Idosos de todo o mundo, uni-vos!, por Miguel Paiva

"Iremos para as trincheiras e defenderemos nosso direito de morrer quando a hora chegar e não quando interessar ao mercado", escreve o cartunista

O cartunista Miguel Paiva. Foto: Reprodução

Idosos de todo o mundo, uni-vos!, 

Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia

 

“Como idoso me sinto ameaçado por este governo. Não que eu seja um idoso de grupo de risco. Aí já me sentiria condenado. Aparentemente sou saudável, faço exercícios, tomo meus suplementos fitoterápicos, faço meus exames regularmente e tirando meu joelho que reclama, me sinto muito bem. Quando era bem mais jovem me sentia ameaçado pela ditadura por ser estudante e depois jornalista. Fui preso por causa disso duas vezes, uma vez em cada categoria. Achava que esses tempos tinham acabado.

Agora, durante a pandemia bolsonariana, a ameaça volta. Como diz minha amiga Emília Silveira, parceira de trabalhos e de quarentena junto com a Angela aqui na serra, o velho de hoje é o judeu de antigamente ( ou de sempre).

Alguns países e algumas tribos indígenas consideram o velho muito importante. Eles transmitem a experiência e a sabedoria. São tratados e respeitados como tesouro do grupo, riqueza a ser preservada para servir de exemplo aos mais jovens.

Aqui neste Brasil, os mais velhos viraram lenha de fogueira. Somos seres descartáveis prontos para o sacrifício em troca dos mais jovens, nem sempre merecedores de uma sobrevida. Mas os jovens são força de trabalho, votos de cabresto e elementos úteis nas manifestações animalescas contra a quarentena dentro de seus carros importados.

Os mais velhos, além de já terem vivido seu tempo, segundo o governo custam caro ao Estado. Logo esse Estado que eles querem acabar. A previdência pena para pagar essa grana que poderia estar sendo usada na criação de novas fabricas de armas ou em investimentos na bolsa de valores. Além de tudo, para eles, velhos são feios, não produzem e nem sexo mais fazem.

Mentira deslavada. Produzo como nunca produzi antes, acompanho e critico essa realidade de merda que somos obrigados a engolir. Me sinto bonito, magro e saudável e considero o sexo indispensável tanto como respirar.

Me pego fantasiando o pior. Ir para as ruas escondido, durante a noite para escapar das blitzes anti-idosos. Furgões carregados de velhinhos que teimam em sair levados para os abrigos de segurança máxima e sendo abandonados à própria sorte e a própria solidão.

Fico tão indignado com esse jeito tosco que o brasileiro trata o que já passou. Temos uma das mais belas histórias na MPB, no cinema, na literatura, no teatro, na arquitetura e na pintura. Somos criativos e convivemos com nossos idosos geniais o tempo todo. Agora mesmo perdemos vários deles que demonstram isso. Moraes Moreira com 72, Rubem Fonseca com 94, Garcia-Roza com 84, Rubinho do Zimbo Trio com 87 e por aí vai. Como diria Nelson Rodrigues no seu habitual exagero frasístico genial, “jovens, envelheçam!”

Nem tanto lá, nem tanto cá. Sempre fui a favor dos jovens. Sempre os respeitei e entendi porque sempre me senti jovem, apesar de não ser mais, na idade. Mas agora que os jovens estão sendo contrapostos aos idosos para promover essa escolha de Sofia cruel e que interessa a certos grupos, serei capaz de chefiar a revolta dos idosos contra essa perseguição nazista que se organiza. Segregar assim os mais velhos é determinar o fim da história para este país que já despreza tanto o seu passado.

Iremos para as trincheiras e defenderemos nosso direito de morrer quando a hora chegar e não quando interessar ao mercado. Como diria Moraes Moreira, “chegou a hora desta gente experiente mostrar seu valor”.

Redação

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. os 01a03 filhotes juntos ultrapassam somados minha idade – em algumas décadas.

    mas tenho certeza que os 3 juntos não valem a unha encravada do meu pé.

    E não sou nenhum excepcional como o Miguel Paiva e tantos outros idosos. Mas um idoso na média como eu, ainda tem utilidade no sistema…

  2. Miguel, obrigada por nos defender tão lindamente, desta turba insana que tem a pretensão de cuidar da saúde publica. Deus nos acuda.

  3. Eu só acredito numa ação, os velhinhos bombas, vou contar porque.
    No tempo do Vampirão (Temer) falei com uma senhora que já estava na capa da gaita (tanto que já faleceu por morte natural antes do Covid-19) e estava indignada contra o Temer e dizia se alguém lhe oferecesse uma boa carga de explosivos ela se dispunha a ser uma velhinha bomba. O mais impressionante de tudo é que toda a família tinha certeza que ela faria.
    Agora imaginem, vem um velhinho com andador e com a barriga inchada (de explosivo plástico) e bum, daí por diante os Kamikases da terceira idade ficariam altamente respeitados. Mas precisaria alguém que já estivesse com três ou quatro meses de vida pela frente, seria apenas um adiatamento da hora.
    ATENÇÃO: Estou ainda com boa saúde, por isso não me candidato.

  4. Como dizia outro velho a quem devemos muito: “Velho, porem nao velhaco.” Ja’ os velhos velhacos estao la’, acolitos do genocida do Alvorada: Guedes, Moura~o, Heleno, Lorenzoni, etc.

  5. Beleza de texto. Obrigada por nós defender com leveza e bom humor, pois de tristeza já basta o caos que estamos vivendo. Parabéns!

  6. Tenho dito alguma coisa a respeito desse processo de envelhecimento abundante em preconceitos que nós mesmos ajudamos a construir. Mas, meus “ditos” ficam perdidos entre alguns poucos escritos, palestras, redes sociais e o Blog Viva a Velhice, para onde vai o seu artigo.
    Acredite numa aliança feminina, conte comigo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador