EUA estariam gravando conversas sem autorização da Justiça

Por nilson crente

Do G1

EUA estariam gravando telefonemas e obtendo e-mails sem ordem judicial

ter, 14/05/13
por Altieres Rohr

Se você tem alguma dúvida sobre segurança da informação (antivírus, invasões, cibercrime, roubo de dados, etc), vá até o fim da reportagem e utilize a seção de comentários. A coluna responde perguntas deixadas por leitores todas as quintas-feiras.

Uma entrevista recente conduzida pela CNN com Tim Clemente, ex-agente de contraterrorismo do FBI, buscava descobrir se o governo poderia obter registros das conversas de Tamerlan Tsarnaev, morto em um confronto com a polícia e suspeito de ser um dos responsáveis pelo atentado em Boston. As conversas teriam de estar previamente registradas, já que o governo não poderia solicitar na Justiça o início das gravações das conversas. A resposta do ex-agente do FBI é que essa informação existe e pode ser conseguida pelas autoridades.

A informação contraria a expectativa existente na maioria dos países democráticos: que conversas telefônicas só ficam registradas quando já existe uma autorização da Justiça para fundamentar o registro. Se uma conversa passada de alguém que não era investigado pode ser obtida, isso significaria que qualquer conversa telefônica realizada nos Estados Unidos estaria sendo gravada.

De acordo com Clemente, o próprio FBI não iria admitir essa possibilidade. “Não é algo que o FBI apresentaria ao tribunal, mas pode ajudar na investigação ou na obtenção do depoimento [da esposa de Tsarnaev]“, explicou. Erin Burnett, repórter da CNN responsável pela entrevista, parecia surpresa. “Isso é incrível”, disse ela. Clemente respondeu: “bem-vinda à América. Todas essas coisas estão sendo capturadas enquanto conversamos, mesmo que a gente não saiba ou goste disso”.

A declaração do ex-agente não foi aceita facilmente por especialistas. Para o especialista em segurança Bruce Schneier, é improvável que todas as chamadas telefônicas sejam armazenadas – simplesmente não há capacidade de processamento e armazenamento para isso, pelo menos não antes de Agência Segurança Nacional (NSA) terminar a construção de um novo centro de dados, já em andamento.

Segundo um comentarista anônimo que diz conhecer o ex-agente do FBI e que comentou a afirmação de Schneier, o mais provável que as ligações sejam processadas por um software que converte a fala em texto, o que reduziria a quantidade de informação que precisa ser armazenada.

Clemente não é o primeiro a indicar a existência de um esquema gigante de monitoramento e vigilância. Em outubro de 2001, William Binney, um agente da NSA pediu demissão em protesto às práticas de coletas de dados da agência. Em 2002, ele pediu que o Departamento de Defensa investigasse a NSA. “É melhor do que qualquer coisa que a KGB, a Stasi, a Gestapo ou a SS tiveram. Só estamos esperando virar a chave”, afirmou ele em uma entrevista à revista “The Nation” publicada no final de março.

Em 2007, Mark Klein, um engenheiro da AT&T, revelou que a operadora de telecomunicação permitiu que a NSA tivesse acesso direto às comunicações que trafegavam pela sua rede. Junto da AT&T estariam pelo menos mais uma dúzia de provedores, globais e regionais. As declarações de Klein geraram um escândalo que rendeu diversos processos judiciais contra as operadoras. Em 2008, o Congresso norte-americano concedeu imunidade retroativa às empresas de telecomunicação. Senador na ocasião, Barack Obama votou a favor da imunidade, depois de se declarar, durante meses, contrário à medida.

Serviços de internet
O monitoramento ao qual as comunicações norte-americanas estão submetidas é relevante para qualquer usuário de internet. Isso porque muitos dos serviços da rede, incluindo redes sociais como Twitter e Facebook, bem como provedores de e-mail, tem seus centros de dados localizados nos Estados Unidos e conectados à internet por provedores norte-americanos.

Isso significa que comunicações de diversas pessoas no mundo todo estariam abertas para o governo norte-americano.

Em janeiro, o Google deixou claro sua posição, afirmando que a polícia precisa de uma autorização da Justiça para obter acesso irrestrito à conta de Gmail de alguém. As informações cadastrais de uma conta, porém, ainda são liberadas sem necessidade de autorização. E o FBI ainda é capaz de produzir uma “Carta de Segurança Nacional”, que obriga uma empresa a fornecer qualquer informação sem que a Justiça seja envolvida. Essas cartas também são secretas: quem as recebe não pode publicar o que foi solicitado.

O Departamento da Justiça, porém, ainda acha pouco. Uma ONG que defende os direitos constitucionais dos norte-americanos conseguiu obter na Justiça um “manual de investigação” do FBI. Segundo o documento, informações como chats do Facebook, e-mails e mensagens particulares do Twitter poderiam ser obtidos pela polícia sem qualquer intervenção da Justiça.

Já o Internal Revenue Service (IRS), que funciona como “Receita Federal” dos Estados Unidos, recentemente reeditou uma norma de investigação, impedindo o órgão de obter qualquer correspondência eletrônica sem uma ordem judicial. A diferença de posturas indicaria uma possível falta de clareza na legislação sobre o que pode e o que não pode.

Lei do Patriota
A expansão dos poderes das autoridades norte-americanas começou em 2001, após os ataques terroristas de 11 de setembro. O Congresso norte-americano aprovou a “lei do patriota”, que trazia mais capacidades investigativas para a polícia. Entre as novidades estava o aumento de situações em que o FBI poderia emitir as “cartas de segurança nacional”.

O Google, que publica um relatório de transparência, indicando o número exato de solicitações de dados e pedidos de remoção de conteúdo que recebe de cada país, publicou pela primeira vez este ano informações sobre as cartas de segurança que recebe. Em um acordo com o Departamento de Justiça, a empresa foi autorizada apenas a divulgar um número “aproximado”. Na tabela do relatório (clique aqui para ver), tudo o que se sabe é até 999 cartas foram recebidas por ano desde 2009.

O número se junta a outras 8.438 solicitações de dados feitas pelos Estados Unidos entre julho e dezembro de 2012 (no Brasil, foram 1,211 no mesmo período). Além de ser o país número 1 em solicitações de dados, os Estados Unidos também são os mais acertam em seus pedidos: em 88% dos casos, alguma informação é produzida (no caso do Brasil, foram 66%).

Os poderes do governo não estão restritos às comunicações. Para a ACLU, grupo defensor os direitos constitucionais dos norte-americanos, a lei orçamentária das forças armadas para 2012 dá ao governo a capacidade de deter qualquer pessoa que tenha ligação com terrorismo, mesmo que seja um cidadão dos Estados Unidos, dispensando a necessidade de se obter um mandado de prisão. Uma emenda foi proposta junto ao orçamento de 2013 para retirar esse poder. A lei, aprovada no final de 2012, teve a emenda removida e substituída por outro texto que, para os ativistas, foi insignificante. “É completamente inútil”, afirmou Chris Anders, da ACLU, ao site “Politico”. A emenda proposta apenas garante o direito ao habeas corpus.

Para o entendimento dos ativistas, o governo, além de ser capaz de monitorar qualquer comunicação, também é capaz de prender qualquer pessoa que tenha qualquer associação com grupos terroristas. Para Christopher Hedges, ex-repórter do New York Times, isso incluiria jornalistas que precisam entrar em contato com pessoas ligadas ao terrorismo para obter informações.

Luis Nassif

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