Propostas para o desenvolvimento ferroviário no Brasil

Jornal GGN – Levando em conta a dependência do país do modal rodoviário e as dificuldades que o modelo de concessões tem para atender as necessidades do país no setor ferroviário, o coletivo Imagine Brasil elaborou um texto que aborda a reforma regulatória do setor.

Enviado por Joaquim Aragão

O novo modelo regulatório para as ferrovias no Brasil: incertezas e uma proposta de complementação

Por Joaquim José Guilherme de Aragão e Yaeko Yamashita

Do Imagine Brasil

Laboratório de Infra-estruturas – INFRALAB

Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília

Está em pauta uma profunda reforma regulatória no setor ferroviário. Essa se faz necessária, na medida em que o regime existente de concessões, implantado no governo de Fernando Henrique Cardoso, terá grandes dificuldades em contribuir para a construção de uma série de novas ferrovias, necessárias para o atendimento do território nacional por uma rede de conectividade razoável. E a construção, em médio prazo, dessa rede seria uma condição básica para reverter a dependência crônica do País do transporte rodoviário.

De fato, atuando dentro das regras do regime contratual vigente, as concessionárias aumentaram sensivelmente a produção de transporte e a produtividade. Mas, até porque o contrato não as obrigava a tal, reduziram significativamente os trechos operados, deteriorando adicionalmente o nível já baixo de conectividade de nossa rede. Outras críticas externadas pelo governo são a superconcentração do tráfego em minério e grãos, e o baixo grau de intermodalidade praticada no sistema.

Além disso, o governo vem insistindo em que os trechos ociosos sejam abertos a operadores ferroviários independentes (política de livre acesso), para melhorar o aproveitamento da infra-estrutura disponível.

Dados esses pontos de insatisfação, o governo optou, para os novos trechos, por um modelo inteiramente inovador em nível internacional. Primeiramente, ele introduziu o regime horizontal. Ou seja, diferentemente do regime atual (vertical), onde a concessionária opera os trens e mantém a infra-estrutura, pelo novo modelo as concessionárias iriam se concentrar na implementação da infra-estrutura, sua operação e sua manutenção. Já a venda de tráfego ficaria com a VALEC, empresa estatal.

 A ideia subjacente desse modelo é livrar as concessionárias do risco do tráfego, altíssimo nas novas ferrovias, ao ponto de dificultar a equação financeira dos contratos de concessão; esse risco seria doravante assumido pela empresa pública. Outras características do modelo são:

a)      A livre abertura das ferrovias a operadores ferroviários independentes (OFI´s) credenciados, que pagariam à VALEC pelo direito de usar a infra-estrutura (o preço seria definido por meio de uma “oferta pública”); e às concessionárias, pelo custo de desgaste nas infra-estrutura (“tarifa de fruição”);

b)      O pagamento pela VALEC às concessionárias, ao nível necessário para obtenção de taxa interna de retorno atrativa (regulação pela TIR); tal modelo equivale ao clássico cost-plus, e vem substituir a regra do price cap,  vigente nas concessões atuais.

c)       Nas ferrovias antigas, sob contrato ainda vigente, a VALEC compraria a capacidade ociosa e abriria a via aos operadores autônomos; os preços seriam negociados, visando a manutenção do equilíbrio dos contratos.

Ademais, a liberdade de tráfego às operadoras independentes é vista pelo Governo como uma estratégia para garantir um mínimo de competição na operação ferroviária, com vistas a se obterem fretes competitivos.

As críticas que se fazem a esse modelo advêm, de um lado, das concessionárias atuais, que defendem a permanência do modelo vertical. De outro, o mercado vem externando uma forte desconfiança com relação à capacidade do governo, em especial da VALEC, de honrar os compromissos para com as concessionárias, dado o previsivelmente alto déficit comercial das novas ferrovias por um prazo relativamente longo.

Outros pontos de dúvida podem ser adicionados:

·         Trata-se de um modelo inédito e complexo, que pode trazer insegurança para os agentes privados em virtude da incerteza de resultados e da complexidade das relações e implicações, aumentando os custos de transação.

·         Embora uma das ideias mestras do modelo seja liberar o concessionário do risco de mercado, que é altíssimo nas ferrovias novas, ele pode frustrar esse “alívio”. De fato, o concessionário seria remunerado por dois tipos de tarifa, sujeitando-o ao risco de mercado (pela receita da tarifa de fruição) e a riscos governamentais.

·         O próprio operador também estaria sujeito ao duplo pagamento, sendo que ainda não está claro como seria procedida a “oferta pública” para a aquisição de direitos de uso da ferrovia pela VALEC.

·         A reintrodução do regime de cost plus traz de volta os vícios desse sistema para o Poder Público, que é a considerável assimetria de informação do governo com relação aos parceiros privados. Dificilmente o Poder Público obterá informações confiáveis com relação aos custos reais, se sujeitando a riscos de custos que não deveriam ser por ele assumidos.

·         A previsão, a favor da concessionária, de “receitas de operações complementares” e “receitas extraordinárias”, ainda não definidas, visa tornar o contrato mais atrativo, mas na verdade complica mais ainda a previsão dos ganhos e o controle da remuneração do capital: seriam elas computadas no TIR, ou seriam concedidas de graça ao concessionário, por cortesia do Poder Público?

·         A primeira hipótese torna a previsão do TIR absolutamente opaca, haja vista a grande abertura de possibilidades para essas receitas, com retornos e riscos imprevisíveis; na verdade, o próprio concessionário ficaria desencorajado em correr atrás dessas receitas, pelo esforço e custo adicional que sua obtenção implicaria, a troco da mesma receita principal.

·         No segundo caso, portanto da gratuidade dessas receitas, quem ficaria no prejuízo seria o Poder Público (na verdade, o contribuinte), pois estaria abrindo mão de receitas por ventura consideráveis desses negócios, sem obter uma correspondente redução da tarifa e das obrigações de contraprestação financeira da VALEC.

Entretanto, o fator mais crítico para o sucesso do novo modelo e de qualquer outro modelo (inclusive o vertical) são o desequilíbrio e a incompletude do nosso território. De fato, tal característica básica de nossa geografia econômica produz fluxos relativamente reduzidos e desequilibrados, sobretudo nas fronteiras econômicas. E a ainda crônica falta de um planejamento territorial impede que os diversos potenciais do nosso território possam ser sistematicamente despertados e explorados.

O próprio planejamento dos transportes (PNLT) mostra-se mais preocupado em reduzir os gargalos atuais e previsíveis do sistema logístico corrente para os fortes fluxos de commodities, do que construir o território equilibrado. Na medida em que esses fluxos continuem resultando do processo espontâneo e desigual de territorialização, o alívio dos gargalos sem a contrapartida de se desenvolverem as regiões de uma forma mais equitativa reforça o desequilíbrio territorial.

Por sua vez, as políticas de concessão retalha o sistema logístico em partes lucrativas e não lucrativas. Essa abordagem fragmentária, com foco em projetos específicos, visa em princípio delimitar as responsabilidades do investidor para garantir seu equilíbrio financeiro. Mas na verdade, produz novos riscos de interface e de mercado, ao não contribuir sistemicamente para o desenvolvimento econômico da área de influência e, assim, para a consolidação comercial das ferrovias.

A nosso ver, a viabilização em larga escala dos investimentos ferroviários e a alteração substancial da matriz modal desequilibrada dos transportes clamam por uma complementação substancial do modelo regulatório proposto. Primeiramente, é indispensável um esforço de construir uma rede completa e de conectividade razoável na maior parte do território nacional, aliado a um planejamento territorial em nível nacional, regional e local.

Além disso, ao invés do fatiamento e da fragmentação das políticas e dos projetos, há de se procurar uma maior reconexão dos investimentos em infra-estrutura com os do setor produtivo e com outras políticas que catalisem o crescimento econômico (educação e capacitação, apoio ao empreendedorismo, infra-estruturas urbanas, etc.), nas áreas de influência das infra-estruturas. Denominando esse tipo de esforço de programa territorial, deverá ele incentivar o investimento privado, gerar renda, adensar fluxos logísticos e promover crescimento, de forma que a arrecadação fiscal resultante garanta a sustentabilidade fiscal dos empenhos públicos no programa.

No contexto desse novo tipo de programação territorial, novos tipos de empreendimentos privados e de parcerias público-privadas deverão reforçar a consolidação comercial e fiscal dos investimentos em infraestrutura em ferrovias. Propomos que, nas plataformas logísticas, um novo tipo de consórcio logístico-industrial, que intitularíamos em empresa de desenvolvimento territorial, seja contratado, onde em troca de cessão de áreas da concessionária ferroviária (VALEC, no caso da concessão horizontal; ou a concessionária, no caso da concessão vertical) ela produzisse desempenhos econômicos de interesse da concessionária e dos poderes públicos ao longo da linha. Esses desempenhos econômicos haveriam de consistir de geração de tráfego, geração de emprego e arrecadação fiscal ao longo das cadeias produtivas dinamizadas, assim como volume de contratos com empresas locais.

Essa empresa aglutinaria, sob comando de uma holding, empresas de trading, que dinamizariam a produção local e a colocaria nos mercados nacional e internacional; empresas de serviços aos produtores; empresas imobiliárias de instalações logísticas, escritórios, áreas comerciais e habitações;  e empresas de logística. Cada empresa teria sua autonomia, mas seria pilotada estrategicamente pela holding, com vistas a que os desempenhos contratados sejam assegurados. 

2 Comentários

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  1. e por que não se copiar o modelo italiano………

    E porquê não se copiar dos italianos o modelo de privatização italiano?

    Alguém me disse certa vez na italia que as empresas de transporte ferroviario daquele País pagariam ao governo (empresa estatal que controla o trafego nas ferrovias) determinado valor pelo uso de determinado ramal ferroviario em função do uso, número de passageiros transportados, valor do bilhete  … etc

    Pelo menos se garante o uso regular da linha ferroviario por mais de uma  Empresa, podendo até minimizar a incrível situação de monopólio vigente hoje em nosso País, principalmente ao se utilizar recursos e bens públicos. 

    Carlos Cathalat

  2. A privatização das ferrovias

    A privatização das ferrovias foi um dos piores acontecimentos para a população de SP e também para quem trabalha no setor. Depois disso, o que se viu, foi o fim do transporte ferroviário de passageiros, o abandono das estações e também da indústria ferroviária no interior do estado. Indústria esta que, inclusive, chegou a exportar carros (vagões de passageiros) para os EUA. http://www.facebook.com/ONGAmigosdoTrem/posts/754089027935905

    Hoje, o interior de SP tem várias estações de trem que não mais atendem aos passageiros (algumas delas imponentes como: Campinas, Bauru, Sorocaba e Cachoeira Paulista). Este vídeo mostra um pouco disso no Vale do Paraíba.

    [video:http://youtu.be/UgSneVtmC2A align:center]

    Porém, o abandono da rede ferroviária contrasta-se com o crescimento das rodovias e das praças de pedágio em todo estado. Ou seja, acabou-se com o transporte ferroviário de passageiros para enriquecer as concessionárias que administram as rodovias. E agora, vem os coxinhas dizendo que o excesso de veículos nas estradas é culpa do governo do PT que incentivou a indústria automobilística.

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