A renúncia em protesto do antropólogo Marshall Sahlins

 

A renúncia em protesto

No site “Inside Higher Ed”, 25 de fevereiro de 2013 – 03h00,

por Serena Golden

 

O eminente antropólogo da Universidade de Chicago Marshall Sahlins renunciou à sua cadeira na Academia Nacional de Ciências (NAS) dos Estados Unidos na sexta-feira, alegando sua objeção às parcerias militares e à eleição de Napoleon Chagnon como membro, um antropólogo envolvido em uma longa polêmica e que agora está de volta, por conta da publicação das resenhas de seu novo livro, Noble Savages.

O pertencimento à NAS é considerado algo de grande prestígio, e renúncias públicas são raras. Em um e-mail para alguns de seus colegas, retransmitido ao site Inside Higher Ed, Sahlins escreveu: “Eu apresentei a minha renúncia à Academia Nacional de Ciências (EUA) por causa das minhas objeções à eleição de Chagnon… e por causa dos projetos de investigação militar na Academia”.

Sahlins confirmou por e-mail para Inside Higher Ed sua demissão e as razões por trás dela.

“Pela evidência de seus próprios escritos, bem como o testemunho de outros, incluindo os povos da Amazônia e acadêmicos profissionais da região, Chagnon produziu sérios danos às comunidades indígenas entre as quais ele pesquisou”, disse Sahlins. A título de exemplo, citou sua própria resenha, de 2000, para o Washington Post, do livro Trevas no Eldorado, fonte para muitas das acusações contra Chagnon, que ainda estão sob acalorado debate dos antropólogos.

“Ao mesmo tempo”, Sahlins acrescentou, “as afirmações ‘científicas’ [de Chagnon] sobre a evolução humana e a seleção genética para a violência masculina (…) provaram ser rasas e sem fundamentação, conspirando para o descrédito da disciplina antropológica. Na melhor das hipóteses, a sua eleição para a NAS foi um grande equívoco moral e intelectual por parte dos membros da Academia”.

Sahlins fez notar ainda sua objeção a várias colaborações recentemente anunciadas entre a NAS e os militares dos EUA. Um dos projetos envolve “medir as capacidades humanas” e “a combinação das capacidades individuais, para criar uma capacidade coletiva de realização”. Outra ainda se dedicaria a estudar “os fatores sociais e organizacionais que expressam as influências externas sobre o comportamento dos indivíduos que operam no contexto de ambientes militares”. Ambos têm o objetivo declarado de utilização da pesquisa em ciências sociais “para assessorar as práticas e políticas de pessoal das Forças Armadas norteamericanas”.

Por causa do “pedágio militar que se paga em sangue, riqueza e felicidade do povo americano, bem como em sofrimento imposto a outros povos”, Sahlins afirma que “se a NAS se envolver decididamente ela mesma em pesquisas relacionadas a isso, deve então dedicar-se ao estudo de como promover a paz, e não como fazer a guerra”.

A renúncia de Sahlins lança luz sobre dois debates sérios e permanentes dentro da antropologia: um, a relação adequada — se houver — entre os antropólogos e os militares (Sahlins já havia manifestado a sua oposição a qualquer envolvimento desse tipo); dois, o papel das chamadas ciências duras dentro da disciplina.

As pesquisas de Sahlins “têm-se centrado no impacto da cultura sobre o comportamento humano, enquanto Chagnon tende a procurar suas bases biológicas. Nos últimos anos, os antropólogos que se reivindicam cientistas andaram reclamando que estariam sendo marginalizados por, como disse alguém, “os cabeças-ocas da antropologia cultural que pensam que a ciência é apenas uma forma mais de conhecimento”.

Instado a oferecer o sua opinião sobre a decisão de Sahlins, Chagnon escreveu em um e-mail: “estou surpreso que Sahlins tenha renunciado à NAS para protestar contra a minha eleição no ano passado. Uma interpretação possível é a de que ele está descontente com o crescente retorno ao princípio acadêmico de que os cientistas devem dizer a verdade em suas publicações….”

Chagnon continuou: “Sahlins foi eleito para a NAS em 1991, mas ele já tinha publicado seu [livro] Use and Abuse of Biology em 1976, o que deveria ter deixado claro para os membros da NAS o quanto anticientífico Sahlins havia sido”.

Quando contactado por e-mail para comentar a renúncia de Sahlins, Raymond Hames, professor de antropologia da Universidade de Nebraska, em Lincoln, e um defensor Chagnon, também mencionou o Use and Abuse of Biology, dizendo que, em sua opinião, o livro “claramente demonstrou que [Sahlins] tinha um conhecimento de escola primária da biologia evolutiva”.

“Eu não estou surpreso de que ele tenha se demitido”, acrescentou Hames.

“Os defensores de Chagnon operam quase que inteiramente por diversionismo”, rebateu David Graeber, profesor de antropologia social no Goldsmiths [College], da Universidade de London. “Eles nunca se envolvem seriamente com a objeção fundamental ao que Chagnon fez, qual seja, a difamação de um grupo de seres humanos [os índios Yanomami], de modo que uma violência desmedida pudesse ser desencadeada contra eles”.

“Marshall Sahlins é um genuíno homem de princípios”, continuou Graeber. “Ele nunca teve muita paciência com ‘machos’ americanos sem camisa descendo as selvas, declarando que seus habitantes eram selvagens violentos, e usando isso depois como uma desculpa para começar a se comportar, eles próprios, como selvagens violentos — a não ser no comando de recursos tecnológicos infinitamente maiores”.

(Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel)

Redação

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