A violência racista e a responsabilidade da Polícia Federal

Confira o comentário diário de Luis Nassif sobre os últimos acontecimentos do Brasil nesta sexta-feira, 20 de novembro

No Dia da Consciência Negra, o TV GGN 20 horas aborda a violência contra a população negra. “O país passou a desenvolver uma sensibilidade maior em relação a essa violência racial contra os negros, contra os pobres”, diz Nassif.

“O Carrefour tem um histórico de seguranças violentos que não dá mais para minimizar. Não foi acidente de percurso, não adianta mandar prender os seguranças, ou demitir a empresa de segurança”

Nassif ressalta que o Ministério da Saúde arrebentou com os dados estatísticos sobre a covid-19 no Brasil – “é a mesma coisa de quando você vai para uma guerra e não ter radar, não ter sistemas de identificação de onde está o inimigo. É uma tragédia sem tamanho”

“Se mandasse o general Pazuello para uma guerra, ele iria saber quais são os pontos vulneráveis, onde prestar atenção, onde que a logística tem que atuar. E o trazem para uma área que ele não conhece”

“Você tem um ponto fundamental que é a informação. A informação, para as Forças Armadas, é um instrumento estratégico, de guerra, você esconde a informação, é só para os seus”.

“Para políticas de saúde, é um instrumento de articulação, é o que o Mandetta fazia muito bem com aquelas reuniões que despertaram o ciúme do Bolsonaro”

“Essa coordenação de expectativas é central, e as estatísticas desempenham um papel central. São as estatísticas que criam esperanças, que criam defesas, que permitem antecipar ações. E daí um hacker bagunçou totalmente o sistema de informação”

“Ou seja: algo que era para ser estratégico, a alma do Ministério da Saúde, não foi. Deixaram o negócio correr e o general, depois que o Bolsonaro o humilhou em público, o general derrubou (…)”

Os dados disponíveis sobre a covid-19 no Brasil apontam 76.794 novos casos e 552 novos óbitos no Brasil. Na média diária semanal, os dados registram 29.930 novos casos e 1.107 novos óbitos.

Na avaliação da curva de novos casos, a média não chegou a ser afetada até a paralisação dos serviços. Em 14 dias, os dados estão mais altos do que eram antes. E esse avanço é igualmente válido para os óbitos.

Na análise estadual, 12 estados mostram alto crescimento dos casos, dois tem crescimento moderado, 11 estados tem patamar estável e dois estados registram queda drástica.

Na variação média de óbitos, nove estados registram alto crescimento, um estado apresenta crescimento moderado, seis estados mostram quadro estável e 11 estados registram queda drástica.

“É um quadro dantesco, e não adianta: o Bolsonaro é um genocida, ele não tem a sensibilidade da morte. A morte, para ele, a não ser morte de próximos (…) Se morre 100, se morre 200 não tem problema, o que ele quer é tirar o corpo”

Nassif comenta a declaração do vice-presidente Hamilton Mourão – que, no dia da Consciência Negra, disse não existir racismo no Brasil. “Isso é uma coisa que querem importar para o Brasil (…) É uma coisa que digo para você com toda a propriedade, não tem racismo”, disse Mourão.

O caso de racismo gerou diversas manifestações, com destaque para o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos e dos Procuradores na área de Discriminação Racial.

Tais entidades assinaram uma nota conclamando o ataque contra o racismo, e um dos manifestantes foi Enrico Rodrigues de Freitas,Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, e entrevistado por Nassif.

“A gente tem que compreender dois pontos bastantes relevantes: que houve um fato bárbaro, truculento e um homicídio doloso isso é absolutamente evidente por qualquer ângulo que se olhem as imagens”, diz Enrico.

“Agora, esse fato também está entranhado do racismo estrutural, o racismo institucional, e temos que imaginar que a nossa Constituição fala em diversos pontos, que um dos crimes tipificados é o crime de racismo”

“A gente tem que entender que não é uma Constituição que fala que ‘somos todos iguais’, é uma Constituição que fala em verbos: ‘erradicar o racismo’, ‘enfrentar o racismo’.

E aí que vem a questão: isso é para a sociedade brasileira, não é o Estado brasileiro só no seu aspecto órgãos públicos. Fundamentalmente, para mim, isso tem que estar pautando toda a atuação do Poder Executivo, do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público”

“A nossa Constituição não é neutra, ela tem um lado – um lado de enfrentamento ao racismo. Mas também para a sociedade, e aí tem o papel dessas empresas, neste caso de segurança privada, que tem seu funcionamento e fiscalizadas por um órgão federal que é a Polícia Federal”

“Essas empresas tem a obrigação constitucional de trabalharem com direitos humanos – e, especificamente, do enfrentamento a essa prática de racismo – como também pela Polícia Federal de que implementem treinamentos e cursos”

“Quando a gente sai das empresas privadas, a gente tem toda a truculência policial, impregnada desse racismo, com toda uma atuação que é um genocídio da população negra”, ressalta Enrico.

Com relação a Polícia Federal, Enrico diz que a atuação é “absolutamente formal. Os formulários estão corretos, então a gente está absolutamente tranquilo. A gente tem aí um aspecto de fiscalização efetiva, de verificar, de impor a necessidade de treinamentos específicos”

“E aí, a gente vê duas formas absurdas: primeiro, o racismo que está impregnado na atuação. A gente não vê atos desses contra homens brancos, a gente só vê isso em relação a negros e negras”

“E vê uma questão lateral, do protocolo de atuação: se a gente olhar aquela atuação dessa empresa de segurança, e que na verdade é uma ‘polícia privada’, ela tem que ter um protocolo de atuação. E o protocolo ali, se aquele é o protocolo ele é um absurdo”

Para Nassif, um dos pontos centrais seria colocar à disposição os acidentes, as violências dessas empresas paramilitares em público para haver uma fiscalização, no que Enrico concorda. “A gente tem que ter uma transparência dessa atuação, e de fiscalização por ser uma atividade que não é privada em si, não é sigilosa, é algo que é fiscalizado e autorizado pelo Poder Público”

“Ao lado disso, temos um ato que, no meu entender, é uma prática racista por essa empresa de segurança que é contratada por uma grande empresa, e que elas também tem que demonstrar, na sua atuação, que estão impondo práticas antiracistas (…)”

Junto de Enrico e Nassif, participa do programa Djeff Amadeus, advogado criminalista e mestre em direito e hermenêutica filosófica, e membro do MNU, da IANB, da FEJUNN e da ABJD. Djeff define as responsabilidades da empresa que contratou a empresa de segurança, a empresa de segurança, daqueles que assassinaram o cliente e daqueles que assistiram sem fazer nada.

Djeff começa com uma provocação: “Vamos supor que um grupo de pessoas contrate 10 pessoas e dê a ela um querosene, fósforo e podem se dirigir a um determinado local. Suponhamos que essas pessoas se dirijam a esse local, joguem fogo, usem o querosene e depois, para se avaliar uma eventual responsabilidade dessas pessoas que deram o querosene, elas digam o seguinte ‘olha, eu terceirizei, não tenho nenhum tipo de responsabilidade”

“Então, está muito ‘fácil’ para o Carrefour, para afastar a responsabilidade deles com esses argumentos que, de fato, não colam mais. A gente está em um modelo de responsabilidade mais avançado. Existe o risco do negócio, existem várias teorias que não mais albergam esse tipo de argumento que está superado”, diz Amadeus.

“Por exemplo: fiquei sabendo que o lucro diário de uma unidade seria de R$ 1 milhão. Não poderia haver o comprometimento de se arcar com os estudos da família da pessoa que foi vitimada? (…)”, diz Amadeus

“A gente está em um estado capitalista, a gente não pode desconsiderar isso. Então, existem uma série de ações que podem ser feitas para além dessas responsabilidades comuns como se tem atualmente”.

Nassif lembra que um dos problemas é que, nessas empresas de segurança, grande parte do pessoal que trabalha nelas são policiais militares que fazem bico.

“Normalmente, são pessoas que pedem licença ou, muitas vezes, de forma irregular. Esse é um papel de fiscalização da Polícia Federal, sobre a legalidade disso”, diz Eurico, ressaltando a necessidade de se criar mecanismos de prevenção e reparação mais amplos.

Sobre o recente aumento no reconhecimento da desigualdade racial, Djeff Amadeus diz que não existe dúvida de que está ocorrendo uma continuidade – “muitas das lutas que são feitas, não há visibilidade, então pensa-se que nada está sendo feito”

“Com todas as restrições, com toda essa maluquice que virou esse país, você tem setores que resistem e avançam”, diz Nassif.

Redação

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