NSA e o monitoramento dos EUA – Parte 1

Edward SnowdenNos últimos meses, fomos tomados de assalto pelas notícias sobre o monitoramento eletrônico feito pela NSA, de acordo com as denúncias feitas por Edward Snowden. O Brasil foi veemente em seus protestos, e agora outros países, como o México, a Alemanha e a Espanha estão seguindo o mesmo caminho.

Porém, nem todas as notícias divulgadas são verdadeiras ou procedentes, e tenho lido uma profusão de besteiras escritas a respeito do assunto. Por isso, como profissional de TI com experiência em segurança de redes e de aplicações, me senti na obrigação de escrever a respeito, para tentar clarear um pouco as coisas. Como o assunto é um pouco extenso, vou dividir os textos e tentar publicar pelo menos um artigo por semana.

Todo o problema começou, é claro, no 11 de Setembro e na “caçada” ao terrorismo iniciada pelo governo americano. Mas houve ainda um sério agravante, o USA PATRIOT Act (abreviação de “Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001”). Essa foi uma lei aprovada pelo congresso americano em 2001, no governo de George W. Bush, na esteira da comoção causada pelo atentado às torres gêmeas.

Entre as ações permitidas pelo Patriot Act estão a invasão de lares, a espionagem de cidadãos, interrogatórios e torturas de possíveis suspeitos de espionagem ou terrorismo, sem direito a defesa ou julgamento. Na prática, o ato suprime as liberdades civis. É o instrumento legal que permite ao governo dos Estados Unidos obter qualquer informação sobre qualquer pessoa, como também adotar medidas de vigilância e espionagem. Tudo o que antes era condenado pelos EUA quando ocorria em outros países, passou a ser permitido, dependendo somente de algum órgão de inteligência suspeitar que a pessoa está envolvida em alguma atividade terrorista. Tecnicamente, eles precisam fazer uma solicitação à “Foreign Intelligence Surveillance Court”, porém, todo o processo de solicitação e aprovação de mandados é interno e secreto, e a corte praticamente não precisa prestar contas a ninguém sobre as suas decisões, e nem poderia, pois tudo gira em torno da tal segurança nacional.

Além de permitir a investigação quase irrestrita dos suspeitos, a nova lei também define a obrigatoriedade de colaboração e o sigilo absoluto. Então, qualquer executivo de uma empresa que receba uma solicitação de informações sobre alguém é obrigado a fornecer essas informações, e proibido de divulgar qualquer coisa sobre o assunto. Caso não obedeça, passa a ser considerado como colaborador de um terrorista, enquadrado na lei de segurança nacional, e está sujeito a condenações como prisão perpétua ou mesmo à pena capital. Como esse “incentivo”, dá para imaginar que o governo tenha tido alguma facilidade em obter as informações que precisa, junto a todas as principais empresas que prestam serviços na Internet.

Porém, com a divulgação da espionagem, essas empresas ficaram em uma tremenda saia justa, pois parece que colaboraram espontaneamente, quando na realidade não tiveram outra opção. Não quero defender as empresas, e não faço ideia se elas concordam com a lei, ou se fariam mesmo que não fossem obrigadas, mas neste caso, não podem ser culpadas por isso, pois a colaboração não era opcional. Se olharmos com cuidado o modelo de negócios das empresas, elas normalmente prestam serviços muito baratos ou gratuitos, e sua remuneração é feita através da propaganda embutida nas páginas, ou usando as suas informações para marketing dirigido. Porém, se você parar de acessar e publicar informações, o modelo de negócio deixa de ser viável. Então você pode ter certeza de que todas estão absolutamente apavoradas com o efeito dessas denúncias, pois se pelo menos uma parte das pessoas se sentir ofendida com a quebra da privacidade e deixar de usar os serviços, as empresas simplesmente deixam de existir.

Apesar de normalmente lembramos somente das mídias sociais, existe uma outra categoria de empresa que está na berlinda: os provedores de serviços corporativos em nuvem. Até aparecerem essas denúncias, eles eram a bola da vez da TI, para reduzir custos em infraestrutura. Neste caso, as implicações da violação de privacidade são ainda mais graves, pois ao armazenar dados na nuvem, dados estratégicos de sua empresa podem estar sendo acessados pelo governo dos EUA, incluindo dados de clientes que foram confiados a você, e o cliente pode acabar sabendo da violação e processar a sua empresa pelo vazamento. Então a empresa pode acabar tendo que indenizar os clientes pela bisbilhotice do governo americano. Esse é um mercado que estava em crescimento vertiginosos, e só vamos saber qual foi o efeito real sobre ele, e se os investimentos feitos terão o retorno esperado ou não, daqui há alguns anos.

Normalmente as pessoas pensam somente nas empresas de Internet, e esquecem que o Patriotic Act abrange todas as empresas, então precisamos lembrar das empresas de cartão de crédito e investimentos, seguradoras, empresas aéreas, fornecedores de comunicação por satélite e cabos submarinos, serviços de GPS, empresas de telefonia, etc. Todas as vezes em que você fornecer alguma informação a uma empresa americana, mesmo que ela não esteja sediada nos EUA, essas informações podem estar sendo fornecidas para a NSA.

Mas quem é monitorado, e que informações são coletadas? A princípio, todos e tudo. Quando um ataque terrorista é cometido, ou mesmo que seja evitado, é importante saber todos os passos dos suspeitos, inclusive no passado, para poder identificar outros participantes, e desmontar toda a organização. Isso significa que monitorar alguém a partir de sua identificação como suspeito não adianta muito. Então do ponto de vista de segurança, faz sentido que todos sejam monitorados o tempo todo, para poder cruzar informações em caso de necessidade. Essa é a principal desculpa do governo americano: eles monitoram a todos, mas somente acessam os dados dos que são suspeitos, ou seja, seus dados estão lá, mas inacessíveis e misturados aos dados de bilhões de outras pessoas, então não causam nenhum mal.

Eu até acredito que o programa tenha começado com essa intenção, mas manter um programa desse porte, mesmo com boas intenções, já é uma ação extremamente perigosa. Imagine a situação: você é um senador americano, e sua campanha foi financiada por uma grande empresa que vai participar de uma licitação internacional, e fica sabendo que o governo possui informações que poderiam dar à empresa uma posição de vantagem. A pressão para dar só uma olhadinha rápida nos dados é difícil de aguentar, e acaba virando moeda de negociação política. Não sei se foi isso o que aconteceu quanto à Petrobras, mas é possível que aconteça a qualquer momento.

Outro problema sério é a segurança: como o próprio Snowden deixou bem claro, ele teve acesso quase irrestrito aos dados, e não era um analista especial. Ao contrário, era um analista comum, terceirizado, como centenas de outros que trabalham lá. Então a segurança é precária, o que significa que o banco de dados pode estar sendo acessado por analistas para vender informações ao mercado, ou mesmo a outros países e organizações terroristas. Então nesse caso o tiro pode sair pela culatra. Acredito que esse seja um problema que já deve estar sendo tratado após o vazamento, mas vai continuar sendo sempre um risco.

Agora você já tem uma noção do que está sendo feito pelo governo americano, e porquê. Então é melhor acostumar-se com isso, pois não acredito que esse programa de monitoramento seja revisto, pelos menos em um futuro próximo. Para um país que acredita que pode enviar um avião robô para qualquer lugar do mundo e explodir quem considere culpado, sem julgamento, violando a soberania dos países e matando familiares e vizinhos sem remorsos, não chega ser um ameaça séria. Afinal, como dizem alguns defensores, se você entregou suas informações a outra pessoa, não pode alegar direito à privacidade.

No próximo artigo, vou falar sobre como funciona a comunicação pela Internet, e outras formas de obter informações que também estão sendo utilizadas pela NSA.

Referências:

http://pt.wikipedia.org/wiki/USA_PATRIOT_Act

http://www.justice.gov/archive/ll/highlights.htm

http://www.fastcompany.com/section/the-code-war

20 Comentários

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  1. “USA PATRIOT Act(abreviação

    “USA PATRIOT Act(abreviação de “Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001″)”:

    Que “coincidencia”, ne?

    Pois a espionagem do governo dos Estados Unidos eh MUITO, MUITO mais profunda e seria e corrupta do que voces ainda estao pensando que eh.

  2. É mais agora parece que a

    É mais agora parece que a coisa toma um rumo inesperado , com esta história que o Brasil tambem andou monitorando alguns paises amigos , como o Irã e outros ,

    Como é que fica agora ? D. Dilma vai ficar numa tremenda saia justa !

    1. Nada tomou rumo inesperado, a

      Nada tomou rumo inesperado, a não ser a vontade de um certo jornal de tumultuar o nada. A ABIN apenas fez o que pagamos para que ela faça, isto é, monitorar o movimentos estranhos de estrangeiros no país. Se a ABIN não fizer o que fez, não justifica sua existência. Ninguém foi lá bisbilhotar os telefonemas e e-mails do Obama e de milhares de americanos, como os EUA fizeram conosco e com outros países.

    2. Vamu que vamu Botelho pinto

      Jornais brasileiros se levantam contra o desrespeito aos Estados Unidos

      5 de novembro de 2013By

      A patriotada tupiniquim infame de querer espionar o melhor país do mundo deve ser condenada e rejeitada por todos os homens bons como um ultraje de uma nação vagabunda, porcaria, insossa, contra a maior e melhor nação do mundo, conforme bem denunciou o Diário dos Homens Bons, um jornal à serviço da América, e demais jornais livres, que servem à causa do bem. São jornais como esses, profundamente identificados com a nata da sociedade nacional, que necessitamos para denunciar a verdade e desmascarar aqueles que lutam contra os interesses dos Estados Unidos, país cujo o destino manifesto de nos liderar contra o comunismo deve ser respeitado acima de tudo, para que o mínimo de ordem seja mantido.

      Para que este país da gentalha não ouse a ser empecilho ou causar constrangimento aos países bons, é preciso que os jornais e os grandes comentaristas e analistas da imprensa isenta nacional atuem com presteza, lembrando a todos que o Brazil nada é perante aos que importam no mundo e que a insubmissão internacional será punida com dureza pela IV Frota. Assim, a búlgara usurpadora será impedida de usar o tema na campanha para sua promoção pessoal, uma vez que a doença do antiamericanismo ainda é uma realidade em nossa pátria, e aqui em Higienópolis ou mesmo nos Jardins, hastearemos orgulhosamente a bandeira americana para mostrar de que lado estamos e para que os pilotos dos F-18 da Navy nos poupe dos bombardeios cirúrgicos que virão. Alvíssaras!

  3. Vc está de brincadeira né!.

    Vc está de brincadeira né!. Essa história que vc sabe e leu nos jornais prediletos não passa de mais um factóide de mídia instantânea em busca de credibilidade e ou de detornar o Governo Federal. Todos sabemos que o que foi realizado, foi uma operação rotineira de vigilância na contra espionagem. Portanto, erros que foram cometidos tais como vazamentos para midia etc…etc. trata-se apenas de traição. Tais iniciativas são corriqueiras em qualquer país democratico na proteção de sua soberania NACIONAL. Portanto a “saia justa” que menciona deve se referir ao SPFW no manequim da Gisele……..

    1. Eh, a historia da “espionagem

      Eh, a historia da “espionagem brasileira” foi tao plantada (na falha de SP e ate internacionalmente) que da ate pena ler.

      Vi no HuffPost ontem e comentei aqui, mas nem vou me preocupar em trazer de volta…

    2. “Contra-espionagem ou

      “Contra-espionagem ou Espionagem”, “Mensalão tucano ou Mentirão Petista”, “Privatização ou concessão ou partilha”… A capacidade de algumas pessoas darem nomes diferentes para a mesma coisa…

      1. Não sejas malicioso, dá

        Não sejas malicioso, dá bandeira e pega mal.

        Uma coisa é monitorar representantes estrangeiros em solo nacional, por meio de registro fotográfico e acompanhamento pessoal. Isso se faz desde que os filisteus mandaram Dalila descobrir o segredo da força de Sansão.

        Outra muito distinta é violar o sigilo telefônico de civis do próprio país e de outros países indiscriminadamente. Estou me ralando para o fato de que os EUA monitoraram o telefone da Merkel e da Dilma. Isso fala contra nossa Abin e o BND alemão. Somos umas bestas se achamos que, dada a oportunidade, os EUA teriam quaisquer escrúpulos a respeito.

        Agora, minar a própria arquitetura da Internet para tornar a privacidade quase impossível, é um requinte de mau-caratismo que só mesmo os santelmos de Washington poderiam conceber.

        1. Meu caro amigo sabichão…

          Meu caro amigo sabichão… (que gosta de rotular os outros)

          Os EUA aprovaram uma lei no CONGRESSO NACIONAL deles ( um tal de Patriotic Act) que dá a eles o direito de fazer isso por lá…

          Quanto a espionar diplomatas nas ruas ou telefonia e internet é uma questão de capacidade e $$$ somente. Continua sendo ESPIONAGEM.

          1. Rotular não. Só li o rótulo,

            Rotular não. Só li o rótulo, já estava escrito na testa.

            Aaaah, bom, uma vez que algo seja aprovado por lei, torna-se necessariamente moral. Afinal, a deportação dos roma também é permitida por lei na França, que tem parlamento democrático.

            Saber que essa é tua opinião explica muita coisa e me ajuda a te ignorar.

            Não vou nem entrar em questões como representatividade parlamentar, gerrymandering, ordens executivas secretas, FISA, cartas do Attorney General, notificações de segurança nacional e o que o povo de lá realmente acha disso.

            Por outro lado, tens razão em uma coisa: dado o quanto permitiram que sua democracia (que já não era lá essas coisas havia algum tempo) se erodisse, os estadunidenses, de certa forma, merecem o que o governo faz com eles.

            (A frase acima é a deixa para vires com alguma falácia do tipo homem de palha. Sugiro que digas “Ah, tá, então Cuba é que é exemplo de democracia, é isso?” Vai ser hilário e te constrangerás, mas vale a pena tentar desviar o assunto, não?)

            Felizmente, nosso governo não faz isso conosco nem com qualquer outro povo. Não importa o que a Folha diga.

            E não, espionar as pessoas nas ruas (um espaço público cujo nível de invasão é mínimo) em território nacional é qualitativamente diferente de violar a privacidade telemática. Aliás, o que se faz nas ruas não pode ser, meu caro, chamado de privacidade porque não se trata da esfera privada. Comunicações são, por força de tratados internacionais, uma extensão da esfera privada. Além do que espionar um diplomata estrangeiro aqui é muito diferente de espionar um cidadão estrangeiro lá.

             

  4. Não! o Brasil não faz monitoramento em masa da população

        …civil nem do país nem do exterior, o que existe é uma vaga denúncia de que agentes seguiam diplomatas pelas ruas, o que alás não é nenhum escândalo.

  5. Ainda falta muito

    Faltou acrescentar no texto que espionagem, todos os paises fazem, de uma forma ou de outra.

    A grande diferença neste caso, é que ela não é dirigida a alvos específicos, mas generalizada, coletando dados de todos para depois pesquisar os possíveis alvos. O que diferencia esse caso é essa abrangência.

    Mas aguardem um pouco, semana que vem eu continuo com o assunto, pois ainda tem muitos outros pontos para serem considerados.

     

  6. Eu já sabia

    Empresa americana é, antes de mais nada, americana.

     

    Angela, François, Mariano e Dilma podem espernear, jogar pra platéia, que nada vai mudar mesmo.

     

    Serão os provedores de internet, as mega-empresas de serviços na nuvem e na internet, que farão pressão para acabar  ou moderar a bisbilhotagem. São bilhoes de dólares a se perder com a retratação do mercado, pela quebra de confiança.

     

    Confiança esta que precisa de fato politico novo para ser restabelecida.

     

    Snowden pode ter dado mais prejuízo do que Bin Laden. Poder ser por isso que nunca receberá o perdão do Congresso ou do Presidente.

     

    Money talks (loud).

  7. FOLHA DEU AOS EUA O ÁLIBI QUE

    FOLHA DEU AOS EUA O ÁLIBI QUE OS EUA BUSCAVAM

    “Todo mundo espiona”, diz a manchete do Uol, portal do grupo Folha; “Não há virgens nesse negócio”, ironiza o texto; com uma reportagem sobre “espionagem” da Abin, a Folha de S.Paulo conseguiu avacalhar o esforço do Brasil em liderar, ao lado da Alemanha, uma iniciativa contra os grampos indiscriminados dos Estados Unidos; jornal que se diz “a serviço do Brasil” trabalhou contra

     

    http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/119977/Folha-deu-aos-EUA-o-%C3%A1libi-que-os-EUA-buscavam.htm

     

    1. abaixo a cia e viva a abin

      Vamos pensar que a folha promoveu a nossa abin ao mesmo status de uma cia, uma shield e, pasmem, à própria liga da justiça!

      Enfim, bem que a folha poderia investir no cinema nacional e fazer uns filmes com espiões da abin descobrindo segredos dos cubanos…

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