Empresas de segurança e cidadão em risco, do Blog Direitos Humanos no Trabalho

Por Caiubi Miranda

Do Blog de Direitos Humanos no Trabalho

Vira e mexe vemos no noticiário cidadãos mortos ou feridos por guardas e vigilantes. São empregados de empresas que vendem serviços de segurança para outras empresas, em especial os bancos e, em menor escala, o comércio.

Qualquer pessoa com uma arma na cintura é uma bomba prestes a explodir, um risco permanente para todos que estão ao alcance de seu 38. Por isso, a atividade tem uma regulamentação especial que envolve autorização e fiscalização da Polícia Federal.

A imensa maioria – se não a totalidade – das empresas que prestam serviços de vigilância e segurança desrespeitam sistematicamente pelo menos dois aspectos da legislação trabalhista e, dessa forma, acabam colocando os cidadãos comuns no trajeto de uma bala perdida.  Ou simplesmente sendo confundidos com assaltantes.

Os seguranças e vigilantes têm, na sua maioria, um regime de jornada de trabalho diferenciada que é conhecida por jornada 12X36. É uma jornada prevista pela legislação que pode ser aplicada a determinadas categorias profissionais, desde que amparadas por um acordo sindical. E é no desrespeito a essa jornada diferenciada que mora o perigo.

Nessa jornada especial, o empregado trabalha 12 horas consecutivas e, em seguida, folga 36 horas.  As 12 horas de trabalho são pagas sem os acréscimos habituais das horas extras.  Na prática, o que ocorre é que as empresas trabalham com o menor contingente possível e não têm empregados adicionais para cobrir as faltas ao trabalho que giram em torno de 5%. Com isso, ficou institucionalizado o que eles chamam de “dobra”. Ou seja; um vigilante trabalha 12 horas consecutivas num cliente e, para cobrir as faltas, são “convidados” a dobrar a jornada, normalmente em outro cliente da empresa de segurança para não chamar a atenção.

Segundo os especialistas, uma jornada tão extensa, sobretudo se habitual, acaba interferindo na capacidade de discernimento do vigilante que, com um 38 na cintura, pode tornar-se um risco para todos. Pela magnitude da fraude, as empresas de segurança tomam algumas precauções: as “dobras” nunca são registradas em sistemas oficiais de cartão ponto e o seu pagamento é “por fora”, não consta dos demonstrativos de pagamento. Como o salário do vigilante gira em torno de R$ 1.500,00 nunca faltam candidatos às “dobras” para equilibrar seu orçamento doméstico.

Uma segunda fraude trabalhista agrava a situação.  A legislação original que criou a jornada 12X36 falava em 12 horas de trabalho consecutivas, não havendo previsão de intervalo para alimentação e descanso. Uma súmula posterior do Tribunal Superior do Trabalho corrigiu a legislação original e instituiu uma hora de intervalo na jornada de 12 horas e uma multa de 50% do valor da hora para as empresas que descumprissem o intervalo na jornada. Nada melhor para as empresas. Embora não fosse esse o espírito da súmula do TST, tornou-se muito mais barato e mais fácil do ponto de vista logística pagar a multa e manter a jornada ininterrupta (com 10 ou 15 minutos para a marmita).

Essa possibilidade – a supressão do intervalo de descanso – passou a constar dos acordos coletivos, embora seja claramente ilegal.  O TST em julgamentos posteriores entendeu que, pela natureza da atividade do vigilante, o intervalo para descanso era um direito indisponível e, como tal, que não poderia ser suprimido pelos acordos sindicais.

Com as “dobras” frequentes e sem o intervalo para descanso, o cansaço e a tensão do vigilante aumentam muito assim como o risco dele usar sua arma indevidamente.

O que torna a situação mais grave situação é que os tomadores dos serviços de segurança e vigilância conhecem as irregularidades trabalhistas cometidas pelas empresas contratadas, com a conivência dos sindicatos dos empregados. Alegam ser “prática usual do mercado”. Sem isso, os preços dos serviços teriam que ser revistos para suportar os custos das “dobras” e dos intervalos interjornadas. “Isso seria ruim prá todo mundo,” alega o proprietário de vigilância. “Aumentaria o nosso custo e teríamos que repassar esse custo ao cliente”, completa ele. Seria ruim mesmo. Exceto para os vigilantes e para nós, cidadãos incautos sob o permanente risco de tomar um tiro.

Caiubi Miranda

Redação

1 Comentário

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  1. Ajudei a criar o Sindicato

    Ajudei a criar o Sindicato dos Vigilantes de Osasco e o defendi em seu primeiro dissidio de greve. Prestei serviços eventuais para aquele Sindicato durante algum tempo e no meu escritório estou acostumado a defender vigilantes contra empregadores que não pagam horas extras, não depositam FGTS, demitem empregados por justa causa de maneira abusiva, etc.

    Há algum tempo advoguei para um grupo de vigilantes que foram dispensados por uma empresa que encerrou suas atividades. Ninguém havia recebido nada do empregador. A empresa fechou, mandou mais de 100 vigilantes embora e o empresário sumiu. Na fase de execução das sentenças condenatórias proferidas nas reclamações trabalhistas fui procurado por um de meus clientes que estava furioso. Ele brandia uma revista VEJA e dizia que ia matar o ex-empregador. Disse-lhe que não o aconselhava a fazer isto e que não poderia ajudá-lo ou incentivá-lo a agir de maneira criminosa. Procurei saber porque ele estava irritado, ele abriu a VEJA na minha mesa.

    A revista VEJA trazia uma matéria laudatória de duas capas contra o dono do ex-empregador do meu cliente. Havia uma bela foto dele, informações sobre sua carreira empresarial e uma longa dissertação acerca de como ele era um exemplo de responsbilidade social. A matéria finalizava dizendo que ele havia doado 50 mim reais ao programa Fome Zero.

    Os processos dos meus clientes haviam chegado num beco sen saída. A empresa não tinha nada que pudesse ser penhorado. A execução contra o dono da mesma (o sujeito elogiado pela VEJA) também resultou frutífera, pois nenhum bem dele foi localizado. Disse ao meu cliente que ficaria com a revista e pediria a penhora do dinheiro doado ao Fome Zero, pois o devedor não poderia fazer doações em prejuízo dos credores judiciais.

    Um Juiz Trabalhista de São Paulo deferiu a penhora e o mandado foi expedido. Algum tempo depois os responsáveis pelo Fome Zero informaram no processo que o dinheiro não poderia ser penhorado e transferido aos credores trabalhitas porque o cheque de 50 mil reais referente à doação mencionada na VEJA havia voltado por falta de fundos. Cópia do cheque devolvido duas vezes foi juntada ao processo.

     

     

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