Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Pokémon Go: bem vindo ao deserto do real!, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O filme “Matrix” e o conto “Sobre o Rigor da Ciência” do argentino Jorge Luís Borges ajudam bastante a entender a atual febre em torno do jogo Pokémon GO. Não a compreender o jogo em si (de forma positiva ajuda a nos familiarizar com o ambiente urbano e nos tira do sedentarismo, a velha crítica contra os tradicionais games de computadores e consoles) mas a elucidar para qual futuro ele aponta. Realidade aumentada é a união da representação com a tecnologia, do mapa com o território, do virtual com o real. Mas se no conto de Borges pedaços do mapa ficaram grudados ao real, no mundo Matrix é o real que vira um deserto e se agarra na virtualidade. Por enquanto programas como Pokémon GO são metafóricos, anedóticos e, por isso, divertidos. Mas a tecnologia da realidade aumentada vai muito além do que ajudar a compreensão da realidade: pode desertificá-la.

Já sei o que muitos leitores devem estar pensando: mais um intelectual querendo falar mal do Pokémon GO! Pelo menos prometo fazer uma análise imparcial desse game.

Não há como negar que o game é uma resposta a tantas críticas sobre a alienação dos jogos por computadores – isolamento, sedentarismo dos corpos estáticos com olhos grudados e as mão nervosas em um console, gente esquecendo das próprias necessidades fisiológicas como fome e sede, afundado em uma cadeira de uma Lan House etc.

Pelo contrário, agora as pessoas caminham pela cidade com cenas comoventes de pais jogando com seus filhos em parques, a dopamina à toda alimentando a caça aos Pokemons, a aleatoriedade ambiental que o jogo impõe aos jogadores, incentivando-os a explorar os arredores, sair pelas ruas etc.

Conheci o Pokémon GO através do meu filho mais velho. Acompanhando-o no jogo para entender a mecânica percebi que possui muitas nuances como Pokégyms, Pokébolas, Pokéstops… Aliás, um desses Pokéstops faria a alegria de teóricos da conspiração.  

Esses pontos (para onde o jogador deve se dirigir para obter mais Pokébolas, ovos, incensos etc.) localizam-se em praças públicas e endereços culturais da cidade. Um deles ficava em frente a uma grande Estrela de David estilizada de uma marmoraria que fornece o material para um cemitério israelita em São Paulo – já imaginei paranoicos vendo mais uma conspiração judaico-iluminati da Nova Ordem Mundial…

Pokémons, mapas e desertos

Pokémon GO é um game que permite aos jogadores capturar uma variedade de criaturas digitais que se sobrepõem caprichosamente sobre paisagens reais familiares capturadas por uma câmera de smartphone. Locais do mundo real, vistos através da tela, tornam-se o habitat dessas criaturas.

É um jogo que explora a tecnologia de realidade aumentada – técnica para unir o mundo real com o virtual, inserindo objetos virtuais no mundo físico em tempo real usando a interface para manipular objetos reais e virtuais. Filosoficamente, a realidade aumentada é uma confluência entre representação e tecnologia.

Olhando a interface do jogo, mostrando um mapa dos arredores a partir da localização do usuário, fez-me imediatamente lembrar de um conto do escritor surrealista Jorge Luís Borges chamado Sobre o Rigor da Ciência que farei um breve resumo.

Era uma vez um reino obcecado por cartografia, cujos cidadãos queriam fazer um mapa perfeito do seu território. Insatisfeitos com a exatidão de suas tentativas, passaram a criar mapas atrás de mapas em escalas cada vez maiores e com detalhes mais exatos.

Finalmente, chegaram ao mapa perfeito em uma escala 1:1 – era tão minucioso que replicava a própria paisagem. Ficou do tamanho do império, como um cobertor que cobria toda a terra.

Logo os cartógrafos perceberam quão inútil era esse mapa e o abandonaram nos desertos ocidentais do reino. Ainda seria possível ver antigos pedaços desse mapa agarrando-se à realidade.

O mapa não é o território

Qual a lição que podemos tirar desse conto? De que a representação (o “signo”) nunca será a própria coisa. A representação é uma tecnologia que signaliza a realidade. Por isso, sempre houve uma desconfiança dos avanços tecnológicos pela ambivalência dos símbolos, imagens e toda uma gama de formas de representar a realidade: podem ser mentiras, simulações, dissimulações, simulacros ou idolatria – como bem nos mostrou a exploração política das imagens pela Igreja Católica desde o Barroco.

A palavra é a tecnologia de representação mais antiga – exige uma colaboração entre leitor e escritor para criar uma ficção da realidade. Ler a palavra (técnica) e imaginar o objeto  representado – aquilo que chamamos de imaginário.

Já na antiguidade clássica Platão olhava com desconfiança atores, artistas e poetas de pretenderem fazer um fac-símile da realidade. Em A República Platão acusava-os de fazerem uma mera imitação da realidade, no mesmo estilo sugerido por Jorge Luís Borges e seus mapas.

Desde Platão, séculos se passaram e percebe-se que o avanço da tecnologia vai na direção de borrar as fronteiras entre a técnica (a representação) e o real, ou entre real e imaginário. O mapa não é o território, o virtual não é o real. Porém, cada desenvolvimento tecnológico faz com que seja mais difícil estabelecer essas distinções. 

Aliás, um dos sintomas clínicos da esquizofrenia é tomar a representação como a própria coisa. Algo como entrar em um restaurante, pedir o cardápio e comê-lo achando que a foto do filé a parmegiana seja o próprio prato servido.

Se nas imagens tecnológicas clássicas como a fotografia e o cinema esse emaranhado representação/realidade já estava presente (como nas lendas de que a fotografia roubava nossa alma ou no susto da audiência com as imagens de um trem em movimento no primeiro cinema), agora com o ao vivo, on line, tempo real e tecnologias imersivas como 3D, 4D, realidade virtual e realidade aumentada as fronteiras tendem a desaparecer na percepção.

Curta “Hyper-Reality”

Realidade aumentada e hiper-realidade

Em si não há nada de perturbador sobre o Pokémon GO – a não ser as denúncias coleta ilegal de dados pessoais e de que o Niantic Labs (desenvolvedor do game) é gerenciado  por John Hanke, homem responsável pelo maior escândalo de privacidade na Internet nos seus tempos de Google: os carros de rastreamento do Google Street View copiou secretamente tráficos de internet de redes domésticas, coletando senhas, e-mails, informações financeiras etc., segundo The Intercept – clique aqui.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. O viés mercadológico da “iniciativa”

    O viés mercadológico da “iniciativa” Prokemon Go é extraordinário: mensagens subliminares ou propagandas direcionadas exclusivamente ao usuário com conhecimento profundo de seu perfil 

    É o paraíso goebbelsiano…

  2. Pokemon é Rinha

    E para quê capturar Pokemons? Para colocá-los numa RINHA. O que é RINHA? É uma competição entre animais treinados para lutar. No mundo real os “treinadores” de bichos os colocam em uma arena para brigarem até um morrer ou ficar muito ferido. Os Pokemons não morrem nos desenhos animados mas sempre saem feridos e em vários episódios, tão feridos que precisam ser tratados em hospitais.

    Nas rinhas da vida real os animais mais utilizados são galos, cães e pássaros (principalmente os canários). Assim como os Pokemons que “evoluem” à medida que vão vencendo competições os animais reais também sofrem manipulações  genéticas e cruzamentos para gerarem animais mais aptos à luta.

    No Brasil, assim como na maior parte do mundo civilizado, as rinhas são proibidas. Na minha opinião esse desenho dessensibiliza as crianças em relação à crueldade com os animais e gera aceitação de um comportamento covarde e manipulador. Sim, porque simbolicamente Pokemons são animais. Muitos inclusive com extrema semelhança a animais reais. Os Pokemons geralmente vivem livres na natureza e são capturados e confinados em Pokebolas onde serão domesticados e preparados em treinamentos. É interessante como não vejo por aí ninguém se opor ou mesmo analisar o estímulo que esse “singelo” desenho animado faz à rinha, essa atividade ilegal, cruel e covarde.

  3. os outros

    Sem dúvida existem milhares de excelentes aplicativos que podem ajudar em várias coisas do dia a dia.

    Voce baixa, usa, descarta, quando orecisar pega outro, etc

    Muita coisa inteligente na internet que nao invade sua privacidade, nem entrega dados da sua cidade, nem faz voce passar por idiota.

    Seja qual for a idade.

    Seria muito bom que se multiplicassem por aqui os textos, artigos sobre esses tantos apps e utilitários diversos.

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