfatizo é só o seguinte: não há outro caminho, porque a inovação significa também arejar e oxigenar a sua indústria, contratar mão de obra de qualidade, de maneira que você tenha um processo permanente de transformação da empresa e do tecido industrial. Se a gente abandona essa perspectiva, estamos fritos.

Quais as ferramentas que temos para facilitar as negociações com outros países, no sentido de que haja mais transferência de tecnologia? Como fazer para que outras empresas sigam o exemplo da Embraer?

Há várias maneiras de se absorver tecnologia e também de gerá-la. Historicamente, o Brasil utilizou de instrumentos muito poderosos para absorção de tecnologia, que estavam muito relacionados com o poder de compra do Estado. Isso acabava determinando o processo de transferência de tecnologia e a capacitação de empresas. Um exemplo típico é a indústria de Defesa.

Quando se compra aviões, submarinos ou helicópteros, você insere nos contratos cláusulas que consigam prever a capacitação de empresas brasileiras e mesmo a transferência de tecnologia. Em algumas áreas, você faz isso com mais facilidade, em outras não se consegue fazer isso. Mesmo na área de defesa, quando você introduz isso, tem-se limitações muito claras, pois é uma área ultra-sensível, em que a transferência é muito limitada e depende muito do país e da maneira como determinados países trabalham com tecnologia.

O Estado tem perdido esse papel nos últimos anos.

O Brasil, tradicionalmente, procurou se utilizar do poder de compra. Hoje tem uma dificuldade muito grande para fazer isso, pois mudou, as leis são outras, o Ministério Público é outro, o Tribunal de Contas é outro. Há questionamentos de vários lados, pois, historicamente, o uso do poder de compra poderia deformar as regras do mercado. Eu não acredito nisso. Eu penso que o Brasil precisa aprimorar seus instrumentos para utilizar mais intensamente o poder de compras do Estado.

Os Estados Unidos fazem isso, a França, a Inglaterra, o Japão. No passado, a Embraer só existiu, porque o poder de compra foi exercido. Ninguém compraria um avião de uma empresa nascente, a não ser o Estado brasileiro, que comprou, fez as encomendas e, a partir disso, acabou-se viabilizando o negócio. É verdade que Embraer era uma empresa estatal, mas isso pode ser encontrado em vários outros exemplos.  

Mas e quanto à ida das empresas ao exterior? Como competir lá fora hoje?

Você não compete lá fora se não for altamente competitivo e, para ser competitivo, você precisa trazer seus fornecedores, sua malha de fornecedores aqui dentro, para serem competitivos. Isso significa aumentar o padrão de salário, investir mais na mão de obra qualificada, de forma que ela consiga aumentar e dar saltos de produtividade. Ter esse olhar para o exterior, sair do universo brasileiro significa se preocupar com a internacionalização das empresas e se colocar com o objetivo de participar das cadeias globais de maior valor agregado, porque é aí que o futuro está sendo construído. O Brasil tem uma dificuldade, pois o país ainda é muito dependente de commodities. Precisamos romper com isso.

A FINEP anunciou recentemente que irá aumentar os incentivos à robótica. De que forma essa tecnologia pode incentivar a inovação em setores que ainda não investem em tecnologias de ponta?

Os investimentos em robótica, assim como em outras áreas, são chave para nós, pois são investimentos em áreas de fronteira. Todo o peso que estamos dando [para este setor] é para caminharmos no sentido do país se conectar no futuro, sem uma visão imediatista e instrumental. Temos um programa que vamos desenvolver, ligado ao pré-sal, na área de petróleo, que inclui a robótica exatamente em áreas em que o Brasil não tem competência e capacidade, do ponto de vista empresarial. Queremos avançar nessa direção, organizar setores industriais que consigam se capacitar, evidentemente em sintonia com os centros de Pesquisa e Desenvolvimento que estão nas universidades.

Em entrevista em julho de 2010, o senhor disse que nem a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), nem a FINEP, estavam conseguindo articular as políticas de desenvolvimento, e sugeriu a criação de uma nova agência. Agora como presidente da FINEP, como está revendo tais considerações?

Tenho certeza de que quanto mais os órgãos públicos – como a FINEP, a ABDI, o INMETRO, o INPI, assim como o Ministério do Desenvolvimento, o Ministério da Ciência e da Tecnologia e o Ministério do Planejamento – conseguirem se integrar, mais o Brasil vai ganhar. O Estado brasileiro desenvolve uma série de iniciativas; no entanto, temos dificuldade muito grande de coordenação. A proposta que formulei na época visa exatamente isso: unificar as agências e as políticas. Mas não estou trabalhando com essa hipótese realizável no meu mandato. Não foi esse exatamente o mandato que recebi, e não é essa a intenção dos ministérios com os quais estamos trabalhando, no que se refere à unificação de instituições.

Então não será dessa vez que se realizará uma mudança mais profunda nas estruturas desses órgãos?

Mas estamos trabalhando para essa direção, inclusive agora para a preparação da nova política industrial, em substituição da PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), que deverá receber outro nome, e que será anunciada pela presidente Dilma no começo do próximo mês. E nós já realizamos um trabalho muito integrado entre FINEP, ABDI e BNDES, as três principais instituições ligadas à política industrial que o Brasil tem.

No estudo de inovação feito entre a ABDI e o Observatório da Inovação da USP, do qual o senhor foi coordenador, foram analisadas as experiências de países como Canadá e Finlândia. Por que a China ficou de fora, e qual o diferencial da experiência chinesa em comparação aos demais países?

Toda experiência que tem avanços, são experiências dignas de serem estudadas. Não para serem imitadas, pura e simplesmente, como o Brasil fez muitas vezes, mas para se ter inspiração, perceber quais são as tendências para onde a tecnologia está indo, e de que forma está sendo gerada e produzida. Os sete países não foram escolhas nossa, foi uma demanda da ABDI. Os debates e trabalhos sobre a experiência chinesa são muito mais abundantes do que os dos outros países.

A experiência da Finlândia, da Irlanda – todos são países que tem muito a falar para o Brasil. No caso da Irlanda, por exemplo, é também um país em desenvolvimento, não é ultra-avançado, como a Finlândia, e desenvolveu uma série de elementos importantes no desenvolvimento industrial, que marcaram toda uma geração.

A China tem uma importância diferente. É um país gigantesco, com peso grande na economia, e que olhou para o passado, inclusive para o Brasil, aprendeu com a nossa experiência e investiu muito em tecnologia, num estilo um pouco diferente que nós fizemos. Nós investimos muito, mas praticamente paramos na fase da cópia e da imitação, e os chineses estão avançando muito nas áreas de geração de tecnologia.

Luis Nassif

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