Russas (um tema que afeta a diplomacia do Brasil)

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/matiasspektor/2013/08/1329526-russas.shtml

A Rússia acaba de criminalizar a homossexualidade. Com isso, seus diplomatas trabalham para legitimar as chamadas leis antigay em foros internacionais.

O tema afeta o Brasil, onde está em pauta um projeto de lei que pretende fazer o oposto, criminalizando a homofobia.

O embate pela futura legislação brasileira não é trivial. Em 2012, notificaram-se 10 mil casos de homofobia no país, um terço dos quais envolveu lesão corporal, maus-tratos ou tentativa de homicídio.

Como essa questão divide a sociedade, as políticas públicas são contraditórias. Enquanto o STF e os seguros de saúde reconhecem a união civil entre pessoas do mesmo sexo, os ministros da Educação e da Saúde suspendem campanhas de conscientização.

Com uma mão, o Planalto recebe as demandas dos movimentos sociais; com a outra, pactua no Parlamento com quem faz da homofobia uma bandeira.

Ciente de que esse é um campo minado, a política externa brasileira tem inserido a orientação sexual e a identidade de gênero nos foros multilaterais.

Nesse quesito, o talho do Itamaraty é progressista. Nos últimos meses, houve vitórias significativas na ONU e na OEA.

Mas a batalha é árdua. Países do norte queixam-se de que Brasília não reforma as suas próprias leis, além de ser leniente com africanos e também com asiáticos.

Países árabes, por sua vez, resistem às pressões brasileiras e já chegaram a condicionar a realização de cúpulas com a América do Sul à retirada, nas Nações Unidas, de propostas do Brasil.

Por isso, as notícias vindas da Rússia não ajudam. Ao acirrar a divisão entre os países, elas dificultam o trabalho da diplomacia brasileira, cujo êxito depende da possibilidade de estabelecer pontes entre gregos e troianos.

Para piorar as coisas, a legislação russa esvazia ainda mais o argumento brasileiro segundo o qual os Brics seriam uma força renovadora nas relações internacionais.
O que fazer?

Algumas vozes no estrangeiro sugerem um boicote à Olimpíada de Inverno de fevereiro próximo, que será sediada pela Rússia.

Fazê-lo, contudo, seria contraproducente. O governo russo empunharia a bandeira nacionalista, ganhando boa dose de apoio popular.

Melhor é o Brasil participar com sua mensagem contundente.

Afinal, a homofobia brasileira tem raízes profundas. Na televisão, bicha é malvada ou espalhafatosa. No Congresso, Feliciano preside. No futebol, torcedor promete “fazer a vida impossível” do jogador que lascou um selinho em outro homem.

E, no entanto, o Brasil não é a Rússia. Pode ser conservador, mas não criminalizará gente que ama gente do mesmo sexo. Porque a tese, aqui, não sobrevive nas tribunas, nos tribunais ou nas urnas.

“Não aceitamos que o homossexualismo seja tratado como doença. E muito menos como assunto de polícia”, disse Lula na convenção petista de 1981.

Imagine se Dilma quebrasse o silêncio que tem mantido sobre a homofobia repetindo essas palavras no inverno russo que se aproxima.

Matias Spektor

Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de “Kissinger e o Brasil”. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King’s College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas, em “Mundo”.

(PS. Um mês depois…)

http://noticias.orm.com.br/noticia.asp?id=675296&%7Ctexto+russo+na+onu+n%C3%A3o+tem+refer%C3%AAncias+aos+direitos+dos+gays#.UvPru_ldVgg

Texto russo na ONU não tem referências aos direitos dos gays

Copatrocinador do documento, Brasil foi duramente criticado por ativistas por não tentar impor seus valores

A Rússia veta uma referência aos direitos dos gays em uma resolução na ONU que tem como objetivo promover os direitos humanos nos Jogos Olímpicos e volta a causar polêmica no mundo diplomático e dos esportes. O texto acabou sendo aprovado na última quinta-feira com uma outra linguagem, mas causou mal-estar entre delegações. O Brasil foi um dos co-patrocinadores do texto russo e foi criticado por ativistas por se associar ao projeto do Kremlin sem tentar impor seus valores.
 

A resolução foi apresentada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, defendendo que os grandes eventos esportivos fossem plataformas para a promoção dos direitos humanos. O problema é que Moscou, que organiza em fevereiro os Jogos de Inverno, em Sochi, vem sendo atacado por adotar leis antigay. Atletas americanos chegaram a levantar a possibilidade de promover um boicote, enquanto o COI e mesmo entidades como a Fifa vem insistindo com o presidente Vladimir Putin que a lei deve ser derrubada. Entre vários pontos, a lei permite a prisão de quem promover o homossexualismo.

 
No texto original enviado à ONU, nenhuma referência a direitos dos gays. “Gostaríamos de ver uma linguagem dura, combatente à discriminação, em todos os sentidos”, disse André du Plessis, representante da ILGA, uma ONG que defende direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.
Isinbayeva fez declarações favoráveis às políticas russas
 
A esperança de ONGs e mesmo de governos europeus era de que o Brasil, por ter sido um dos apoiadores do projeto russo, usaria sua influência para colocar no texto o fato de que ninguém deveria ser discriminado por sua orientação sexual. Mas o Itamaraty não agiu.
 
Coube à Noruega propor que o texto falasse claramente sobre o direito dos gays. Mas os russos foram buscar apoio nos países islâmicos, que prometeram apoio à resolução contanto que não fizesse referências à orientação sexual.  No texto final, a única menção incluída foi a promessa de que a “discriminação” seria combatida, em “todas suas formas”. Momentos antes da aprovação, a embaixadora dos EUA, Eileen Donahoe, alertou que a Casa Branca votaria a favor, mas com o entendimento de que a referência a “todas as formas de discriminação” incluiria o respeito aos gays.
 
Já o governo brasileiro permaneceu em silêncio na sala. Ao ser questionado pelo Estado sobre a posição de Brasília, um dos diplomatas disse. “Não sei como ficou o texto”, disse. A Federação Internacional de Direitos Humanos declarou que “os russos ganharam de novo e o Brasil se dobrou a eles.” 

 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador