O progresso científico e a prática de Saúde no Brasil – 1ª. parte

            Em todos os setores é muito importante não só gerar novos conhecimentos científicos e avanços tecnológicos, mas também incorporá-los à prática profissional diária. Na área da Saúde isto se torna crucial, pois a utilização de um método diagnóstico ou terapêutico inovador pode significar a diferença entre salvar vidas e perdê-las.

            No Brasil, ainda enfrentamos dificuldades nas duas pontas desse processo. De um lado, o acesso aos programas de pós-graduação em Ciências da Saúde nas universidades públicas sofre limitação pelo número de vagas para mestrado e doutorado e pela má distribuição geográfica destas. De outro lado, boa parte dos profissionais de saúde trabalha em ritmo frenético e acaba sem tempo para acompanhar as pesquisas e inovações no seu campo de atuação, o que pode afetar a qualidade do atendimento oferecido à população.

            Vale a pena pinçar alguns dados dessa realidade e colocar em discussão os caminhos que podemos seguir para corrigir as distorções. Contribuições dos profissionais de saúde que frequentam o blog são muito benvindas.

O texto está dividido em duas seções: a primeira, sobre a pesquisa e a pós-graduação em Ciências da Saúde; a segunda, sobre a atualização profissional.

Não é objetivo deste tópico repetir o debate sobre a necessária reformulação dos critérios usados pelos órgãos governamentais para avaliar a qualidade dos programas de pós-graduação e dos pesquisadores brasileiros, face à pressão atual para que os docentes do ensino superior apresentem “bons índices de produtividade” e publiquem numerosos artigos em revistas de alto impacto na comunidade científica.

Pesquisa e pós-graduação em Ciências da Saúde: o todo e a parte

Os números relativos aos recursos humanos e às instituições de ensino superior e pesquisa indicam que a Saúde tem papel relevante no panorama científico e tecnológico brasileiro.

Na Súmula Estatística dos Grupos de Pesquisa no Brasil, publicada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 2004 havia 3.371 grupos de pesquisa em Ciências da Saúde, correspondendo a 17,3% do total. Houve aumento desse número desde então. Em 2006, já eram 225 instituições, 3.610 grupos de pesquisa, 18.382 pesquisadores – dos quais 11.237 doutores – e 21.739 alunos dedicados às Ciências da Saúde. Em 2008, estavam cadastrados no CNPq 1.355 grupos de pesquisa na área médica – cerca de 6% dentre todas as áreas do conhecimento -, dos quais 653 eram voltados aos estudos em Saúde Coletiva.

De acordo com dados de 2011 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), há 503 programas e cursos de pós-graduação em Ciências da Saúde reconhecidos e recomendados no País, sendo 129 de mestrado acadêmico, 16 de doutorado e 296 contemplando ambos. Atualmente, 14,4% dos mestres e 18,5% dos doutores egressos dos programas reconhecidos pela CAPES são da área da Saúde.

Entretanto, as disparidades regionais são evidentes. Em 2006, 48,8% dos grupos de pesquisa brasileiros concentravam-se na região Sudeste. A região Norte contava com somente 4,7%, a despeito de sua inestimável biodiversidade e ampla perspectiva de desenvolvimento socioeconômico.

Relatórios mostram que 84,4% de todos os cursos e programas de pós-graduação com a nota máxima 7 na avaliação da CAPES – incluindo Ciências da Saúde e demais áreas do conhecimento – estão concentrados no Sudeste. Especificamente entre os serviços brasileiros de pós-graduação em Saúde (Medicina I, Medicina II, Medicina III e Saúde Coletiva), seis dos sete programas avaliados com o conceito máximo e 11 dos 19 programas com nota 6 estão no Estado de São Paulo.

            As estatísticas mais recentes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) dão conta de que, em 2008, São Paulo titulou 30% dos mestres e 45% dos doutores do País.

As três universidades públicas estaduais (USP, Unicamp e Unesp) detêm a maior fatia da pós-graduação oferecida no Estado. Em 2006, elas concentravam 79,9% dos alunos de doutorado matriculados no Estado e 35,4% dos matriculados no País. No setor privado de ensino superior, a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) respondia por metade dos cursos de pós-graduação paulistas.

A participação expressiva das Ciências da Saúde no contexto da ciência e tecnologia no Estado de São Paulo é confirmada por outros dados. Em 2002, a maioria dos titulados nos cursos de mestrado eram alunos de Ciências da Saúde: 21% do total. Entre os titulados no doutorado, a concentração na Saúde era ainda maior: 27%. Essa área também é a que recebe mais investimentos da Fapesp. Entre 1999 e 2009, absorveu mais de 22% do total desembolsado pela Fundação, alcançando o pico de 27,9% em 2009. No decênio, a Fapesp investiu quase R$ 1,3 bilhão em projetos de pesquisa e bolsas na área de Saúde.

A alta concentração das pesquisas em Saúde na parte (o Estado de São Paulo) em relação ao todo (Brasil) reflete-se diretamente na proporção de publicações científicas e de patentes depositadas. Pesquisadores brasileiros participaram de 1.090 artigos indexados sobre câncer publicados entre 1995 e 2006. Desses artigos, 28,7% têm ao menos um autor ligado à USP. A Unifesp (instituição federal) e a Unicamp ocupam, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares no ranking de publicação de artigos científicos no campo da Saúde. Os residentes no Estado de São Paulo também foram responsáveis por 55% das patentes da área da Saúde depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) entre 2000 e 2005.

Em suma, o profissional de saúde que deseje ingressar numa pós-graduação de instituição pública do território nacional que goze de bom conceito junto à CAPES terá maior probabilidade de sucesso se estiver no Sudeste e se enquadrar nos pré-requisitos da disputa acirrada por uma vaga nos programas das universidades estaduais paulistas. Vencida a etapa de obter o título de mestre ou doutor numa das Ciências da Saúde, ainda restará o imenso desafio de conseguir colocação numa instituição de ensino e pesquisa no País.

Apesar de sermos a sétima economia do mundo, em nível nacional o investimento nas Ciências da Saúde fica por volta de apenas R$ 1 bilhão. O volume de recursos aplicados em pesquisa e desenvolvimento em Saúde no Brasil em 2007 foi de R$ 994 milhões. O setor público investiu R$ 700 milhões (70% do total), dos quais R$ 147,2 milhões saíram do Ministério da Saúde. As universidades e institutos de pesquisa receberam a maior parte dos recursos públicos (55,5%).

Diante destes fatos e dados, e como já foi discutido anteriormente neste espaço, é indispensável a interiorização da Saúde – não apenas em termos de assistência à população, mas também da implantação de centros de ensino e pesquisa que formem doutores e mestres capazes de contribuir para a solução de problemas e o desenvolvimento de todas as regiões do País.

É preciso que o Governo Federal, através dos Ministérios do Planejamento, da Saúde, e da Ciência e Tecnologia, além da CAPES e do CNPq, dialogue com a comunidade científica, as agências estaduais de fomento à pesquisa e o empresariado. Temos de buscar meios criativos e responsáveis para aumentar o volume de investimentos públicos e fazer crescer o porcentual de investimento privado no setor. Nesse sentido, o Manifesto da Ciência Tropical, do neurocientista Miguel Nicolelis, traz ideias interessantes para reflexão, como a proposta de investir 4 a 5% do PIB em ciência e tecnologia.

O Brasil tem muitos pesquisadores éticos e competentes para ocupar a vanguarda mundial da pesquisa, e não somente em Ciências da Saúde. É urgente lhes oferecer meios para se fixarem no País e desenvolverem plenamente seu potencial.

Esta discussão não é do interesse de apenas duas dúzias de acadêmicos enclausurados em laboratórios. Ela diz respeito a todos os cidadãos contribuintes que financiam projetos e bolsas de pesquisa. Mais do que isso, doentes com malária, dengue, tuberculose, hipertensão arterial, surdez, infertilidade, câncer, fibrose cística e inúmeras outras moléstias anseiam que apliquemos o máximo dos nossos recursos humanos, naturais, financeiros e tecnológicos para garantir uma saúde melhor a todos os brasileiros.

Sem saúde não há aprendizado, não há trabalho, não há cultura, nem futuro para uma nação.

 

Aracy P. S. Balbani é otorrinolaringologista, Doutora em Medicina pela USP.

 

Agradecimento à Sra. Milena Y. Ramos pelo pronto envio de bibliografia.

 

Fontes consultadas

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Súmula Estatística dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Em: http://dgp.cnpq.br/censo2004/sumula_estat/index_grupo.htm

 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestrados/Doutorados Reconhecidos. Em:

http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarArea&codigoGrandeArea=40000001&descricaoGrandeArea=CI%C3%26%23138%3BNCIAS+DA+SA%C3%26%23154%3BDE+

 http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarArea&codigoGrandeArea=40000001&descricaoGrandeArea=CI%C3%26%23138%3BNCIAS+DA+SA%C3%26%23154%3BDE+

 FAPESP (FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO). Indicadores de ciência, tecnologia e inovação em São Paulo 2010: destaques. São Paulo: FAPESP, 2010.

 Conceição Lemes. Nicolelis lança manifesto da Ciência Tropical: “Ela vai ditar a agenda mundial do século XXI”. 23/11/2010. Em:

http://www.viomundo.com.br/entrevistas/nicolelis-lanca-manifesto-da-ciencia-tropical-vai-ditar-a-agenda-mundial-do-seculo-xxi.html

 

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador