Caminhantes manifestantes: Um Passeio provocante, por Vera Lucia Dias

Caminhantes manifestantes: Um Passeio provocante

por Vera Lucia Dias

A vocação dos pés é de articular o espaço do mundo”. Frédéric Gros

Já falamos aqui sobre o tema com o texto “Mais que caminhar”.

Nesta oportunidade digo que tenho observado no meu campo de trabalho, que é a cidade de São Paulo, o fato de que pessoas chegam a conhecer o espaço urbano como resultado da participação nas múltiplas manifestações.

Grupos que se encontram no vão do MASP, outros que marcam no Teatro Municipal, na Praça Roosevelt ou na Praça da Sé, estudantes, partidários, artistas, categorias de trabalhadores, sem medo de circular pelas ruas desconhecidas. São residentes dos mais de dois mil bairros distantes ou não, e ainda das cidades próximas e até de outros estados.

Percebi essa realidade quando ao conduzir grupos de moradores ou visitantes ao chegarem a São Paulo, indaguei várias vezes: “você já conhecia esse lugar?”. Muitas respostas foram “sim, quando participei de grupo em manifestação, reivindicação, protesto”.

Daí conclui que foi até uma chance, que talvez essas pessoas não tivessem chegado se não fosse por meio de caravanas, porque setores da mídia enfatizam os perigos da cidade. E então, depois da experiência, querem voltar com mais calma para conferir o que o olhar observou.

E os caminhantes da Avenida Paulista aos domingos? Descobriram a magia do espaço múltiplo com gentes e coisas das mais variadas tendências.  Podem estar lá o morador dos Jardins ao lado dos habitantes da Zona Leste compartilhando um samba-rock ou ao som de violinos.

E o que dizer das Festas Populares? Sejam elas nos bairros antigos como a Penha ou no Centro Histórico. Quanta alegria de estar na rua! É certo que as ruas mudaram muito e a velocidade dos veículos assusta, porém o espaço pode ser questionado.

A cidade de São Paulo com sua história de isolamento na montanha, só recebeu fortes melhoramentos no final do século XIX. Lembrando que até a década de 1960 era menos populosa que o Rio de Janeiro, até então capital do país.

Preocupação nova do poder municipal no setencismo foi a do calçamento de algumas ruas, que até então eram cobertas apenas com pedregulhos e saibro. Parece que foi em 1740 que primeiro se cogitou de revestir de pedra o leito de certas vias públicas” no livro de Ernani Silva Bruno, Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo.

Chão por onde caminharam famosos e os desfavorecidos em suas lutas de sobrevivência. Alguns personagens chegaram ao momento da transição do chão de barro e percorreram linhas daquela que seria a gigante cidade. “Castro Alves, Eugênia Câmara e a filha tomaram uma carruagem e pediram ao cocheiro que tomasse para o Hotel d’Itália, o qual ficava situado na Rua Direita, n. 34, esquina da rua São Bento”. (março de 1868), no livro de Norlandio Meirelles de Almeida, São Paulo de Castro Alves.

Elaboro alguns roteiros, conversas e percebo interesse em temáticas como: Os rios submersos/ Arte tumular / A Paulista e o Bixiga / Templos e Centros Culturais / Roda de Choro e a Pinacoteca / Ramos de Azevedo apaixonado / Indígenas da cidade / Negros famosos e batalhadores / As matas paulistanas / Santo Amaro de Júlio Guerra ou Vila Madalena dos grafites.

E, claro, nesses andares também ficam transparentes nossas dificuldades, mazelas, questões sociais, nacionais, que provocam reflexões sobre como é viver e sobreviver em uma das maiores cidades do mundo. Se o meio para isso foi participação nas ruas, os encontros serão inevitáveis e por aí vai o aprendizado da convivência e das demandas. Que venham diálogos ao sabor de um café, para pensarmos nas questões das águas, das demarcações dessa Piratininga com seus habitantes misturados, imigrados e refugiados buscando desfazer grades e avenidas tão velozes para com o tempo do caminhar.          

 

Redação

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