Comandante Rolim e os estagiários do Banco Nacional

Por Emerson de Pieri

Comentário ao post “Carta à presidente da TAM

Era inverno de 1989, nós estávamos no aeroporto Santos Dumond no Rio de Janeiro, quando uma moca muito bonita e simpática nos interceptou e nos convidou para voar na TAM. Naquela época, o Electra ainda era estrela na ponte-aérea e nós gostavamos de viajar lá no fundão, onde tinham aquels bancos em forma de “U”. Ali, dava para fazer uma bagunca mais completa.

Quem éramos nós? Nós éramos a nova elite de um banco que brilhava na época. Éramos o primeiro grupo de universitários, contratados para fazer parte do melhor programa de estagiários do mercado: Jovens Talentos do Banco Nacional. Dentre 2.100 candidatos, foram eleitos para fazer parte do programa 15 pessoas, dentre eles, eu. Éramos chamados de “Nacional Kids”, por que, apesar se sermos estagiários, tínhamos salários muito acima do mercado e funções definidas em nossas áreas. No meu caso, eu estava alocado na diretoria Nichos de Mercado. 

Bem, não foi preciso muito para a moca simpática nos convencer a usar nossos bilhetes da Ponte Aérea para embarcar num Fokker 50 da TAM. Além dela ter sido muito simpática, e de ter atributos que nós, garotos, não podemos deixar de olhar…risos…um dos fatores principais usados para o convencimento era de que a comida a bordo era muito melhor e que compensava os 20 minutos a mais que passaríamos voando. 

Como os Nacional Kids viviam com um buraco no estômago, isso soou como música para nossos ouvidos. Decidimos embarcar. 

Já na entrada da aeronave, tinha um cara que nos dava as boas vindas. Achamos aquilo o máximo! Três estagiários sendo cortejados e paparicados. Como sempre, sentamos no fundão. Decolamos umas 19hs com destino a Sao Paulo.  

O Fokker fez um voo panorâmico pelo Rio que jamais tinha visto! Realmente um barato! Como não parávamos de falar, um senhor saiu da cabine do avião, veio em nossa direção e puxou papo. Por coincidência do destino, nós ainda estávamos usando o crachá do banco pendurado em nosso pescoço. Tínhamos saido atrasados da Av. Rio Branco, no centro do Rio, onde era a sede do banco. 

Quando o servico de bordo chegou, me lembro que um dos estagiários já mandou rasgando: “que se danem a Varig e Vasp. Sou TAM e não abro ! Olha só este rango !”

O senhor que nos fazia companhia disse que trabalhava na empresa, que era piloto, etc, e que queria ser o líder do mercado. Nós olhamos um para o outro, e numa transmissão de pensamento dissemos: “este Mané é dos nossos. Se nossa meta no banco é ser o líder, porque ele também não pode ser ?”

Aí, puxamos um bloco de notas e começamos a escrever o que faríamos para nos tornar líderes no setor aéreo. Usando a pouca experiência que tínhamos e toda a nossa cara-de-pau, dissemos a ele que, se nossas ideias agradassem, gostaríamos de ganhar uma passagem para o Rio com direito a acompanhante. Obviamente, isso nos rendeu uma tremenda saia justa no banco, que narro no final. 

O senhor sorriu e disse: se voces mostrarem servico, porque não? Comecamos a viajar nas estratégias:

· Eleger um nicho (rota) e ter o melhor serviço em terra e a bordo ampliando após consolidado (efeito espiral);

· Focar em executivos, que demandam conforto e agilidade;

·  Foco em pessoas entre 20 e 30 anos, para que este jovens pudessem ser o “colchão” de fidelização da empresa no futuro;

· Formatação do conselho do cliente. Passageiros convidados a opinar mensalmente sobre os serviços da TAM, com “mandato” de 1 ano e subordinado à presidência;

· Ter horários um pouco mais cedo partindo de São Paulo e mais tarde para voltar ao Rio;

· Eleger a radio-peão como melhor forma de marketing (mount-to-mouth);

· Ter sempre aero-jovens nos aviões, fugindo da aero-velhas da Vasp e Transbrasil;

· Aviões limpos e banheiros cheirosos! Todos com Gleid sachet ! ;

· Nada de copinhos pequenos que davam uma agonia danada quando o refrigerante ia acacabando e o sanduíche super seco ainda não estava no fim…

· Banir os lanches “asiáticos” (aqueles que você come e MORRRE de asia)

· Fila exclusiva para quem não tem bagagens

· Procurar financimento para crescimento da frota nos fornecedores de combustível, usando recebíveis dos cartões de crédito e mais contratos de exclusividade

· Tentar trazer equipamentos que não tenham na América do Sul, tendo assim melhor condição de barganha nos preços

Faltavam alguns minutos para aterrisar, o comissário veio em nossa direçãoo e disse: “comandante Rolim, já estamos em procedimento de descida”.

Sim galera, o “senhor” que tinha ficado conosco a viagem todo era o dono da empresa ! Nós imaginávamos que o tal Rolim era o piloto chefe, mas não o dono! Desembarcamos, demos nossos cartõess de visita a ele e formos embora.

Dois dias depois, meu chefe me chamou na sala dele e perguntou como tinha sido minha viagem ao Rio. Eu disse a ele, que meu relatório de viagem já tinha sido lido por ele…aí o Jorge (meu chefe) foi logo ao assunto: quer dizer então que o senhor anda dando consultoria para a TAM nos horários vagos ?

Eu não sabia o que fazer. Fiquei mudo. O Jorge me pediu para colocar o paletó e subir para o restaurante da diretoria, porque iria no almoco com ele. O silêncio no elevador era tão constrangedor, que não sabia bem o que dizer…estava ensaiando um discurso para quando o assunto voltasse a tona.

Ao chegar no restaurante, vi meus outros 2 colegas estagiários, e logo em seguida saindo da sala VIP o Sr. Diniz, VP do banco e o Comandante Rolim.

Ambos vieram com um sorriso estampado no rosto ao verem nossas caras, e nossos chefes caíram na risada quando o Sr. Diniz nos cumprimentou dizendo: “se todos os estagiários do banco souberem vender o Nacional como vocês vendem, vou autorizar dobrar o número de novos entratantes no programa.”

Durante o almoco, o Comandante Rolim, com uma simpatia única, descreveu ipsis lietris o quê tínhamos dito a ele, e tomou o cuidado de omitir que tínhamos tomando 1 ou duas tacas de vinho…risos…Também disse que nossas ideias tinham sido aprovadas em sua maioria pelo pessoal de marketing da empresa.

Me lembro como se fosse hoje, o momento que ele tirou do bolso os vouchers com nossos bilhetes para o Rio com direito a acompanhante. E por parte do banco, ganhamos duas diárias em um hotel, por ter trazido um cliente como a TAM para o banco.

Após este dia, nós falamos com o Rolim mais 3 ou 4 vezes, a última delas era para que eu pensasse em me unir a TAM, para criar e ser o gestor do Conselho de Clientes.

Infelizmente, o Rolim agora voa nas estrelas e a TAM esqueceu-se dos valores, agilidade e foco no cliente que ele tinha.

Hoje, sou membro do Conselho de Clientes da TAM. Se antes éramos sempre consultados, hoje somos IGNORADOS.

Emerson de Pieri 

Redação

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  1. Feijoada, caipirinha e vinho branco

      Oh época boa, cheguei a pegar feijoada com caipirinha, em voos ponte aerea, tanto TAM quanto VRG em uma era não tão distante, tinham a cada dia, na hora do almoço ( 11:30 – 14:30), pratos regionais em seus voos, e um lauto café da manhã – quanto a “salinha” do L-188 Electra II, la no fundo (somente em 4 ou 5 da VRG), o barato era tomar um Red, acompanhado de um monte de amedoim e castanha de caju, descer no Rio meio bebado – Incrivel: uma vez em um voo turbulento, CGH – Santos=Dumont, não veio o jantar ( o trolley não conseguiu firmar), a comissária só serviu snacks e bebida – ainda pediu desculpas, pelo péssimo serviço.

       Legal tambem era pegar os VRG domésticos, eu adorava as garrafinhas de vinho branco, e como eu bebia muito e circulava bastante, as tripulações já sabiam (não rodiziavam tanto – o ht /hd era respeitado), que eu sempre “levava” uma ou duas garrafinhas, no saco de vomito – tanto na ida, quanto na volta – teve um tempo que a comissária já separava, me entregando no desembarque.

        ACABOU, PASSOU, JÁ ERA : Agora nos chamam de “clientes”, mas na real somos os “pax”: um volume de média 75 Kg + 30 Kg de bagagem, 1,72  de altura, que consome na pressurização uma determinada quantidade de oxigenio ( dependendo da lotação da aeronave, pode-se diminuir a rotação das trocas na cabine), substituem-se latas de refri por 2.0 l ( na troca por milhagem com o distribuidor) e os sucos “naturais” de caixinha ( sem paga-los, é merchant).

         Já era mesmo: O Nassif comentou sobre o ar-condicionado em terra, avião parado no finger ou na remota ( do busão), fica desligado mesmo, e a desculpa é: a APU (auxiliary power unity) de um -319/320/321 ou de um 737NG, que faz o ar-condicionado funcionar, custa 75 Kg de Qav/h, com o Qav há R$ 2,50 p/Kg, é custo.

          Aguardem agora: subida “americana” ( chegar a 30.000 pés, no menor tempo possivel), aproximação no degrau longo – futuramente: saem as cadeiras – na economica viajaremos recostados, amendoim será só para a executiva II.

          Rolim, caso estivesse vivo, já teria caido do “altar” e encarado a realidade – de santo não tinha nada, era tão marketeiro como varios outros, mas teria vendido a TAM bem melhor.

  2. Eh, lembro desse tempo.

    Eh, lembro desse tempo. Varig, Tam, Vasp e Transbrasil. O que aconteceu com a aviação brasileira ? Aumentou o numero de passageiros, mas o conforto de voar, não existe mais.

  3. A figura simples do Comte ROLIM

    Essa figura excepcional faz falta ao nosso cenário! Homem lindo por dentro e por fora (  literalmente falando )  deve estar encantando os moradores do céu. Foi embora muito cedo! Tinha muito ainda a ensinar aos que se consideram experts em gestão. Sempre mereceu elogios por suas ideias e atitudes decentes.  Uma pena! É difícil esquecer aquele sorriso largo e cordial.

  4. Viajei muito de fooker 100

    Viajei muito de fooker 100 TAM. Morria de medo, porque havia lido sobre avaliação internacional das empresas aéreas e a TAM foi uma das primeiras colocadas no quesito satistação do cliente, mas, em compensação, estava em último no quesito segurança. Nunca deixei de fazer minhas necessárias viagens, mas que eu sentia um pouquinho de insegurança nesse avião da tAM, não nego. Não conheci o sr. Rolim, mas todos que falam sobre ele, o exaltam.

  5. Ícone da Aviação Brasileira

    Rolim era apaixonado por motocicletas e aviões.

    Rolim Amaro em uma de suas viagens, na Argentina.

    Ele atribuía o seu estilo interiorano e a simplicidade ao fato de ter nascido em Pereira Barreto, no oeste paulista, em 15 de dezembro de 1942.

    Filho de comerciantes de secos e molhados, descobriu a sua paixão para voar com o seu tio que tinha um monotor e o levava para passear.

    Antes de se tornar piloto profissional, foi assistente de mecânico, aprendiz de escrevente em cartório e entregador de sanduíches.

    Estudou até a sétima série, que abandonou para ajudar o pai, e, apesar do pouco dinheiro que ganhava, comprou uma lambreta aos 18 anos, em 1960, e obteve a sua habilitação para pilotar.

    “Aquele cheiro de gasolina, com o vento balançando a grama nas pistas, para mim sempre foi inebriante. Acho sinceramente que tem um efeito muito superior a um Chanel Nº 5’, gostava de afirmar.

    Miguel Pacheco Chaves, em relação ao acidente que vitimou o seu amigo de mais de 30 anos, afirmou: “Para piloto de avião, o helicóptero é uma armadilha. Rolim superestimou a própria habilidade e morreu como gostava de viver: correndo riscos”

    “A TAM provocou uma transformação no serviço aéreo comercial do país. Os passageiros eram considerados um mal necessário. Depois que Rolim começou a tratá-los a pão-de-ló, todas as companhias tiveram de imitá-lo’, disse Constantino  Júnior, presidente da Gol Transportes Aéreos.

    Rolim Amaro tornou-se um dos maiores ícones da aviação do Brasileira depois de Santos Dumont.

  6. Viajei bastante pela TAM

    Viajei bastante pela TAM nesses anos de ouro. Sempre lembro de uma vez que estava embarcando en Congonhas as 7 da manhã e uma chuva fina e persistente caia no aeroporto. Ai, na hora de sair da sala de embarque e caminhar pela pista até a escada do avião, estava o Comandante Rolim, com uniforme de piloto, fornecendo os guardachuvas a cada um dos passageiros e trocando cumprimentos com alguns deles (eu não sabia quem era ele) e o passageiro que sentou ao meu lado logo me esclareceu o fato. Saudades do comandante.

  7. Nossa!!!  Eu lembro do

    Nossa!!!  Eu lembro do Electra….bons tempos.  Lembro dos meus pais me deixarem, em várias ocasiões, com a comissária.  Subia primeiro, pois era criança desacompanhada, sentava na primeira poltrona…..Todas as comissárias eram super cordias comigo.  Chegando ao Rio, a comissária segurava a minha mão e desciamos do avião, primeiro também.  Já no saguão, me entregava para a minha tia que, depois dos papéis conferidos….me pegava.  Eu dava tchauzinho…..e a comissária sempre respondia  com um sorriso e um aceno de mão.  

  8. campos de aviação

    Eu, que embarquei em avião que comportava acho que uns 12 passageiros no campo de Itambacuri com destino a BH – e muito tempo depois me maravilhei com os DC-10 que faziam Rio/ Manaus/ Miami, ouvi muitas belas histórias a respeito desse comandante Rolim.

    Hoje o que sabemos todos é que as companhias aéreas têm raiva de passageiro que não é “passageiro”, elas parecem preferir que cada um viaje apenas uma vez e casque fora. Deixando o máximo de grana, óbvio. 

  9. Um cmt lida com pessoas e
    Um cmt lida com pessoas e equipamentos complexos, um adm com números. Cias aéreas deveriam se comandadas por pilotos, qualificados e claro. Quem pilota boeing 747 não pilota um helicóptero, porém quem pilota um helicóptero pilota um boeing. Ambos são como a moto, foram feitos para serem derrubados.

  10. trem aéreo

    O atendimento e o conforto de voar foi-se perdendo junto com o aumento expressivo de passageiros, principalmente os passageiros de trem.

    Apenas que no Brasil o trem não existe

  11. Maravilhoso relato

    Emerson;

    Fiquei emociano ao ler seu relato.

    Primeiro por eu ser um Ex-Nacional, trabalhei no banco de 1981 à 1996 (infelizmente quando o Banco deixou de exitir e viramos Unibanco), em segundo lugar por eu ser um fã do Comandante Rolim.

     

    Seu relato demonstra e comprova duas instituições que foram muito inovadoras no mercado, o Banco Nacoinal e a TAM.

     

    Por questões mercadológicas, a TAM realmente perdeu o DNA do Comandante Rolim, e pode ser que se o Nacionai ainda existisse, também pudesse ter perdido o seu DNA.

     

    Mas o que importa realmente é parabenizá-lo pelo relato e por comprovar que inovação é resultado de se acreditar em algo e fazer algo com muita paixão, o que sempre presenciei e exercitei no Banco Nacional. AMOR PELO QUE FAZEMOS.

     

    Grande abraço e felicidades SEMPRE.

     

  12. MARAVILHOSA descricao !

    Emerson: me lembro muito bem do Nacional Kids…e tambem da Julieta que lhe contratou ;-P Voce realmente nunca deixou pedra sobre pedra no banco, o Sr. Diniz, sempre dizia que voce ainda sentaria na cadeira dele. Bem, o Nacional se foi. Mas os ensinamentos que deixou sao perpetuos. Um super abraco, meu estagiario querido. Saudades de seu sorriso inebriante, das brigas suas com o Corporate, dos eventos da ABRAS, e quando voce no dia do plano Collor, gritava da janela da sede na Paulista: “Ai Safra ! TAMO JUNTO NA CONTA COM CZ$ 50.00 !!!!!!” 

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