Niltinho Tristeza

Samba que dá sobrenomeNiltinho Tristeza 
Artigo extraida do site www.vivafavela.com.br
O Viva Favela é um projeto inovador. Realizado pela ONG Viva Rio, tem como meta a inclusão digital, a democratização da informação e a redução da desigualdade social 

autores : Bete Silva e Vilma Homero
data : 31 março 2004

 

 compositor não se separa do seu violãoNiltinho Tristeza: compositor não se separa do seu violão

 

Embalado por uma dose de Fogo Paulista e curtindo enorme dor de cotovelo, Nilton de Souza teve sua maior inspiração. Passou para o papel a frase que martelava sua cabeça desde que a namorada lhe dera o fora e compôs uma das músicas brasileiras mais conhecidas até hoje, no Brasil e no exterior. O sucesso acabou fazendo com que ele incorporasse o título a seu nome artístico. Até hoje, quatro décadas mais tarde, o cantor e compositor ainda é conhecido como Niltinho Tristeza.

É bem verdade que em 1963 quando fez o samba, nada aconteceu. Somente três anos mais tarde, depois da parceria com Haroldo Lobo, Tristeza estourou nas rádios e passou a ser uma das músicas mais cantadas no Carnaval de 1966, na voz de Ari Cordovil: “Tristeza, por favor vá embora / minha alma que chora…”   Nos anos seguintes, o samba ganhou várias outras regravações – 210 para ser exata –, no país e no exterior. E a vida de Niltinho nunca mais foi a mesma. 

“Tudo o que tenho foi graças à música”, diz ele. Aos 68 anos, casado com Neuza Maria, de 64, o pivô de toda a história, Niltinho continua na ativa. Falante e animado, em nada lembra o apelido. Tampouco ficou como criador de um único sucesso. Com cerca de 150 sambas gravados, outros 80 guardados em fitas e mais alguns rascunhados em papel, ele emplacou também Chinelo Novo (“Eu vou sambar até gastar o meu chinelo novo / Quero esquecer a vida / Cair na avenida me perder no povo, amor…”), parceria com João Nogueira, em 1971. Composto para o Cacique de Ramos, foi outro sucesso do Carnaval daquele ano, quando o bloco saiu arrastando uma multidão que cantava a música pela avenida Rio Branco.

 ano do samba <i>Liberdade, Liberdade</i>1989: ano do samba Liberdade, Liberdade

 

Em 1989, Niltinho repetiu a dose. Integrante da ala de compositores da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, ele criou outros versos que ficaram na memória. O samba-enredo Liberdade, Liberdade (“Liberdade, liberdade / Abre as asas sobre nós / E que a voz da igualdade / Seja sempre a nossa voz…”) – parceria a oito mãos com Preto Jóia, Vicentinho e Jurandir – conquistou um lugar entre os clássicos do gênero e contribuiu para que a escola se tornasse a campeã daquele carnaval.

Tristeza, por favor, vá embora…

Mas, sem dúvida, Tristeza é até hoje seu maior sucesso. “É o hino da minha vida, meu ganha-pão até hoje com direitos autorais, o que segura as pontas aqui em casa”, anima-se o compositor. Curiosamente Neuza só descobriu que a música tinha sito feita pra ela, anos depois de casada, quando ouviu a história contada pelo próprio Niltinho numa entrevista.

“Compus Tristeza em 63 e passei a cantar a música no bloco Boêmios de Botafogo”, lembra Niltinho. Foi onde o compositor Haroldo Lobo, já conhecido por sucessos como Alalaô, Índio quer apitoEmília Pra seu governo, ouviu o samba pela primeira vez. Gostou tanto que propôs parceria a Niltinho. Por idéia de Haroldo encurtaram a música, suprimindo a segunda parte. “É que samba de Carnaval para pegar precisava ser curtinho”, explica Niltinho.

Haroldo não chegaria a ouvir a música nas rádios. Morreu duas semanas antes de o samba ser lançado. E antes que Tristeza começasse a ser ouvida por todo canto. “Naquele tempo as rádios tocavam muitas músicas de carnaval e todas colocavam meu samba. Foi uma emoção muito grande”, conta.

Emoção maior ainda pelo momento por que o Rio de Janeiro passava, com enchentes que provocaram o desabamento de casas e mortes em várias favelas. O prefeito da época, Negrão de Lima, chegara até a cogitar cancelar o carnaval. Teria sido demovido da idéia e, no carnaval de 1966, o povo foi às ruas cantandoTristeza. A música virou o hino da cidade naquele momento, caindo na boca do povo.

 

Guarda-roupa caprichado para as suas apresentaçõesGuarda-roupa caprichado para as suas apresentações

 

Se não se tornou celebridade como os cantores da época, Niltinho passou a ser bastante solicitado no meio. “Vários cantores começaram a me pedir música, entre eles Elisete Cardoso, Peri Ribeiro, Wilson Simonal, Elza Soares, Jorge Goulart, Maria Creuza, Emílio Santiago, Dominguinhos do Estácio”, orgulha-se. Mas foi na voz de Jair Rodrigues, que Tristeza ganhou o Brasil inteiro e se tornou uma das músicas brasileiras mais conhecidas no mundo.

E Neuza, a musa do samba? O rompimento durou pouco tempo. “Foi briga de namorados. O caso é que ele tinha outras. Então resolvi que ele precisava se decidir e dei um basta no namoro”, conta a esposa. Niltinho soube como dar um fim nesse “basta”. Boêmio inveterado, ele passava as noites na farra, mas voltava para casa de manhã, a tempo de trocar de roupa e ir para a missa de domingo, onde sabia que encontraria Neuza.

“Emprego nunca larguei”

Os encontros na igreja deram resultado. “Eu acreditava que ele tinha dormido a noite toda. Fizemos as pazes”, lembra Neuza. O namoro engrenou e deu em casamento poucos meses mais tarde. “E estamos casados até hoje, são 42 anos de união, um filho e três netos”, acrescenta. Mesmo depois de se tornar a senhora Souza, Neuza continuou carreira como mulata do Sargentelli.

Nascido e criado em Botafogo, Niltinho teria seguido carreira militar, não fosse toda aquela rigidez incompatível com o estilo de vida que levava desde cedo. “Sempre gostei de baile, dançar gafieira”, conta. Em vez do Exército, fez concurso público e foi trabalhar no antigo INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Quando o sucesso começou a mudar sua vida, Niltinho era funcionário público pela manhã e linotipista à tarde. Logo passou a trabalhar com Sargentelli à noite.

 

Benito de Paula com Niltinho (E) e em casa (D), com pôsteres dos shows e programas de televisãoBenito de Paula com Niltinho (E) e em casa (D), com pôsteres dos shows e programas de televisão

 

Quando ficava difícil conciliar trabalho e vida de artista, ele pedia licença sem vencimentos do serviço público. “Música para mim era como hobby. Emprego nunca larguei”, conta. Em 1971, mudou-se de mala e violão para uma temporada de shows com Sargentelli e Jamelão em São Paulo. Era para ficar um ano, mas acabou ficando 11. “Nos apresentávamos em shows em hotéis como o Hilton, Comodoro, Casagrande, Ilha Porchat e boates como Barracão de Zinco.”

“No começo, eu vinha para o Rio todo fim de semana ficar com a família. Até que, no ano seguinte, mulher e filho, todo mundo foi para São Paulo”, conta. Neuza que mesmo casada se mantinha em forma, também voltou ao trabalho. Mas em vez de dançar como mulata, tornou-se responsável por selecionar e preparar as moças para o show. No final de 1981, o convite de um amigo para produzir um show de mulatas no Chile rendeu a Niltinho uma temporada fora do país. “O combinado era ficar um mês, mas com o sucesso do espetáculo só voltamos seis meses mais tarde”, lembra o compositor.

Perto do samba do Cacique de Ramos

Na porta da casa, em Ramos, com a famíliaNa porta da casa, em Ramos, com a família

 

Só em 1982, Niltinho voltou a fixar moradia no Rio. Comprou uma pequena casa numa vila em Ramos, só para ficar perto dos amigos que fizera no Cacique. É onde mora até hoje, cercado pela mulher, filho, nora e netos. A casa acompanhou o crescimento da família, foi ampliada e agora tem três andares. Lá, guardam com carinho os pôsteres com as fotos tiradas ao longo dos anos, em programas dos shows, boates e apresentações de televisão.

Apesar do sucesso, Niltinho não chegou a ganhar rios de dinheiro. “Na época, a arrecadação de direito autorais era ainda incipiente, não havia órgão arrecadador. Os fiscais levavam gravador para os clubes para saber quantas vezes a música tinha tocado. Nas rádios, o controle era feito pela programação”, lembra.

Chamado por amigos, Niltinho entrou para a União Brasileira de Compositores (UBC). “Mas entidades como o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), só passariam a existir anos mais tarde”, explica. Ele só deixaria a UBC, muito tempo depois, para fazer parte da Sadembra – Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil. “A mesma do Roberto Carlos. Ela, sim, arrecada e repassa o dinheiro aos compositores”, diz.

Mesmo hoje, Niltinho nem pensa em pendurar o violão. Esporadicamente ainda se apresenta em cidades paulistas. “Aqui no Rio a concorrência é muito grande e o campo é restrito. Vou mais para Campinas, Sorocaba, Americana, Jundiaí e São Bernardo do Campo. Pego o violão e vou embora. Tem até um conjunto que me acompanha, Os Autênticos”, conta. E logo emenda: “Estou aberto a convites. É só me chamar.”

 

 

data : 31 março 2004 
fonte : Bete Silva, do Alemão e Vilma Homero, da Redação http://www.vivafavela.com.br http://imperatriz.free.fr/niltinho.php 

 

Redação

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