Paradise Papers: paraíso fiscal, inferno democrático, no Le Monde

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do Le Monde

Paradise Papers: paraíso fiscal, inferno democrático

Porque ela é reservada aos mais ricos e às multinacionais, a otimização fiscal coloca em risco o princípio da igualdade de todos diante dos impostos.

Seja para brandi-la como estandarte, seja para fustiga-la, muito se invocou a moral desde o início da publicação dos “Paradise Papers”. Essa pesquisa impressionante, conduzida pelo Le Monde e por 95 mídias parceiras, revela na verdade os segredos da otimização fiscal praticadas na França, na Europa e no mundo pelas multinacionais e pelas grandes fortunas.

Porque ela permite a uns e outros escapar de alguma forma do imposto e economizar bilhões de euros que logicamente deveriam entregar aos Estados nos quais residem ou exercem sua atividade, muitos ficaram chocados, escandalizados ou desgostosos. Esta indignação é evidentemente legítima. Mas, como essas práticas são frutos da exploração engenhosa de falhas das legislações fiscais, seus atores ou advogados rechaçam os processos que lhes são movidos: já que, por mais acrobáticas que sejam, essas montagens são legais, eles estimam que não têm por que ser criticados. A seus olhos, a moral não tem nada a ver com esse assunto.

A moral, talvez. Em compensação, a justiça está no coração do problema. A igualdade diante da lei e a igualdade diante do imposto constituem dois pilares essenciais do contrato democrático. Ambas são seriamente atingidas por essa evasão fiscal em grande escala.

É a legitimidade dos Estados que está em jogo.

Primeiro, a igualdade diante do imposto. Ela é definida pela Declaração dos Direitos do Homem de 1789, portanto integrada ao preâmbulo da Constituição: “Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração, uma contribuição comum é indispensável; ela deve serr igualmente repartida entre os cidadãos, de acordo com suas possibilidades”. Este princípio determina simultaneamente a função política do imposto – ele marca o pertencimento à comunidade – e sua função social, que faz dele um instrumento de realização do interesse geral e da solidariedade.

Se os mais ricos descartam essa obrigação, se eles não se sentem mais obrigados a contribuir para o financiamento do bem comum e dos serviços públicos, e se eles de alguma maneira entram num regime de secessão, a aceitação dos impostos por todos os outros ameaça entrar em perigo. Por que pagar impostos se as grandes fortunas podem se dispensar de paga-los? O risco é ainda maior porque o civismo fiscal já está fragilizado: só um pouco mais da metade dos franceses (57%, e 46% entre os que têm menos de 35) têm o sentimento de que cumprem um “ato cidadão”  quando pagam seus impostos, segundo pesquisa do Le Monde de 15  de outubro de 2013.

Quanto à igualdade diante da lei, outro princípio fundamental, ela é igualmente rompida, tanto no espírito quanto nos fatos. Somente os mais poderosos podem oferecer a eles mesmos, a preços altíssimos, os serviços dos profissionais da otimização fiscal, capazes de explorar todas as sutilezas da legislação para escapar da lei comum.

Padrinhos alguns de paraísos acolhedores, cegos outros por uma concorrência fiscal de curto prazo, e paralisados na União Europeia pela regra da unanimidade que se impõe nesse domínio, os Estados vêm atuando muito lentamente para combater esse veneno. Se, além da elementar justiça, o imposto não tem mais coerência e sentido, é a própria legitimidade dos Estados que, no final, está em jogo. A História deveria lembra-los que os povos não suportam eternamente os privilégios de casta.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Lemann – expropriador imoral

    Jorge Paulo Lemann, dono da ABV Inbev (Brahma, Antarctica, Budweiser etc.) é um dos maiores bilionários do mundo. Tem 20 offshores em paraísos fiscais para, entre outras finalidades, NÃO pagar imposto no Brasil.

    Lemann foi um dos patrocinadores do golpe de 2016 e está articulando com a quadrilha do Temer para se apossar da Eletrobrás.

     

  2. Eh imoral e deve ser ilegal

    Pois é, se moral não significa nada para essa gente, se o lucro é a unica coisa que interessa, então cabe aos paises criarem dificuldades a essas manobras. Offshore, que é uma forma de lavagem de dinheiro, tem que ser ilegal. Quando se decobrem essas contas em paraisos fiscais, seus proprietarios devem ser sancionados. Senão não serve a grande coisa falar em “paradise papers” se nada ocorre a não ser certa escandalização.

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