Prostituição, direito humano? Por Antonio Martins

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Antonio Martins

Anistia Internacional reacende a polêmica – e mostra por que se transformou numa organização cujo foco vai muito além dos direitos civis

Do Observatório da Imprensa

Que atitude deveriam adotar, diante do trabalho sexual, os que criticam o capitalismo e as relações patriarcais? O debate, contraditório e às vezes inflamado, voltará com força nos próximos dias. A Anistia Internacional (AI) abre em Dublin, neste fim-de-semana, o encontro bianual de seu Conselho. Há um vasto leque de temas em pauta. Mas os holofotes estarão no decisão a ser adotada, por cerca de 500 delegados, sobre uma proposta controversa. Ela propõe que a Anistia engaje-se na luta para descriminalizar a prostituição. Espera-se um resultado na terça-feira.

A emergência do tema reflete a profunda transformação por que passaram, nas últimas décadas, tanto Anistia Internacional quanto a própria noção de Direitos Humanos. Fundada em 1961, na Grã-Bretanha, a organização esteve focada, até os anos 1990, na luta pelos chamados direitos civis. Sua ação mais conhecida era a “adoção” de prisioneiros de consciência: a Anistia sugeria que pessoas, em todo o mundo, assumissem a responsabilidade de se informar sobre a situação de seres humanos privados de liberdade pelo “delito” de defender ideias “perigosas”. Entre as atitudes esperadas estava manter correspondência com os prisioneiros. A abordagem da AI era plural mas, num ambiente de Guerra Fria, a mídia ocidental encarregava-se de destacar a proteção oferecida às vítimas do sistema autoritário soviético.

O cenário alterou-se, nos últimos 25 anos, graças à própria popularidade alcançada pelas ações da AI. Aos poucos, os próprios aderentes anônimos às campanhas da organização passaram a sugerir que ela ampliasse seu leque de proteções. Se era legítimo proteger um intelectual romeno que lutava contra a censura, por que não seria igualmente necessário apoiar um garoto da periferia de La Paz acossado pela polícia? Ou uma babalorixá de Salvador perseguida pelo fundamentalismo evangélico?

A Anistia mergulhou no conceito ampliado de Direitos Humanos – também conhecido comoDESC, ou Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, consagrados pela ONU desde 1966, mas esquecidos no Ocidente, durante os anos da polarização EUA X URSS. A nova escolha fez da AI alvo de críticas. Mesmo liberais ilustres, como a revista Economist, prefeririam que ela se limitasse a temas menos desafiantes ao capital.

Uma rápida visita aos sites da Anistia Internacional (Mundo | Brasil) basta para perceber que a polêmica atual, sobre prostituição, não é surpreendente. Com 7 milhões de membros e vasta experiência e contatos em dezenas de países, a AI tornou-se um ator destacado da sociedade civil global. Implica-se em temas que vão da luta dos imigrantes que buscam refúgio nos EUA às campanhas contra a violência policial contra negros no Brasil.

Nesse contexto, a controvérsia sobre prostituição parece inevitável. Feministas clássicas têm publicado, na imprensa internacional, artigos contra a possível iniciativa da AI (1 2). Argumentam que legalizar a prostituição seria reconhecer a comercialização dos afetos. Porém, não é legítimo defender os direitos dos trabalhadores no sistema financeiro, na construção imobiliária, na indústria armamentista? E alguém argumentaria que vender um empréstimo bancário, a juros de 10% ao mês, é mais legítimo que fazer um programa sexual?

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. Se a profissional do sexo

    Se a profissional do sexo trabalhe s/ ser coagida por terceiros acho que é um direito dela.

    Estou aberto a reconsiderar caso alguem possa me explicar como seria possivel proibir alguem disso s/ que o estado chame para sí a função de dizer o que alguem  pode ou não fazer na sua privacidade quando isso não implica em prejuizos a sociedade e terceiros quando feito em comum acordo entre adultos e s/ a figura do ” atravessador “

  2. as feministas clássicas têm
    as feministas clássicas têm uma fé: o afeto não pode ser comercializado. mas as relações entre dois adultos capazes deve ser livre, seja relação afetiva ou comercial. tais relações não devem ser pautadas por nenhuma fé que seja, religiosa ou filosófica. feministas consideram que a mulher tem a soberania sobre seu corpo, e corretamente defendem o livre direito de decidir sobre o aborto. igualmente, mulheres devem ter o poder de decidir se consideram o comércio do afeto como algo que querem ou não fazer. não é por liberar o aborto que mulheres se tornam “assassinas de criancinhas”, como exortam fanáticos religiosos. igualmente não é por descriminalizar a prostituição que mulheres se tornarão “escravas sexuais”, como se escandalizam certas feministas. fica uma sensação de que, impossibilitadas de comercializar afeto por falta de interesse (ou talento) para o sexo descompromissado, querem excluir uma atividade não por se preocupar com as outras mulheres, mas por patrulhamento ideológico. parece muito com o controle do comportamento sexual feito pela religião.

  3. Tema muito interessante e controverso

    E desconfio que, se levada a cabo uma discussão profunda, chegaremos ao cerne da questão:  produção de bens de consumo x trabalho.

    E alguém argumentaria que vender um empréstimo bancário, a juros de 10% ao mês, é mais legítimo que fazer um programa sexual?

    Desta forma o autor reduz muito coisas bastante distintas. Somos tentados a estar em três posições desconfortáveis:

    1) Aceitar que tudo pode ser reduzido e equacionado num sistema de trocas. Posição que inevitavelmente esbarra em limites como a vida, a saúde, a amizade, etc

    2) Convencionar que a sexualidade humana é sagrada e assim devem ser proibidas todas as trocas que envolvem a disposição de favores sexuais. Essa posição precisa esclarecer e embasar o porquê de se sacralizar a sexualidade em detrimento, da temporalidade, do desgaste físico, etc.

     

    3) Aceitar a prostituição como um caso limítrofe  onde colidem  as duas posições anteriores e administra-lo com todas as contradições e conflitos que daí advenham. O problema maior aqui, imagino, é que as pessoas vivem num eterno dualismo, numa ambivalência eterna.

     

  4. É. Sim. Porém, contudo, no entanto…

    Debatedores,

    o artigo tratou de muitos temas ao mesmo tempo. Daí, na minha opinião, perdeu o foco. Afastou-se do próprio título ou da tese central: prostituição versus direito humano. Ou: prostituição e direito humano.

    Mas, vamos lá. Vou tentar comentar a tese central. Vejamos.

    Não é possível descriminalizar a prostituição no Brasil, pois ela não é crime.

    Noutras palavras, e de forma muito simples, não há um artigo no nosso código penal ( ou mesmo em lei extravagante, fora dele) que tipifique como crime a prostituição no Brasil. Bom, pelo menos, sempre foi assim. Creio que ainda não mudou.

    Portanto, se um ser humano( mulher, homem, gay, travesti, sapatão, boiola, bicha, pederasta, enfim, dê o nome que quiser dar)resolver se prostituir, nada poderá impedí-lo. Melhor dizendo, nem se trata de impedir ou não. Nada poderá ser feito no âmbito judicial.  Afinal, todos nós somos livres para fazermos o que bem entendermos desde que nossa conduta não seja contrária à lei.

    Evidentemente, isso não se confunde com atos obscenos. Este já é crime. Tampouco,  com o Favorecimento à prostituição de seres humanos. Aí tem problema. Casa de prostituição, por exemplo. Exploração comercial do sexo pelo “livre mercado”. 

    Também não se confunde com a decisão de uma criança em se prostituir, pois, obviametne, ela é criança e não pode tomar essa decisão.

    Etc.

    O autor citou os direitos civis( faltou o político)  e em seguida os direitos econômicos, sociais, econômicos e culturais. 

    Xiii, isso dá pano pra manga.

    Assunto deveras extenso. 

    Dá pra defender infinitas teses baseando-se nisso daí, razão pela qual, acheir precipitado citá-los assim, soltos, sem contextos, ou com pitadas de contextos. Ex: 1966 e a ONU. Vale dizer que aqui também em 1966 tratou-se dos direitos humanos de primeira dimensão Civis e políticos. 

    Mas como dito a história é longa e vai chegar lá no código de hamurabi ou antes dele. 

    Para não me delongar, deixo para outra ocasião.

    Portanto, quanto à prostituição, no problem. Seja você – de qualquer tribo sexual, o que deseja ser “entre 4 paredes”.

    Aliás, suspeito que muitos até acham muito bom uma certa conduta “prostituta(o) com seu(sua) parceiro(a) nessas horas, lá na clausura do lar, entre 4 paredes hã? Fala que não? Me engana que eu gosta, vai….

    Saudações 

     

     

    1. Simplificando….sem a intenção de reduzir…

      Oportuno e bem elaborado comentário. 

      Penso que talvez seja necessário simplificar um pouco, mesmo sabendo que pode prejudicar o debate.

      Concordo que o texto perdeu o foco. Vou me ater à matéria. 

      Não creio que o tema deva ser colocado como defesa ou rejeição à prostiuição. E sim como permitir acesso aos profissionais do sexo à legislação que protege os outros trabalhadores.

      Desde modo, com a garantia legal, poderia diminuir os abusos que as profissionais do sexo sofrem. Além disto garantir os outros direitos que os demais trabalhadores têm.

      Resolvi escrever como resposta a comentário por considerarr o comentário principal muito relevante.

       

      1. Caro debatedor Pcostas,
        Não

        Caro debatedor Pcostas,

        Não apenas compreendo-lhe, como acredito que já há corrente doutrinária e/ou jurisprudencial nesse sentido de garantir direitos para ” profissionais do sexo”.

        porem, notemos bem.

        penso que este   profissiobal do sexo deveria ser considerado , digamos, um  autônomo.  Melhor dizendo um contribuinte individual que paga INSS e , a partir daí,  tem benefícios previdenciários. Direitos sociais, portanto. ( econômicos, culturais, sociais). Direitos fundamentais de segunda dimensão.

        Lado outro, penso não  poderia existir subordinação jurídica como um contrato de emprego ou contrato de trabalho. Não haveria exploração econômica de um capital em busca de mais valia, pois aí, creio , haveria enquadramento no tipo penal. Ex: exploração sexual de outrem visando lucro.

        mas, como contribuinte individual, creio, poderia, inclusive, aposentar-se por idade, invalidez, doença profissional, acidente de trabalho etc.

        ocorre que admitir isso em nossa tradição católica parece- me bem pouco provável.

        saudacoes

         

         

         

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