Maniqueísmo: a infância do pensamento

  O maniqueísmo é uma visão de mundo que o divide em polos opostos e inconciliáveis: o bem, representado por Deus que é perfeito, e reúne todas as qualidades positivas; e o mal, representado pelo Diabo que reúne toda a maldade.

  Surgiu na Pérsia (atual Iran) e teve forte influência sobre as grandes religiões monoteístas: o islamismo e o cristianismo (embora esteja presente em várias outras religiões), se difundindo então pelo mundo.

  Mas não importa tanto o aspecto histórico aqui, mas as suas influências no mundo político e social atual.

  Se observarmos, quase todos os filmes, livros, novelas e até doutrinas políticas, filosóficas, etc. até hoje, estão baseados na dicotomia “bem” X “mal” e no final, quase sempre o bem vence. Essa concepção está presente em todos os aspectos de nossa vida.

  Como já têm sido dito há algum tempo, os grupos sociais estão cada vez mais se fechando em suas concepções, sem diálogo entre si, seja no mundo real, seja nas redes sociais.

  Vivemos então, um contexto cada vez mais dual, quase uma nova “era dos extremos” de Honsbawn.

  Temos então: “petralhas” X “coxinhas”, “feminazis” X “bolsomions” ou “machistas opressores”, “comunistas comedores de criancinhas” X “facistas assassinos” e tantos outros extremos inconciliáveis. E você tem que escolher um lado.

   Ao escolher um lado você se compromete com todos os princípios de um dos lados e fica proibido de elogiar qualquer característica do lado oposto (o mal). O bem é sempre o lado que você escolher, é claro. Afinal, quem se define como “mal”?

  Se você escolhe defender o feminismo, por exemplo, fica obrigado a defender todas as suas bandeiras de todas as suas facções. Se você discordar de qualquer característica, só tem uma opção pra você: ser tachado de “bolsomion”. Afinal, no maniqueísmo, não se admite ponderação, crítica, quem sabe até um “meio termo”, ou você defende um lado, ou está do “outro lado”, dos inimigos.

  O mesmo ocorre do “outro lado”. Me dei ao trabalho de visitar a página dos Bolsonaros e ver suas postagens. Quando alguém foge dos princípios facistas deles é chamado de “feminazi”, “esquerdopata”, etc.

  Quando Carlos Bolsonaro compartilhou meu texto “Professor, o senhor é gay?” me criticando e veio uma enxurrada de comentários machistas e homofóbicos, vi uma mulher, seguidora da página dizendo: “está difícil ser mulher de direita”, pois eles, os seguidores de Bolsonaro, não admitiam que ela elogiasse meu texto.

  Mais recentemente na história do Brasil, a polarização “esquerda” X “direita” tomou conta das discussões: se alguém fizesse qualquer elogio ao governo Dilma, mesmo que essa medida elogiada fosse característica de direita, como privatizações, a pessoa era chamada de “esquerdopata”. Se fizesse uma crítica, era chamada de “coxinha”. Parece que não importa a medida, a ação ou a ideia, mas quem a faz ou defende. Se for meu amigo, ou seja, do bem, sou a favor, se é meu inimigo, ou seja, do mal, sou contra.

  Eu mesmo, um esquerdista, que considerava o governo Dilma de centro, indo cada vez mais para a direita, quando elogiava alguma ação do governo, era considerado “de direita” por parte da oposição de esquerda; quando criticava alguma ação do governo corria o risco de ser acusado de “fazer o jogo da direita” pelos governistas “de esquerda”. Mais uma vez, era como se tivesse que escolher um lado, o bem ou o mal.

  Nós, da esquerda, comumente criticamos a ação dos evangélicos na política (eu mesmo faço bastante isso) e acabamos criticando sem querer, às vezes, os evangélicos como um todo como sendo conservadores no que eu chamo de “pauta polêmica” (legalização da maconha, descriminalização do aborto, redução da maioridade penal, etc). No entanto, esquecemos da ação de várias igrejas protestantes “progressistas”, que lutam contra a violência contra a mulher, tem clínicas de reabilitação para dependentes químicos (algumas sérias, com profissionais, outras não) e uma importante ajuda aos mais pobres em suas comunidades.

  Lembro de conservar com um amigo militante, esquerdista e evangélico, sobre essas questões e ele me contava desse absurdo dessa generalização, que sua igreja já fez até passeata contra a violência contra a mulher, etc.

  Tantos outros exemplos poderiam ser dados de dualismos como esses.

  É a luta do bem contra o mal em pleno 2017, sem ponderação, sem mediação, sem diálogo.

  Isso só faz crescer os extremos de cada grupo. Muitas vezes, as opiniões nem são tão opostas assim e se fosse possível conversar, elas se aproximariam. Faço debates com meus alunos nas minhas aulas de Sociologia há pelo menos 7 anos e eles funcionam muito bem. Sempre as ideias se aproximam um pouco mais após um debate respeitoso. E essas ideias, de cada grupo, saem mais ricas depois do debate.

  O maniqueísmo pode ter sido importante num dado momento da historia da humanidade, mas para nós, adultos, do século XXI, soa como infantil ter que escolher um lado ou (pior ainda) às vezes uma pessoa exclusivamente pra defender.

  Ter ponderação, mediação, dialogar, não significa que você não tem opinião, que não tem lado. Eu tenho e isso é bem claro. Significa que você não vê só preto e branco, que você escuta o outro, dialoga com ele. Tenta entender o seu ponto de vista, até para argumentar melhor e não apenas “lacrar”, vencer o “debate”.

  Pode ate ser mais fácil pra você ver tudo preto ou branco, mas é mais infantil e simplista também. A política e a vida social são muito mais complicadas do que a luta do bem contra o mal. Pense nisso!

  Como diz uma música dos Engenheiros do Hawaii, “As coisas mudam de nome, mas continuam sendo religiões”. (Música “Além dos outdoors”)

Redação

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