A gente via o agronegócio crescendo nas costas daqueles que eles massacravam

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Oxfam Brasil

“A gente via o agronegócio crescendo nas costas daqueles que eles massacravam”

Entrevista com liderança de comunidade de posseiros em Pernambuco – é a 2a da série sobre mulheres e direito à terra

Edina Maria da Silva é uma jovem liderança da comunidade de posseiros do Engenho Barra do Dia, pertecente à falida usina Vitória, de cana-de-açúcar, localizada em Palmares, Pernambuco. A usina foi flagrada em 2008 com trabalhadores em condições análogas à escravidão, e faliu. As famílias que moram no local há cerca de 80 anos hoje aguardam a formalização da desapropriação da área para reforma agrária, e com isso terem seus direitos garantidos.

Edina mora há sete anos na comunidade e lembra com tristeza da época que sua mãe, também agricultora, trabalhava para uma outra grande usina de açúcar da região, a Catende, onde era constantemente humilhada e desrespeitada. “Minha mãe foi muito humilhada com o agronegócio, por ela ser mulher”, diz Edina. “Não garantiam os direitos dela. E a gente via o agronegócio crescendo nas costas daqueles que eles estavam massacrando.”

Hoje, Edina tem sua própria roça e a vida melhorou bastante, diz. “Quando a gente começou a trabalhar para a gente mesmo, depender da gente mesmo, na área de agricultura familiar, mudou bastante.” Mas ainda há desafios importantes a serem enfrentados. Latifundiários vivem querem tomar as terras dos pequenos agricultores, e atravessadores que compram as mercadorias da comunidade estão sempre oferecendo muito menos do que valem os produtos. “Só quem sabe o valor da mercadoria é quem planta, quem cria. Quando eles vão comprar, querem humilhar, colocam o preço lá embaixo.”

Esta é a segunda entrevista da série sobre mulheres, terra e desigualdade que estamos produzindo – a primeira foi com a líder terena Ana Sueli Firmino, do Mato Grosso do Sul. A ideia surgiu após oficina que realizamos em São Paulo com 15 mulheres de comunidades rurais, movimentos do campo, agriculturas, quilombolas, lideranças de povos indígenas e comunidades tradicionais, de diversas regiões do país para debater a relação de mulheres com o direito à terra, desigualdade no campo os impactos do agronegócio em suas vidas.

Em 2106 lançamos o relatório Terrenos da Desigualdade: terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural e nele mostramos diversos dados que revelam a grande concentração de terras no país, como o fato de as maiores propriedades terem sido as que mais receberam incentivos e foram melhoradas, com acesso a créditos, pesquisa e assistência técnica com o objetivo de produzir para exportação ou atender à indústria agroindustrial.

Leia a entrevista com Edina Maria da Silva:

Como você vê a questão de desigualdade de terra no Brasil?

É uma desigualdade muito grande. Só temos garantia de terra no papel. Mas na realidade, não temos. Principalmente mulheres, a juventude… é como se nós não tivéssemos direitos.

Na questão do acesso à terra, quais são os impactos do agronegócio?

Falando por experiência própria, machuca, dói, humilha. A minha mãe foi muito humilhada com o agronegócio, por ela ser mulher, sempre tem essa questão de gênero. Ela trabalhava para a usina Catende. Eles diziam que ali não era o lugar dela. Quando não conseguia cumprir a cota dela, era tachada como ‘mole’. E ela adoecia, chegava em casa doente, não podia ir trabalhar no dia seguinte – e eles não aceitavam os atestados (médicos) dela. Não garantiam os direitos dela. A gente via eles crescendo, o agronegócio crescendo nas costas daqueles que eles estavam massacrando, humilhando. Então, o agronegócio é algo que machuca, humilha as pessoas.

Agora você trabalha na sua própria roça. Como funciona?

Hoje a gente tem nossa própria plantação, e não é mais humilhado – não tanto como antes, porque ainda tem os grandes latifundiários que querem tomar as nossas terras, nós vivemos em constante processo de luta. E tem também a questão dos atravessadores. Só quem sabe o valor da mercadoria é quem planta, porque tem o trabalho de plantar. Mas eles (os atravessadores) chegam e colocam o preço das mercadorias dos agricultores lá embaixo. As mulheres têm suas plantações de hortaliças, criam suas galinhas, suas cabras, e quando eles vão comprar, querem humilhar. Elas sabem o preço que valem as mercadorias, e eles dizem que não, e colocam o preço lá embaixo. Mas hoje vivemos melhor do que antes, muito melhor. Quando a gente começou a trabalhar para a gente mesmo, depender da gente mesmo, na área de agricultura familiar, mudou bastante. Mas precisa mudar muito mais ainda.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Agronegócio e Agricultura Familiar

    Como ressalto em meus artigos e a Edna mesmo afirma, “a vida melhorou quando teve sua própria roça”. Se o governo, através de projetos, como os vejo no Nordeste, apoiar a agricultura familiar, a vida só melhora.

    Quanto ao setor canavieiro (usinas) em Pernambuco perderam muito em representatividade e as quebras ocorrem mais por má gestão e desvio de recursos do crédito rural.

  2. A gente….

    Esta Bipolaridade Tupiniquim associada a esta fraude ideológica, mantém o país neste atraso há 88 anos. Nunca foi o Agronegócio. Agronegócio é uma pujança maravilhosa, da qual Somos a país mais capacitado e competente, que obtemos quando países comunistas, como China,  entraram na Economia de Mercado a partir do final da década de 1970, expandindo o Comércio Mundial, aumentando os volumes de vendas e mercadorias de forma estratosférica. O primeiro dos itens a sentir esta transformação seria Alimentos e a Cadeia Produtiva da Agricultura e Pecuária. Mas, Estúpidos AntiCapitalistas. Marxistas de Academicismos e Ilusões, não sabem aproveitar em benefício de sua População e própria Nação, os recursos que julgam naturalmente conquistados. Não o são. Podem ser perdidos, como estamos fazendo. É preciso Competência e Trabalho. Somos também, segundo nossa Esquerdopatia, ‘Latifundiários’ das maiores reservas de minérios do planeta e de ‘Arabia Saudita’ no Oceano. De nada nos servem. Nossa miséria só aumenta, década após década, mesmo tendo este fabuloso e inigualável tripè econômico (agropecuária, petróleo, minerais) num país continental, ‘proprietário’ do sol e da água deste planeta, com uma população, agora e ainda, de apenas uns 200 milhões de habitantes. Assim é também outra imbecilidade desta matéria , em associar a pobreza de tal gente com Agronegócio. Esta condição, foi mantida quando juntamente com Ditadura Militar, se abandonou um Estado controlado pe la Sociedade Civil, há quase 1 século. O Coronelato mais baixo e atrasado, se juntou a esta Ditadura que ascendia. Produção de Cana no Nordeste, que já estava sendo superada pela Produção Agropecuária do sul do país, foi mantida para perpetuar feudos e estrutura política vigente nesta parte do Brasil. A manutenção de Engenhos era só cortina de fumaça para manter jagunços e feudos coronéis. A produção Agropecuária de nada importava. O Parasitismo do Estado era o alicerce desta política. Não à toa, na primeira oportunidade de redemocratização nacional, estes Coronelatos e Engenhos ruiram, um a um. A Agropecuária com Resultados, ou o tal do Agronegócio, tomou conta de áreas que supunham não poder haver agricultura em várias regiões do NE, inclusive abocanhando antigas fazendas e Engenhos Coronéis. Então a Vida desta sra. citada na matéria, começou a melhorar. Graças ao Agronegócio, que além de produzir produtos e mercado agropecuários, ainda reverteu estruturas políticas arcaicas e ditatoriais. E não o contrário. Mas continuemos dando porrada em ponta de faca. Estamos indo bem. O Brasil/2018 esta aí para nos confirmar tal realidade.       

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