Jose Luis Fiori
José Luís Fiori - Professor emérito dos Programas de Pós-graduação em Economia Política Internacional (IE/UFRJ), e em Bioética e Ética Aplicada (PPGBIOS/UFRJ), da UFRJ. Coordenador do GP do CNPQ, “Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”, e do Laboratório de “Ética e Poder Global”, do NUBEIA/ UFRJ,
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Macroeconomia e estratégia, por José Luís Fiori

do Valor

Macroeconomia e estratégia

Por José Luís Fiori

Durante o século XX, a esquerda socialista que optou pela reforma progressiva e democrática do capitalismo nunca teve ideias próprias ou originais sobre política econômica. Mais do que isso, sempre que governou ou participou de governos de coalizão, depois da Primeira Guerra Mundial, apoiou, direta ou indiretamente, a política conservadora e a ortodoxia monetarista para enfrentar as crises econômicas que se sucederam depois da guerra. Como no caso de Rudolf Hilferding, que foi ministro da Fazenda da Alemanha, em 1928, e promoveu uma política monetarista rigorosa que acabou piorando a recessão e aumentando o desemprego e a própria crise que culminou com a ascensão do nazismo e de sua “economia de guerra”.

E o mesmo aconteceu com o partido trabalhista inglês, em 1929, e com a Frente Popular francesa, em 1936, que também adotaram a cartilha ortodoxa para enfrentar a “crise dos 30”, mas fracassaram. A grande exceção, nesse período, foi a socialdemocracia sueca, que enfrentou a mesma crise com uma política de acordo social e promoção ativa do crescimento e do pleno emprego. A despeito de seu sucesso ser inseparável do dinamismo regional produzido pela “economia de guerra” nazista. Depois da Segunda Guerra Mundial, a esquerda democrática, socialista e europeia só aderiu à teoria e às políticas de corte keynesiano no final da década de 50.

E mesmo assim, nas crises monetárias da Inglaterra e da Alemanha, de 1966 e 1972, os governos de Harold Wilson e Helmut Schmidt, respectivamente, voltaram-se para as receitas da ortodoxia monetarista, que depois se transformaram na bíblia macroeconômica do socialismo neoliberal dos anos 80/90.

No longo prazo, a importância da variação das políticas econômicas conjunturais se dissolve, fica quase irrelevante

Fora da Europa, e na América Latina em particular, depois da Segunda Guerra Mundial, seus governos desenvolvimentistas foram quase sempre conservadores e patrocinaram, em geral, políticas econômicas ecléticas, mantendo um pé na ortodoxia do “tesouro”, e o outro na heterodoxia do “planejamento” ou da “assessoria econômica” da presidência, como no Brasil de Getúlio Vargas e da maioria dos seus governos militares. Mas, foi só a partir da segunda metade dos anos 80 que a discussão sobre política econômica adquiriu verdadeira centralidade nos debates acadêmicos e políticos da esquerda latino-americana. No vácuo ideológico criado pela crise socialista dos anos 90, cresceu a importância dos debates macroeconômicos desencadeando-se às vezes verdadeiras guerras religiosas dentro da esquerda em torno de divergências quase infinitesimais, aos olhos dos leigos.

Nesse período, o keynesianismo se transformou na língua oficial da maioria dos economistas de esquerda que também passaram a acreditar – como os economistas – na existência de políticas econômicas certas ou erradas, dependendo dos seus fundamentos teóricos, verdadeiros ou falsos. Apesar da conjuntura e da história apontarem numa direção oposta, como se pode ver pelo acompanhamento das políticas econômicas das principais economias capitalistas neste momento. Senão vejamos, mesmo que seja a “vôo de pássaro”: desde a crise de 2008, os países da União Europeia adotaram políticas econômicas cada vez mais ortodoxas e rigorosas, mas seus efeitos, do ponto de vista do crescimento e do emprego, têm sido catastróficos; ao mesmo tempo a Inglaterra, seus antigos domínios e os países escandinavos têm alcançado bons resultados imediatos com as mesmas políticas.

Do outro lado desse debate, os EUA vêm tendo sucesso, no mesmo período, com uma política monetária e fiscal absolutamente heterodoxas; a mesma política heterodoxa, entretanto, que vem tendo efeitos desastrosos no Japão do primeiro-ministro Shinzo Abe. E o mesmo está acontecendo em países de menor dimensão econômica, onde as políticas ortodoxas produziram resultados positivos, durante alguns anos – Bolívia, Uruguai, Chile e Peru – e hoje a maioria destes mesmos países estão tendo resultados negativos. Ou seja, do ponto de vista conjuntural, tudo indica que as políticas econômicas dos países variam no espaço e no tempo, e seu sucesso ou fracasso depende de fatores “externos” à própria política econômica, e não da verdade ou falsidade de suas premissas teóricas.

Mas o que mais contradiz esse “debate epistemológico” dos economistas é o sucesso extraordinário do ecletismo chinês, que muda suas regras e instituições segundo seus objetivos estratégicos sem produzir nenhum tipo de susto nos investidores internacionais. Para entender este fenômeno, entretanto, é preciso recorrer a um estudo mais amplo e comparado da história das grandes potências econômicas capitalistas1. E neste caso, a conclusão do estudo parece apontar numa direção que também vai contra a convicção dos economistas: todos os “grandes ganhadores” seguiram estratégias expansivas e “mercantilistas” durante o seu período de take off, até alcançar seus principais concorrentes.

Nessa trajetória ascensional, esses países adotaram várias políticas fiscais e monetárias, ortodoxas ou heterodoxas, dependendo das circunstâncias e do juízo dos seus governantes sobre os desafios aos seus projetos de expansão do seu poder e da sua riqueza. E a verdade é que em nenhum desses casos a instabilidade ou variação das políticas econômicas de curto prazo afetou a “credibilidade” fiscal ou monetária da economia destes países durante o tempo em que eles conseguiram vencer e seguiram se expandindo, como no caso atual da China.

Ou seja, no longo prazo, a importância da variação das políticas econômicas conjunturais se dissolve, transformando-se numa variável quase irrelevante, para a história de sucesso das grandes potências capitalistas.

1- J.L. Fiori, História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo, Editora Boitempo, 2014

José Luís Fiori – professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro “O Poder Global”, da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

Jose Luis Fiori

José Luís Fiori - Professor emérito dos Programas de Pós-graduação em Economia Política Internacional (IE/UFRJ), e em Bioética e Ética Aplicada (PPGBIOS/UFRJ), da UFRJ. Coordenador do GP do CNPQ, “Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”, e do Laboratório de “Ética e Poder Global”, do NUBEIA/ UFRJ,

3 Comentários

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  1. “Ou seja, no longo prazo, a

    “Ou seja, no longo prazo, a importância da variação das políticas econômicas conjunturais se dissolve, transformando-se numa variável quase irrelevante, para a história de sucesso das grandes potências capitalistas.”

     

    Quando há planejamento e a estratégia de longo prazo é o mais importante a coisa funciona de outra maneira.

  2. sempre gostei das análises

    sempre gostei das análises abrangentes do professor fiori.

    essa é mais uma.

    para países como a china, por exemplo, símbolo da paciencia,

    a questão estratégica está sempre acima de tudo.

  3. A história não é bem esta.
    A

    A história não é bem esta.

    A simples análise mecanicista da realidade leva a estes aparentes paradoxos do keynesianismo hidráulico.

    Não basta analisar matematicamente os ditos efeitos de adoção de uma política econômica ortodoxa ou heterodoxa, como se o poder em questão pertencesse a um sistema isolado, hermeticamente fechado, em relação ao resto da humanidade.

    Há que se analisar todo o contexto local e global.

    A adoção de políticas heterodoxas em nível local em países periféricos e subdesenvolvidos envoltos a uma crise global do capitalismo, por exemplo, com certeza terá efeito nulo ou quase nulo.

    Por outro lado, a adoção de política ortodoxa por uma economia desenvolvida no contexto de uma crise da sua economia local, enquanto o resto do mundo cresce, com certeza também terá efeito devastador na sua economia local, que poderia ser resolvido pela simples adoção de uma política econômica heterodoxa.

    Obviamente, quanto mais aberta uma economia, quanto mais relacionada com o resto do mundo, quanto mais dependente do resto do mundo, menos efeito terá a sua política econômica local no sentido de mudar a sua conjuntura.

    Obviamente que os governos locais devem fazer uma avaliação de toda a conjuntura local e global antes de adotar esta ou aquela estratégia.

    Em outras palavras, há que se separar os efeitos dos ciclos longos da economia global capitalista dos efeitos dos ciclos médios e curtos das economias locais.

    Cada país tem uma dinâmica econômica própria local e está submetido à dinâmica da economia capitalista global em maior ou menor grau.

    Assim adoção de políticas heterodoxas locais obviamente devem ser orientadas às crises relacionadas às fases recessivas dos ciclos médios e curtos locais, pelo menos nos países periféricos, menos influentes em nível global.

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