Alemanha e o movimento anti-internet

Pesquisador vê Alemanha como possível berço de movimento anti-internet   Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: David GelernterDavid Gelernter, professor de Ciência de Computação na Universidade de Yale e um dos gurus da sociedade digital, é conhecido por ter previsto a dependência da internet em seu livro “Mirror Worlds” (1992).  

David Gelernter é professor de Ciência de Computação na Universidade de Yale. Em seu livro Mirror worlds, ele previu os futuros desdobramentos da internet, incluindo os fluxos de informações atualmente utilizados pelas redes sociais como Facebook, Twitter e outras.

O informático ficou gravemente ferido, depois de receber uma carta-bomba do chamado Unabomber, em 1993. Além de temas ligados à tecnologia, Gelernter também escreve sobre cultura e artes, política e religião.

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Conectado na rede: mundo distante do real

Deutsche Welle: A internet exercerá influência crescente sobre todas as áreas de nossas vidas. Mas os avanços tecnológicos sempre despertam oposição. Na Inglaterra do século 19, em plena revolução industrial, os operários protestaram e quebraram máquinas, por medo de perderem seus empregos, liderados por Ned Ludd. Você prevê um novo luddismo, voltado contra a internet?

David Gelernter: Eu gostaria de poder dizer que sim. Acho que seria de valor tremendo. Não no sentido de um movimento luddista destrutivo, adotando a prática de destruir computadores, mas sim um grupo de dissidência intelectual, que nos peça para diminuir o ritmo, para avaliarmos o que alcançamos; que nos pergunte, em termos práticos, o que estamos recebendo em troca do nosso dinheiro, nos pergunte em que meio ambiente nossos filhos estão crescendo.

A cada ano que passa, as crianças estão cada vez imersas no mundo da internet, seja por meio do Facebook, dos jogos altamente sofisticados – que são uma indústria gigantesca –, do Twitter, de mensagens eletrônicas constantes. Este é o mundo em que nossas crianças estão crescendo, e nós o estamos construindo e o construímos, mas sem entendê-lo muito bem.

Se eu prevejo esse movimento? Talvez na Alemanha. A Alemanha é o único lugar onde não há unanimidade automática sobre a conveniência da crescente “internetificação” no mundo. Acho que depende da intelligentsia e dos estudantes alemães. E a questão é: isso pode ser feito de um modo construtivo, ou de uma maneira niilista. Se for feito de maneira niilista, dizendo “vamos voltar atrás e abolir esta tecnologia”, então está fadado ao fracasso e, quase que certamente, será destrutivo. Se for feito de uma maneira construtiva, poderá se de grande valor, e espero ver isso acontecer. Mas eu não sei.

Já há algum tempo, vemos a tendência de computadores menores e portáteis, netbooks, etc.. O senhor previu que logo as pessoas poderiam trabalhar em complexos de escritórios, em torno de computadores com monitores enormes. Esses novos tipos de prédios e a qualidade dos novos computadores não alterarão somente a arquitetura, mas também nos permitirão passar muito mais tempo diante do computador. Como isso afetará nossas vidas e a nossa relação com a natureza?

É uma pergunta interessante. O meu livro, Mirror worlds, de 1991, fala sobre algo como a web e a ideia de que o mundo será refletido na superfície do software, como a cidade de Vermont se reflete num lago. O fim do livro traz uma argumentação entre os meus dois alter egos. Um dizia tratar-se de uma tendência maravilhosa: as pessoas saberão mais e terão experiências mais profundas sobre o mundo, sobre a história, sobre a própria vida. E o outro personagem dizia: isso vai nos separar, passo a passo, das experiências do mundo real e das sensações reais. Um trecho do livro às vezes citado diz que, em breve, seríamos capazes de ver o mundo inteiro sem sair do pijama.

De um lado, está o fundamental impulso humano em direção ao que livro chama de “topsight“, a visão global. E mesmo que eu sacrifique a experiência sensorial de lidar com a natureza, ainda há o impulso intelectual para galgar a torre mais alta – todo o mundo que visita Paris vai até a Torre Eiffel. As pessoas querem a visão do todo, e a internet ajuda nesse sentido.

Por outro lado, quanto mais se sobe, mais ampla e mais abstrata é sua visão, cada vez mais afastada da vida humana, das experiências que realmente contam e do que realmente importa. Pode-se dizer, em princípio, que trabalhar com mais eficiência, mais efetividade, com mais produtividade, deixa mais tempo livre, e as pessoas irão passear na natureza e ficar mais tempo com seus familiares ou fazer o que quer que gostem de fazer. Mas, na prática, elas parecem trabalhar mais duro, à medida que aumenta sua produtividade.

Instituições como a Yale estão cada vez menos interessadas nas artes liberais. Yale não diz mais: nós existimos para educar as pessoas em história e filosofia, um pouco de ciência e um pouco de matemática. Ela diz: nós existimos para que você possa ter o melhor emprego, para que seja um diretor executivo, ou funde sua própria uma empresa e faça 20 milhões de dólares antes de completar 25 anos. Ou vai ser um advogado de ponta e entrar para a Corte Suprema. Yale, como muitas universidades americanas, assumiu essa visão cada vez mais mercenária.

Então, não acredito que maior produtividade e eficiência econômica nos aproximem, de fato, das coisas que importam em nosso próprio mundo, e – acima de tudo – os seres humanos nele. Acho que os computadores recontam impressões que são abstratas demais, no fim das contas, para que sejam aceitáveis. Ouvir os sons, ver os lugares, sentir o cheiro do rio, ouvir a maré ir e vir: isso é que define o caráter e a qualidade da vida humana.

E, sim, a internet é um perigo real. Basta olhar para a geração atual de crianças norte-americanas, cada vez mais grudadas em suas máquinas, quer sejam pods – e elas estão plugadas neles o tempo todo –, quer estejam ao telefone, falando com os amigos ou mandando mensagens. Gastam horas e horas mergulhadas nesse ambiente. E essas são horas em que, obviamente, eles não estão fora, jogando bola ou conversando com os pais, ou encontrando os amigos. Trata-se de um problema real.

O senhor diz que no futuro as muitas fontes de informação que podemos acessar hoje serão misturadas, e poderemos criar o nosso próprio fluxo pessoal, nosso stream, que será diferente de todos os outros fluxos. Então, essencialmente, nos tornaríamos DJs da nossa própria vida digital. Mas quão pessoal ou individual é, realmente, nosso personal stream, se a internet, como o senhor diz, celebra uma cultura do imediatismo, em que todos se interessam pelas mesmas coisas, como celebridades ou informações factuais?

São duas questões: uma tem a ver com a individualidade do fluxo, a outra tem a ver com a weltanschauung, com a obsessão do agora versus o senso de profundidade na história e no tempo.

[Em nosso grupo de pesquisa, criamos uma plataforma em que a informação é alimentada cronologicamente], de modo que, no monitor que construímos, o presente fica na superfície – a Apple tem um software assim, também. E se move em direção ao passado, na profundidade da tela, e o futuro virtual está diante da tela, fora dela, e se movendo em direção a ela, cruzando a linha do presente e se movendo para o passado.

Simplesmente pelo fato de visualizar a passagem do tempo, você pode voltar no passado. Você tem alcance infinito no passado, por assim dizer, pode voltar à última semana, ou ao ano passado. O fato de eu poder deixar meu fluxo digital como legado para meus filhos, ou ter acesso ao conteúdo produzido por meus avós, cria, pelo menos, a chance de redirecionar parte dessa energia, obcecada com o momento atual, para utilizar o computador como uma ferramenta para visualizar o passado e o fluxo do tempo – a “textura do tempo”, para usar a expressão de Vladimir Nabokov.

É difícil visualizar a textura do tempo. Então, qualquer stream cronológico, especialmente se faz uso da profundidade de tela para sugerir o desaparecimento gradual no passado, é uma ferramenta tanto psicológica quanto informática para ajudar as pessoas a redirecionar a atenção para a passagem do tempo, o sentido, a significância e disponibilidade da história.

Quando você diz que o fluxo, até certo ponto, é o mesmo, acho que as fontes potenciais são tão amplas que, na verdade, haverá um número significativo de diferenças. As coisas mais importantes no meu fluxo são apenas minhas coisas pessoais, e-mails e mensagens enviadas para mim, fotos e vídeos que fiz, rascunhos em que estou trabalhando.

Esse fluxo, na nossa experiência, tem um grande componente de documentos estritamente pessoais. Mas aí há uma grande variedade de outras fontes de onde selecionar. E é óbvio que todo estudante que frequenta determinado colégio ficará sintonizado no stream dos estudantes dessa escola; e determinado fluxo será popular por ser o do garoto mais popular, e todos ficarão ligados nele. Mas, pelo menos, existe a oportunidade de tomar outros caminhos.

Uma vez você tendo criado esse fluxo – talvez os seus pais ou o seu irmão o criem para você –, basta olhar para um ponto e terá uma grande variedade de coisas fluindo através dele, e só precisa olhar para ter mais informação, em nossa “ampliação”.

Psicologicamente e ergonomicamente falando, a resistência para se ver coisas novas e diferentes é menor. Isso equivale a uma mudança qualitativa? Não sei. Eu espero que seja, mas não sei.

Entrevista: Michael Knigge (np)
Revisão: Augusto Valente

Luis Nassif

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