Por que Chomsky desconfia da internet?

Jornal GGN – O telégrafo e as bibliotecas públicas tiveram um impacto muito maior nas comunicações e no acesso à informação do que a internet. A revelação foi feita à BBC Mundo pelo ativista político e crítico do poder, Noam Chomsky, no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), onde, em 1962, John Carl Robnett Licklider concebeu pela primeira vez a idéia de uma rede global.

Para ele, o telégrafo foi verdadeiramente revolucionário. “A transição entre a comunicação que permitia a navegação a vela, e a que permitiu o telégrafo foi muito maior que a gerada pelas diferenças entre o correio tradicional e a internet”.  “Há 150 anos uma carta enviada para a Inglaterra, teria resposta após uns dois meses, porque viajaria de barco, e talvez nem chegava ao seu destino”. “Quando surgiu o telégrafo a comunicação se tornou praticamente instantânea, e agora que temos a internet é só um pouco mais rápida.”.

Chomsky crê que as revelações do ex-analista de inteligência Edward Snowden sobre a espionagem nos Estados Unudos (EUA) são uma prova de que os governos podem aliar-se a grandes corporações para usar a rede contra os cidadãos. Para ele, as lentes do Google [Glass] são “orwellianas e ridículas” e que a internet pode isolar e radicalizar as pessoas. 

Autor de mais de cem livros e pesquisador que revolucionou a linguística, Chomsky reconhece que a rede pode ser valiosa e, ele mesmo, a usa o tempo todo, mas de seu escritório em Cambridge, nos EUA, desmitifica seu impacto e se pergunta sobre suas consequências. “A internet representa uma mudança, mas houve mudanças maiores quando se vê o último século e meio”. 

Veja algumas pérolas sobre tecnologia:

Internet vs. bibliotecas

“Há um século, quando foram instaladas bibliotecas públicas na maioria das cidades ianques, a disponibilidade de informação e o incremento na riqueza cultural foram maiores do que a gerada pela internet. Na biblioteca (…) você pode confiar que o material terá certo valor porque passou por certo processo de avaliação. Agora, você não tem que cruzar a rua para ir à biblioteca, pode ter acesso à informação em sua própria sala, mas a informação já estava ali, cruzando a rua”. 

“A diferença entre a internet e uma biblioteca é menor do que a diferença entre a ausência de uma biblioteca e uma biblioteca… Na biblioteca, além disso, você pode, pelo menos, confiar que o material terá um certo valor porque passou por certo processo de avalização. A internet é uma soma de idéias malogradas, e é difícil distinguir entre o que alguém pensou enquanto cruzava a rua e o que o outro estudou com profundidade”.
 

Impactos no dia a dia

“Caminhar falando pelo telefone é uma forma de manter-se em contato com outros, mas, é um passo adiante ou passo para trás? Creio que provavelmente seja um passo para trás, porque está separando as pessoas e construindo relações superficiais. Em vez de falar com as pessoas cara a cara, de conhecê-las por meio da interação, há uma espécie de caráter casual dessa cultura em desenvolvimento”.

“Conheço adolescentes que acreditam que tem centenas de amigos, quando na realidade estão muito isolados. Quando escrevem no Facebook que amanhã tem um exame, alguem lhes responde ‘espero que vá bem’ e concebem isso como amizade”.

“Apesar de não visto ainda qualquer estudo sobre isso, penso que a nova tecnologia está isolando as pessoas num grau importante e separando-as umas das outras. Mais ou menos abertos mentalmente? A internet dá acesso instantâneo a todo tipo de idéias, opiniões, perspectivas, informação. Isso tem ampliado nossas perspectivas ou as tem tornado mais estreitas?”

“Os mais jovens (…) vivem numa sociedade e cultura exibicionistas, na qual se coloca tudo no Facebook, onde se quer que todo mundo saiba tudo sobre você. Creio que ambas. Para alguns, tem ampliado. Se você sabe o que estás buscando e tem um sentido razoável de como proceder, a internet pode ampliar suas perspectivas. Mas se te aproximas da internet de maneira desinformada, o efeito pode ser o oposto”.

“A maioria usa a internet como entretenimento, diversão. Mas da minoria que a usa para adquirir informação, o que se pode ver é que as pessoas localizam muito rapidamente seus sites favoritos e os visitam porque reforçam suas próprias idéias. Então você fica viciado nesses sites, que lhe dizem o que você está pensando, e você não vê outros. Isso tem um efeito de autorreforçamento; o site se torna mais extremista, e você, mais extremista, e se separa ainda mais dos outros”.

Tudo sobre você

“Só para propósitos comerciais, Google, Amazon e o resto estão colecionando enormes quantidades de informação das pessoas; informação que eu creio que não deveriam ter. Rastreiam seus hábitos, suas compras, seu comportamento, o que você faz e tentam controlar você lhe dirigindo em determinadas direções”.

“A internet é uma tecnologia que está disponível, há muita pressão para usá-la, todo mundo quer dizer ‘eu isto, eu aquilo’. Há um componente de autovalorização. E creio que o estão fazendo em níveis que excedem o que o governo faz. Por isso o governo está pedindo ajuda a elas”.

“Os mais jovens, geralmente não vêem nenhum problema nisto. Vivem numa sociedade e cultura exibicionistas, onde você coloca tudo no Facebook, de onde você quer que todo mundo saiba tudo sobre você. Assim, o governo também saberá tudo sobre você”.

Tudo depende do uso

“Uma tecnologia neutra? Quando os meios para fazer algo estão disponíveis e são fáceis de acessar, são tentadores, e as pessoas, especialmente as mais jovens, tendem a usá-los. A internet é uma tecnologia que está disponível, há muita pressão para usá-la, todo mundo quer dizer ‘eu isto, eu aquilo’. Há um componente de autovalorização”.

“Mas também há toneladas de publicidade… A internet se mercadeja a si mesma como um meio para comunicar-nos e conectar-nos, e até certo nível, isso é certo: pode contatar amigos autênticos em diferentes parte do mundo, na índia, no Oriente Médio, no Chile, em qualquer lugar. E posso interagir com eles de uma forma que seria muito difícil pelo correio”.

“Mas por outro lado, a internet tem também o efeito oposto. É como qualquer tecnologia: é basicamente neutra, pode usá-la de forma construtiva ou destrutiva. As formas construtivas são reais, mas muito poucas”.

Redação

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