Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
[email protected]

A biodiversidade, a cura da AIDS e as tendências da agricultura biológica, por Rui Daher

na CartaCapital

A biodiversidade, a cura da AIDS e as tendências da agricultura biológica

por Rui Daher

Enquanto o Brasil de Temer dá pouca importância à diversidade biológica, potências econômicas entendem muito bem o valor dela no Brasil

Já comentei na coluna os riscos que corre a agropecuária brasileira com as restrições de investimentos e corte de verbas que o atual governo impõe às instituições de pesquisas, aí incluída a inação do hoje estendido Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, chefiado por um não entendido e estendido nessas matérias, Gilberto Kassab.

Some-se a isso o abrandamento na legislação dos agrotóxicos e nas punições para quem agride a preservação ambiental.

Já cansei de escrever aqui sobre o valor de nossos biomas e a biodiversidade que contêm. Pouco adianta. Sobre a Amazônia, por exemplo, ouço: “equivale a ter dinheiro no cofre, enterrá-lo, mas somente poder abri-lo daqui a cinco gerações (…) hoje não serve para nada e nem saberemos se viria a servir”.

Nada a estranhar. A seleção que nos representa no campeonato de estágio civilizatório está escalada: Moro, Joesley, Temer, Padilha e Wesley; Jucá, Gilmar e Moreira; Marinho (o mais gordo), Maia e Janot.

De que serviria, então, ler, informar-se, discutir, enfim, entender melhor e sair às ruas clamando por ciência e tecnologia?

Curioso essa forma de pensar ser frequente em minhas andanças rurais, justamente quem melhor deveria perceber a natureza e os danos cada vez maiores que vêm na contramão de nossas agressões.

Desenhar biodiversidade? Posso, mas apenas uma vez. Cansa. Poder-se-ia preencher cadernos a não caber na “bagagem” de Geddel.

A proteína Pulchellina e seu uso, por exemplo, eu passei a conhecer depois de ouvir no Jornal da USP (05/09), entrevista com o professor Francisco Eduardo Guimarães, do Instituto de Física de São Carlos (IFSc), explicando os avanços obtidos no uso dessa proteína no combate a células infectadas pelo HIV.

Ela é encontrada na planta trepadeira Abrus pulchellus, nativa do Brasil. Apesar de tóxica, não é danosa à saúde se utilizada em pouca quantidade. Conectada a um anticorpo tem a capacidade de identificar células infectadas pelo vírus da Aids, destruindo apenas as células doentes, sem afetar as saudáveis. Será a cura da doença.

Pois bem, isso é biodiversidade.

Os EUA, países europeus e logo os chineses, entendem muito bem o valor dela no Brasil, especialmente na Amazônia. O trabalho do IFSc é acompanhado por universidades norte-americanas e o setor farmacêutico gringo dá pulos de alegria. Será superávit em seu caixa.

Isso foi saúde. Vamos à agricultura.

A revista norte-americana Food & Beverage encomendou à empresa indiana de pesquisas de mercado MarketsAndMarkets™ um importante e metódico estudo sobre as principais tendências da indústria na agricultura biológica, com previsão até 2022.

A partir de um release de 35 páginas, resumo o tema para os poucos leitores da coluna quando ela não trata de política:

“A agricultura biológica compreende um grupo de produtos derivados de fontes naturais como microrganismos, extratos de plantas, ou outras matérias biológicas, que podem ser usadas para substituir agroquímicos agrícolas. Eles fornecem às plantas proteção contra pragas e doenças, e outras ameaças como ervas daninhas. Ajudam no crescimento e na sanidade das plantas”.

Pena que no Brasil se continue dando pouca importância a esses manejos e tratamentos. Continuo traduzindo:

“Produtos agrícolas biológicos são fabricados a partir de micróbios, bactérias, fungos e outros microrganismos, como vírus e protozoários. Quando adicionados ao solo e às plantas, melhoram a absorção de nutrientes como nitrogênio e fosfato, aumentando a produtividade e a proteção das lavouras”.

O estudo abrange as principais categorias de produtos com tais propriedades e comercialmente disponíveis no Brasil: bioinseticidas, bioestimulantes, biofertilizantes, inoculantes agrícolas, microrganismos, tratamentos biológicos de sementes.

Para cada um desses segmentos é dimensionado o tamanho do mercado nos Estados Unidos, Europa, Ásia-Pacífico e América Latina, assim como as tendências de crescimento nas aplicações, os catalizadores e obstáculos no mercado, cenários de competitividade, estratégias corporativas, principais players.

Os produtos para a agricultura biológica estão projetados atingir 11,35 bilhões de dólares, em 2022, crescimento de cerca de 13% ao ano, facilitado pela demanda crescente por alimentos orgânicos, necessidade de melhor gerenciar os resíduos, maior crescimento no uso de produtos e tratamentos mais baratos, e a disposição de organizações governamentais investirem mais nessas tecnologias.

O estudo completo tem cerca de 200 páginas e pode ser obtido no site da empresa indiana: www.marketsandmarkets.com

É carinho, mas nada que um crowdfunding rural não possa contornar.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Rui,
     
    Gosto do seu ponto de

    Rui,

     

    Gosto do seu ponto de vista. É bem caro esse relatório para podermos ver a visão deles.

    Eu acompanho bastante da produção academica internacional, há grande destaque dos produtos biológicos como os protozoarios para melhorar a fertiilidade do solo, porém as nossas condições edafoclimáticas são bem diferentes de onde esses estudos são realizados.

    Assim como organismos para melhorar a fertilidade do solo, outros organismos para controle de pragas e doenças devem seguir a mesma lógica.

    Hoje as universidades e institutos de pesquisas estão decadente, com falta de renovação de pessoal e de incentivo financeiro para a pesquisa, pois precisamos identificar os potenciais usos dessas tecnologias em nossas condições e até mesmo criar alternativas nacionais. 

    Tenho curiosidade para saber o que você vê das pesquisas desenvolvidas no Brasil buscando o desenvolvimento de produtos nacionais.

     

    1. LP,

      Tenho certeza de que respondi para você no mesmo dia dos demais comentaristas. Aliás, duas vezes, porque a primeira saiu lá em cima. Não sei o motivo de não estar aqui.

      Lembro que falei das centenas de produtos pesquisados, desenvolvidos e, muitos, já em uso comercial e adaptados às nossas condições edafoclimáticas. A própria Embrapa tem trabalhos a respeito, além de universidades e algumas empresas.

      Abraços 

  2. a….

    Caro sr. Rui, e nós fizemos o que? O nós fazemos o que? A culpa eterna será de quem:Trump? Colonialismo? Capitalismo? Ou da nossa insistência na ignorância e na mediocridade? Como escreveu Marcelo S. Souza, na sua matéria anterior: #Agroecologia2017. Como eu escrevi: Pfizer, Monsanto, Bungle, Basf, Bayer…, interesses, industrialização e salários estrangeiros agradecem e nadam de braçada. Centenas de matérias suas aqui, CartaCapital ou outros veículos. A resposta institucionalizada de um país que insiste em se fincar no séc. 19: “Somos contra o Agronegócio”. Pergunta aos gênios tupiniquins ideologizados ou não: “E toda esta matéria escrita e todas as cifras mostradas dizem respeito a que, senão ao Agronegócio? Indústria Automobilística?”  abs.   

  3. Excelente texto, para que possamos refletir!

    A chamada de atenção de Rui, neste texto, revela que há muitos horizontes na ciência, máxime no universo biológio da Amazônia, que, logo, logo,não mais será solo brasileiro. 

    Em nosso País, que cuja soberania está com os dias contados, na entrega a jato de nossas riquezas, é importante mostrar a importância de nossa biodiversidade, que deve ser protegida. E a maior delas está em solo amazônico.

    Parabéns pelo seu artigo.  Tenhoa certeza que muitos irão refletir bastante sobre o tema central colocado.

    1. Caro Edward,

      este é um assunto que deveria ser didaticamente explorado pela mídia. São patrimônios do povo brasileiro sendo explorados ou entregues. Pensa-se que é apenas o futuro que está sendo comprometido. Não é. Também o presente, como o passado o foi de forma intensa, desde o extrativismo da época colonial. Quando o incerto Delfim Netto escreve que estamos voltando a ser Colônia, referindo-se à exportação de bens primários e ao massacre da indústria, esquece-se de citar como são tratados nossos biomas, talvez por que não queira contrariar os interesses de seus amigos. Abraços. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador