Interesse público em privar os pobres

Interesse público em privar os pobres – Por Rafson Ximenes, Defensor Público na Bahia – Blog Pensando e Seguindo

Existe uma unanimidade entre os problemas relacionados à justiça, no Brasil: a precariedade das Defensorias Públicas, que não conseguem se espalhar por todo o território nacional. É indiscutível o fato de que a maioria da população pobre não possui, literalmente, defesa alguma. Não tem para quem recorrer, pois não existe nenhum defensor, na sua cidade. Na Bahia, por exemplo, 89% das comarcas estão nesta situação. Mesmo onde existem profissionais, o número é extremamente reduzido e o atendimento, por isto, de difícil acesso. 

Defensores públicos, assim como juízes e promotores não nascem em árvores. São selecionados, através de concursos, que necessitam de previsão orçamentária. O pagamento dos seus salários também precisa estar definido no orçamento. É público e notório que os promotores e juízes são melhor remunerados que os defensores. Em alguns estados, recebem mais que o dobro. Entretanto, curiosamente, os mesmos  recursos estaduais, quando divididos, permitem entupir as cidades de julgadores e acusadores, que custam mais caro. Só falta dinheiro para contratar quem vai ficar do lado dos pobres, que custa mais barato.

As oposições de momento, sejam de que partido forem, sempre bradam contra esse quadro e denunciam o abandono aos carentes. Os governistas de momento, sejam de que partido forem, lamentam bastante e explicam que não podem fazer nada, em virtude da lei de responsabilidade fiscal (LC 101). É que esta norma fixa o valor máximo que pode ser gasto com pessoal. O do judiciário é de 6%, o do Ministério Público é de 2%. O da defensoria não é especificado. Entra na conta do poder executivo. Na Bahia e na maioria dos estados, na prática, não chega a 0,5%. Assim, eles nunca podem dar mais dinheiro para contratar defensores, pois ultrapassariam o seu limite. Eis o motivo declarado.

Em 19 de novembro, o Congresso Nacional aprovou uma alteração na lei de responsabilidade fiscal, para acabar com esse quadro (PLP 114). Pela nova lei, o limite da defensoria seria de 2%, igual ao limite do Ministério Público. Deste modo, não haveria mais razão para os pobres continuarem sem defesa em quase todo o território nacional. Os governadores poderiam, sem receio, estruturar as defensorias públicas dos seus estados. O povo passaria a ter direito a ter direitos. Seria o fim, definitivo desse mal, reconhecido por unanimidade, lembre-se. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, discursos hipócritas terminam sendo desmascarados.

Um projeto de lei, após ser aprovado, precisa da sanção do(a) presidente, para, finalmente, entrar em vigor. Enquanto defensores comemoravam a aprovação no congresso e davam como certa a sanção, fazendo planos de preenchimento dos os cargos, nos próximos anos, no planalto, o silêncio imperava. Silêncio para fora. Por dentro, governadores, aqueles que lamentavam que a lei de responsabilidade fiscal os impedia de estruturar as defensorias, algo tão necessário e tão aflitivo, falavam e pressionavam ministros e a presidente. Até que conseguiram o que sempre quiseram. O projeto foi vetado ( mensagem 581 de 19 de dezembro de 2012).

Assim, a presidente da república, atendendo a pedidos dos governadores, escancarou a realidade. As defensorias públicas não são estruturadas única e exclusivamente porque os governantes não querem estruturá-las. Não é falta de recursos, pois se fosse, Ministério Público e Judiciário sofreriam o mesmo. Não é impossibilidade por conta da responsabilidade fiscal, pois se fosse, o projeto de lei seria um bálsamo e não algo a ser vetado. A razão, pura e simples, é: os governos não se importam nem um pouco com a população pobre, a não ser na hora das eleições.

As habituais palavras benevolentes de lamento pela situação são mais falsas que notas de 3 reais. E partem do pressuposto de que todos são tão estúpidos para acreditar nelas, que até no veto, a presidente as usa. Nas palavras de Dilma Rousseff, na mensagem de veto 581: ” Assim, ainda que meritória a intenção do projeto de valorizar as defensorias públicas, a restrição do limite de gasto do Poder Executivo Estadual ensejaria sérias dificuldades para as finanças subnacionais.” Antes, disse que agia assim, porque o projeto de estruturar as defensorias contrariava o interesse público. Faltou apenas esclarecer a que público se referia.

Anos atrás, um deputado do DEM foi muito repudiado, por um discurso contra o fortalecimento das defensorias. Quem imaginaria que um golpe mil vezes pior viria do PT, o lado oposto da política partidária. Se bem que, em relação a manter os pobres sem direitos, não parece correto pensar em lados opostos. Nesse jogo, Dilma (ou Wagner) e Aleluia parecem iguais. Depois desse ato, de colossal violência simbólica, da presidente, ou os deputados, especialmente os petistas, derrubam o veto, ou, por favor, param de falar em esquerda, direita, elite, carlismo, herança maldita, mal menor… Ninguém mais cai nesta conversa mole.

Redação

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