A IBM e seu professor aloprado

Da Info

O Einstein da IBM

Juliano Barreto

 

São Paulo – O senhor da foto que abre esta reportagem é o estereótipo do cientista maluco. Os poucos cabelos que lhe restam estão brancos e eriçados. A barba é mantida comprida e os olhos são levemente arregalados. Para completar o look, um óculos de grau é estrategicamente colocado na ponta do nariz. Mas não pense que John Maxwell Cohn, cientista-chefe de design e automação de chips da IBM, se incomoda quando alguém lhe chama de professor aloprado ou dr. Brown, o inventor da máquina do tempo da trilogia De Volta Para o Futuro. Ao contrário. O americano de 52 anos adora o contraste entre sua sólida biografia de pesquisador e uma longa lista de experimentos inusitados.

Cohn disputou o reality show A Colônia, do Discovery Channel, no qual os participantes tinham de inventar objetos e ferramentas com materiais escassos para sobreviver em um mundo pós-apocalíptico. Ele criou um veículo elétrico e um lançador de chamas. Nas horas vagas, o cientista usa placas programáveis do tipo Arduino para criar máquinas tão estranhas quanto um monstro de 5 metros de altura, com rosto de abóbora de Halloween, que divertiu (e, é preciso dizer, aterrorizou) as crianças da vizinhança onde mora com a mulher, no estado de Vermont, nos Estados Unidos.

Nos últimos tempos, o cientista maluco da IBM tem se dedicado a um dos projetos mais desafiadores da sua vida: a criação de um processador que simula o funcionamento do cérebro humano. “A computação cognitiva propõe o uso de redes neurais com bilhões de processadores extremamente simples, capazes de imitar o cérebro em tarefas que podem ser feitas melhor por meio do aprendizado do que do cálculo”, disse Cohn a INFO. 

Batizado de SyNAPSE (sigla em inglês que forma a palavra sinapse, região de comunicação entre os neurônios), o projeto conta com a participação de universidades conceituadas e consumiu 21 milhões de dólares investidos pela agência de pesquisa para projetos de defesa dos Estados Unidos, a Darpa. Entre os integrantes da equipe do projeto, o sentimento é o de reinventar a roda. Maluquice? Nem tanto. Em agosto, foram apresentados os dois primeiros chips com o conceito de computação cognitiva criados nos laboratórios do SyNAPSE. 

“O modelo aritmético dos computadores que usamos hoje é o mesmo desde os anos 1940”, afirma Cohn. O cientista defende que a nova tecnologia precisará abandonar esses pilares do modelo digital, com decisões binárias e uma arquitetura de hardware criada em 1945 pelo pesquisador John von Neumann.

No modelo de computação baseado nas teorias de Neumann, o processador e a memória ficam separados e interagem por meio de um barramento, dispositivo que funciona como uma espécie de cano. Não raro, esse mecanismo entope pelo excesso de dados ou sofre interrupções por causa da temperatura do hardware ou por limitação de velocidade. O cérebro humano, por sua vez, tem seus bilhões de dispositivos de processamento, os neurônios, juntos das trilhões de sinapses, responsáveis pelo aprendizado e memorização. Assim, a troca de informações é feita em todas as direções, com velocidades variadas e a possibilidade de poupar áreas que não estão sendo usadas. “Computadores são bons com números e com a execução de ordens, como o lado esquerdo do cérebro, mas péssimos em tarefas de reconhecimento de face ou de objetos, como faz o lado direito do cérebro”, diz o cientista. 

Fazer com que os processadores dos computadores imitem o funcionamento do cérebro pode revolucionar o modo como as máquinas interpretam e reagem ao feedback analógico de sensores. A computação cognitiva pode ser usada em aplicações como carros que dispensam os motoristas, por exemplo. 

O cérebro digital seria capaz de usar melhor sua capacidade de processamento, lidando com várias tarefas simultâneas e usando menos poder de fogo. Isso faria despencar o consumo de energia e o espaço para armazenamento. No lugar de núcleos com gigahertz e muita sede por energia, como os vistos nos chips de hoje, haveria um conjunto com milhões de processadores primitivos de baixíssimo consumo.

Além disso, as máquinas seriam capazes de aprender com cada situação e lembrar-se da solução dada para cada problema. “Trabalhos que envolvem o reconhecimento de rostos, a detecção de alimentos estragados e a previsão de tragédias meteorológicas são exemplos de uso possível das máquinas pensantes”, afirma Cohn.

Tico e teco 

O futuro dos computadores capazes de raciocinar parece brilhante, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Na demonstração do novo chip da IBM, há dois meses, os dois protótipos só conseguiam realizar tarefas bem simples. Um deles jogava o jurássico Pong, o primeiro videogame da história, contra os cientistas. O outro reconhecia o número sete escrito à mão por voluntários em uma tela sensível ao toque. Mas o conceito vem evoluindo. 

“Em 2009, por meio de supercomputadores, simulamos o córtex de um gato, depois conseguimos um modelo funcional que tem o tamanho equivalente ao cérebro inteiro de um camundongo”, disse Cohn. “A meta é, no futuro, ter uma máquina que simule o córtex humano.”

O desafio do SyNAPSE é transpor uma barreira tecnológica. Os chips de silício são feitos sob medida para simular alguns milhares de neurônios, enquanto transistores de 45 nanômetros fazem o papel de sinapses. É pouco. O cérebro humano tem algo em torno de 85 bilhões de neurônios e trilhões de sinapses. 

Crítico do projeto da IBM, Richard Walker, pesquisador do Human Brain Project, da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, diz que faltam peças para o entendimento completo dos mecanismos do cérebro. “O que estão fazendo é como desmontar um carro e tentar descobrir como cada peça funciona, para depois montar outro modelo parecido”, afirma Walker. 

John Cohn diz que em cinco anos veremos os primeiros usos comerciais dessa tecnologia. Ainda é cedo para dizer que o projeto criará máquinas pensantes, mas as pesquisas em computação cognitiva são de grande importância para conhecer melhor o funcionamento do cérebro. No futuro, além de aprender, as máquinas serão capazes de ensinar. E, se tudo der certo, o currículo de Cohn vai ganhar mais uma invenção maluca.

Luis Nassif

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