Justiça partidarizada é uma vergonha, diz membro do CNJ no julgamento de Gabriela Hardt

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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"Se politizou a Lava Jato. E quando se politizou, se trouxe essas ideias de repatriar recursos (dos EUA)", apontou Terto e Silva

A tentativa da equipe do ex-procurador Deltan Dallagnol se criar uma fundação privada com recursos de uma multa bilionária parcialmente devolvida ao Brasil pelas autoridades dos Estados Unidos é fruto da “politização” da Operação Lava Jato. A declaração foi feita por Marcelo Terto e Silva, membro que se despediu do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no último dia 16, durante o julgamento de uma representação disciplinar que envolvia a juíza Gabriela Hardt.

Na sessão do CNJ, a Corregedoria apresentou parte do trabalho da correição extraordinária na 13ª Vara Federal de Curitiba e na 8ª Turma do TRF-4, palcos principais da Lava Jato. O corregedor Luís Felipe Salomão sustentou que Hardt merecia continuar afastada de suas funções – conforme havia decidido um dia antes do julgamento em plenário – por ter adotado condutas incompatíveis com o que se espera de uma magistrada, ao homologar o acordo da equipe de Dallagnol com a Petrobras, para tentar dar vida à fundação.

O presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, defendeu que Hardt só praticou um ato jurisdicional ao homologar o acordo da fundação. A maioria do plenário decidiu afastar a cautelar e devolver a juíza ao seu trabalho. Em sessões futuras, o colegiado deverá entrar no mérito das acusações enfrentadas por Hardt.

Advogado indicado ao CNJ pelo Conselho Federal da OAB, Terto e Silva fez uma das manifestações mais contundentes defendendo que se apure corretamente, no âmbito do PAD (processo administrativo disciplinar), os abusos praticados na Lava Jato por Hardt e futuramente por Sergio Moro, conforme sugerido por Salomão (o corregedor decidiu desmembrar a representação de Hardt e Moro, e julgar primeiro a juíza).

“Temos que confiar no órgão de acusação do CNJ, que há seis meses trabalhou nesse caso [correição extraordinária]”, disse Terto e Silva, que antecipou seu voto pela instauração de PAD contra Hardt.

“A dúvida é sobre os excessos da Operação Lava Jato. Foi algo que prometeu muitas entregas para a sociedade brasileira, mas trouxe além esses retratos muito bem elaborados pela Corregedoria – que, na minha opinião, no caso da juíza Gabriela, não trata de ato jurisdicional.”

Para Terto e Silva, os “aspectos circunstanciais” da homologação do acordo colocam a atuação de Hardt em xeque e justificariam seu afastamento. Conforme apontado pela correição extraordinária, Hardt fez tratativas informais com a equipe de Dallagnol e homologou indevidamente um acordo inconstitucional sob pressão e omissão de documentos. >>> Leia mais: Principal prova contra Hardt, confissão mostra pressão e mentiras de Dallagnol

“A Corregedoria trouxe aqui o orquestramento de atos processuais com o órgão de acusação, a ponto de levar o Supremo a anular tantas e tantas e tantas condenações e acordos de delação premiada da Lava Jato“, comentou Terto.

“Porque se politizou a Lava Jato”, continuou. “E quando se politizou, se trouxe essas ideias de repatriar recursos [pagos pela Petrobras em multa aplicada pelos EUA], fruto de [dois] acordos que não foram homologados pela magistrada Gabriela; foram homologados pelo órgão de fiscalização americano que concordou em devolver 80% para que se aplicasse em políticas sociais [no Brasil].”

Conforme exposto em diversas reportagens do GGN, o acordo feito entre Petrobras e EUA previa a devolução de 80% da multa (mais de 680 milhões de dólares) em benefício das “autoridades brasileiras”. Mas a equipe então liderada por Deltan Dallagnol, com apoio da Transparência Internacional Brasil, tentou “desviar” os recursos da União para a criação de uma fundação privada que ficaria sob a batuta da própria força-tarefa da Lava Jato.

Não é o Ministério Público que tem que definir política sociais, é o Executivo. No caso, seria a União, sócia majoritária da Petrobras”, pontuou Terto e Silva.

Para o ex-membro do CNJ, a fundação privada “não era a melhor forma, era uma forma reprovável de se tentar” administrar os recursos bilionários, e não se sabe “em proveito de quê”.

“Porque vários dos membros da Lava Jato [saíram de seus cargos concursados] e dois, em especial, vieram para a política depois que elegeram um determinado presidente da República”, mencionou Terto em referência ao ex-juiz Sergio Moro e ao ex-procurador Deltan Dallangol. >>> Leia mais: Fundo da Lava Jato tem cheiro de campanha eleitoral a favor de Moro

“A gente não quer uma justiça partidarizada. Justiça partidarizada é uma vergonha. Isso é muito grave e tenho que confiar no trabalho da Corregedoria. Não só pela instauração do PAD, mas pelo afastamento [de Hardt].”

No final da sessão, Hardt e o juiz Danilo Pereira (atual titular da 13ª Vara de Curitiba) foram devolvidos aos trabalhos, mas o CNJ formou maioria para manter afastados os desembargadores do TRF-4, Loraci Flores e Thompson Lenz.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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