Uma Internet para pobres e outra para ricos, por Alejandro Nadal

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Alejandro Nadal  

Na Carta Maior

Há cinco dias, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, segundo a sigla em inglês) dos Estados Unidos decidiu revogar as regras que impedem os provedores de serviço de Internet acelerar, bloquear ou tornar mais lento o acesso a certos conteúdos, aplicações ou sítios da rede. A administração Trump cumpre assim sua promessa de desmantelar a regulação herdada de seu predecessor e colocada em vigor em 2015 para garantir a neutralidade da rede. Os argumentos são os mesmos que escutamos quando se quer justificar qualquer desregulação: a intervenção governamental é um obstáculo para os investimentos e para a introdução de inovações, o que impede melhorar o serviço.

Começa assim o processo de destruição do princípio de não discriminação na rede. As implicações desta série de medidas afetarão todos os espaços de comunicação e a própria vida democrática. O acesso a vozes independentes e ao conhecimento científico está em perigo mortal. E isto não é um problema exclusivo dos Estados Unidos. Suas consequências no México e na Europa podem ser devastadoras.

A votação que permitiu a implantação dessa medida foi acirrada, pois dois dos cinco membros da comissão votaram contra o projeto, que carrega o enganoso nome de “Ordem para restaurar a liberdade na Internet”. O resultado final é muito importante porque é a primeira vez que a FCC renuncia à sua missão de servir ao público. O mais negativo dos pontos do projeto é o que impede a própria FCC de intervir quando algum provedor de serviços de Internet comece a manipular tarifas e velocidades de acesso ou crie plano para bloquear conteúdos que considere indesejáveis.

Contudo, muitos analistas consideram mais grave o fato de que será difícil para os usuários perceberem o que está acontecendo com seu acesso à rede. Em alguns casos, poderão experimentar uma lentidão incomum para uma determinada página ou canal, ou receberão a notificação de que o website que buscam não está disponível. Porém, outros sítios continuarão sendo acessíveis a boa velocidade e sem risco de que o sinal seja interrompido. Os usuários ficarão perplexos.

Sem saber, terão perdido o direito de escolher livremente seu roteiro de navegação. Assim, a Internet deixará de ser o espaço livre ao que estamos acostumados e se tornará um recinto cercado onde tudo é possível para os provedores, desde a discriminação por conteúdos até a descarada censura.

Nas audiências públicas da FCC sobre estas reformas, os representantes dos principais provedores de serviços de Internet asseguraram que nunca adotariam práticas deste tipo, em detrimento da livre circulação de ideias em termos igualitários. Mas é absurdo acreditar na palavra dessa gente. São os mesmos provedores que investiram milhões de dólares em lobby para conseguir essa desregulação, e isso tem um porquê.

Outro argumento para justificar o fim da neutralidade é que a desregulação permitirá aumentar a concorrência no setor. Mas a verdade é que o setor já é refém de um ferrenho oligopólio que hoje busca garantir mais rentabilidade ao construir um muro digital que separaria a Internet em pacotes para ricos e para pobres. Nos Estados Unidos, as três principais companhias desse setor (AT&T, Verizon e COMCAST) controlam mais de 70% do mercado de banda larga de alta velocidade (definida pela FCC como uma capacidade superior a 25 Mbps). E os dados do censo de telecomunicações mostram que somente 9% dos usuários pode escolher entre dois ou mais provedores do serviço de alta velocidade.

Ou seja, se trata de um mercado altamente concentrado no qual é difícil que a desregulação crie uma concorrência e permita reduzir preços.

Para países como o México ou os membros da União Europeia, o exemplo que vem dos Estados Unidos é uma má notícia. No México, o mercado também se encontra altamente concentrado. A Lei federal de telecomunicações supostamente preserva o princípio de neutralidade da rede, mas um excelente estudo da organização R3D revela que os parâmetros para a aplicação da lei nunca foram definidos, o que é um mau presságio. Por outro lado, a renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte pode ser o cavalo de Troia para impor as nefastas reformas de Trump no espaço digital mexicano. Se lembrarmos, ademais, dos termos da nova Lei de Segurança Interior estadunidense, o panorama se torna ainda mais sinistro.

Em novembro Trump, designou Ajit Pai, antigo advogado da Verizon, como presidente da FCC. Durante toda a sua carreira, este personagem foi um forte inimigo do princípio da neutralidade na rede. Hoje, parece que seu objetivo está a um passo de ser alcançado. Mas a luta não termina aqui. Milhões de pessoas e milhares de organizações estão protestando. Centenas de liminares judiciais já foram apresentadas para tentar frear a decisão da FCC, mostrando que ela viola a Lei Federal de Comunicações. A batalha legal está apenas começando. O próximo ano será decisivo para a sobrevivência da Internet.

Publicado em 27/12/2017

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. phuturo

    Num futuro não muito distante, a China colocará uma rede de satélites que atenderá consumidores de telefonia e internet em todo o mundo, sem restrições, com tarifas módicas e hipervelocidades.

    Vivos, Nets, AT&T, Claros, Verizons da vida serão passado!

    Amém. 

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