ANATEL e Direitos do Cidadão

Chamo a atenção dos leitores para esta notícia preocupante:
http://www.180graus.com/geral/anatel-multa-usuarios-por-compartilhar-internet-wirelless-397787.html
ANATEL multa usuários por compartilhar rede wireless
Katylenin França e Allisson Paixão


A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL apreendeu os computadores
e multou, em R$ 3 mil três vizinhos que compartilhavam acesso à internet
por uma rede wireless. Visando reduzir os custos, os três amigos, que
residem em casas muito próximas, fizeram uma assinatura do serviço
OI/VELOX, a partir da linha telefônica de um deles. [... a ANATEL,] em uma
“visita” à residência do proprietário da linha telefônica, apreendeu
computador, modem e roteador lá instalados, lavrando auto de infração e
aplicando multa de R$ 3 mil, sob a acusação de que o mesmo estaria
prestando serviços de provedor de acesso à internet sem a devida
autorização da Agência [...]

O gerente da Agência da Anatel no Piauí, Carlos Bezerra Braga, falou [...]
dividir internet realmente não é crime desde que se esteja dentro da mesma
edificação ou que se tenha uma autorização para prestar o serviço. O
Serviço de Comunicação Multimídia – SCM está restrito aos limites de uma
mesma edificação ou propriedade móvel ou imóvel, exceto quando envolver o
uso de radiofreqüência. A legislação do setor estabelece que, somente
empresas com autorização emitida pela Anatel podem explorar serviços de
telecomunicações no país. [...] "Dificilmente um cidadão vai contratar um
serviço multimídia de, por exemplo, R$ 500, e dividir com o seus vizinhos
gratuitamente. A cobrança de um valor mensal pelo serviço caracteriza
exploração clandestina."

A atitude da ANATEL é chocante.  Começa pelo fato de que seu papel é
fiscalizar as operadoras, e não ajudá-las a extorquir seus usuários.  Se a
operadora acha que um usuário violou o contrato, cabe a ela avisá-lo
disso, e, se for o caso, entrar com queixa na justiça comum.

Mas o mais grave é a pretensão da ANATEL (e de seu "patrão" aparente, a
operadora) de controlar não apenas o transporte dos dados até o usuário,
mas também o que o usuário faz com eles.  Esse é um abuso medonho dos
direitos básicos de cidadania --- de propriedade, de comunicação, de
privacidade, de livre associação, e sei lá que mais.  A jurisdição da
agência e das operadoras alcança apenas até a ponta de seu cabo (se
tanto). O que o assinante do serviço faz com os dados que passam pelos
cabos não é da conta da ANATEL, nem da OI, nem de nenhuma outra entidade
ou empresa.

O absurdo da situação é tão medonho que nem sei como apontar. Imagine um
taxista que, depois de largar um casal no destino, espia pela janela da
casa para ter certeza de que os dois estão de fato morando juntos, e não
são apenas vizinhos que compartilharam a viagem.  Imagine esse taxista
denunciando esses dois vizinhos à Prefeitura, e os coitados sendo multados
e processados pelo "crime" de "operar uma empresa de transporte de
passageiros sem autorização".

Pela "lógica" do gerente, o compartilhamento da conexão seria OK se fosse
entre 50 apartamentos de um mesmo prédio, ou entre os laptops de 100
empregados ou clientes de uma empresa; mas não entre três casas vizinhas. 
Por essa lógica, também, se meu vizinho me pede para usar meu computador
por dez minutos, eu devo ser preso por operar um serviço de provedor de
acesso sem autorização.

Mas ainda pior que a irracionalidade da multa é a maneira como foi
aplicada.  Segundo as palavras do gerente, acima, os usuários foram
punidos porque ele acha que talvez exista entre eles agum acordo
comercial. Provas? Direito? Processo? Defesa? Código Penal?  A ANATEL pelo
visto não sabe o que são essas coisas, e não quer saber. Se o fiscal acha
que o cidadão é culpado, tasca-lhe a punição e dane-se.

Como se não bastasse, considerem o confisco do computador e roteador. 
Esses equipamentos não são proibidos, foram legalmente adquiridos pelos
usuários, e seu uso é perfeitamente legal.  Que direito tem então a ANATEL
 de se apoderar deles?  Porque não também confiscar os carros dos
"criminosos"? Matar o cachorro, que tal? E tirar proveito da filha, porque
não?  No Código Penal e nos cadernos policiais esse "confisco" pela ANATEL
tem um nome mais curto, comum e apropriado.

Como muitos outros ramos do governo, parece que a ANATEL se considera
acima da lei e dos direitos humanos.  Pelo visto ela se acha no direito de
legislar, investigar, julgar e punir sumariamente qualquer assunto que
diga respeito a comunicação, seguindo unicamente seu próprio nariz.  É por
isso que ela, por exemplo, não vê nada de mais em exigir das operadoras os
logs detalhados das chamadas --- apenas poque isso facilita seu trabalho.

Alguém precisa avisar a ANATEL de que a ditadura já acabou, e de que numa
democracia as coisas são um pouco mais complicadas...

Redação

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