Ciência Espírita, Psicologia e Autoconhecimento, por Marcos Villas-Bôas

Ciência Espírita, Psicologia e Autoconhecimento

por Marcos Villas-Bôas

Todo ser humano busca, em regra, a felicidade, mas a grande maioria não sabe onde encontrá-la. Pensa-se que ela é a simples satisfação dos desejos materiais: ter a mulher ou o homem mais bonito ao lado, ter o melhor apartamento, ter o melhor carro, ter as melhores roupas, ter mais conhecimento. Ter, ter, ter… Ter todas essas coisas pode trazer prazer e não se quer demonizá-las de forma alguma.

Ao se tratar de questões morais, espirituais e afins, que costumam ser muito complexas, é necessário, como sempre defendemos neste blog, fugir dos extremos. A beleza física não é tudo, é mais superficial do que a beleza interior, mas tem a sua importância neste plano material, físico, sustentando muitas relações afetivas, sobretudo no início, por meio da atração, da química e de um melhor sexo. Ter bens materiais garante saúde financeira, dá mais segurança e permite ao ser que possa ajudar mais pessoas.  

Segundo Osho:

“E o que a pessoa faz quando luta com a sua sexualidade, com a sua raiva, com a sua ganância? Continua jogando-as no inconsciente, na escuridão do porão, e achando que, ao deixar de vê-las, está se livrando delas. No entanto, não está se livrando…” (O Livro do Ego, p. 163).

A repressão ao animal dentro de cada um tende a causar sérios problemas. Não é assim que se deve trabalhar para obter felicidade ou ascensão espiritual, que não deve ser fim, mas mera consequência de uma vida bem vivida, com equilíbrio e despertamento de consciência. Bem mais do que ter, deve-se buscar ser, não reprimindo nem o animal, nem o divino dentro de cada um.

Um risco que se tem ao buscar a felicidade é pensar que ela se encontra na santificação, quando a ampla maioria dos seres na Terra, encarnados ou desencarnados, estão longe de serem santos, ou anjos, tendo em vista que, como falado pelos Espíritos, o estágio atual do planeta é de transição de um mundo de provas e expiação para um de regeneração, longe ainda de um mundo de perfeição.

O mundo de provas e expiação é o segundo nível, que vem logo após o mundo primitivo, aquele inicial, no qual os seres ainda estão bastante embrutecidos e, provavelmente, mal articulam linguagem. Sendo assim, a Terra está no final da primeira fase em que o homem se torna um pouco mais inteligente, estuda a ciência, desenvolve tecnologias, entende um pouco a consciência e descobre práticas para despertá-la.  

Precisamos ser humildes e compreendermos: estamos num estágio atrasado, se compararmos com o momento de seres dos próprios planetas que estão no nosso sistema solar ou com seres que vivem em outros sistemas, os quais sequer têm um corpo físico como o nosso, tendo já se sutilizado por muito mais milhares de anos de trabalho do que nós e, ainda assim, eles não se tornaram anjos.

Duas das grandes dificuldades de o ser humano encontrar a felicidade é não saber onde encontrá-la e achar que é muito mais desenvolvido do que realmente é, sendo que uma dificuldade interfere a outra.  

Se não soubermos onde encontrar o que procuramos, ficaremos perdidos, buscando aquilo que não traz a verdadeira felicidade, ou seja, a paz de espírito, a segurança interior, a serenidade, a compreensão do outro, o amor. Se acharmos que já estamos próximos ou que já encontramos uma felicidade plena, ou que temos poucos defeitos, não iremos mais procurá-la ou, novamente, procuraremos de forma errada.

Há grande conexão entre a Ciência Espírita, as filosofias espiritualistas e um dos fins principais da Psicologia, que é o autoconhecimento e a solução de nossos problemas morais e emocionais, para que tenhamos uma melhor compreensão da felicidade e do nosso próprio caminho, que não é igual ao de nenhum outro ser, para chegar lá.  

Quando se fala em autoconhecimento, nota-se uma sensação nas pessoas de “sexo dos anjos”, de algo esotérico, abstrato, que soa bonito, mas que não tem muito efeito prático. Ela advém do desconhecimento do que seja autoconhecimento e do que ele pode proporcionar.

A tarefa dos Espíritos que guiam encarnados é, em grande monta, ajudá-lo a se conhecer melhor e a avançar nos seus defeitos. Estudar cientificamente os Espíritos e suas relações conosco envolve, portanto, construir uma Psicologia Espiritual, que “alimente” a ciência da Psicologia conhecida na Terra.

Uma melhor compreensão desses temas ocorre com práticas que levem ao autoconhecimento, com o sentir que houve uma melhora e que, anteriormente, por não se conhecer bem, cometia-se diversos erros. A terapia pode ajudar bastante, pois permite que o indivíduo, guiado por um profissional tecnicamente habilitado, coloque para fora suas mágoas, dores, fraquezas, dúvidas etc., procurando ir mais fundo na sua consciência, compreendendo defeitos e qualidades, deixando de reprimir o animal e de se afastar do divino dentro de si.  

Um dos grandes erros de muitas religiões, e aí se inclui uma visão que boa parte do movimento espírita sustenta, é procurar esconder a treva (ou o mal) que existe dentro de cada um e se mostrar como santo para si mesmo e para os outros, quando o objetivo deveria ser exatamente entender esse mal e trabalhá-lo. Ao escondê-lo, não se autoconhece e se camufla. Osho brilhantemente explica o seguinte:

“A solução mais simples que apareceu repetidamente ao longo dos séculos é a seguinte: reprimir o animal. É a mesma solução. Ou, então, reprimir o divino, através da violência, através do sexo, através das drogas, ou seja, esquecer o divino. (…) Então, a segunda questão que vem à mente é a seguinte: reprimir o animal, esquecer o animal, mas manter o animal no fundo e não olhar para ele. Jogá-lo no fundo do porão do seu inconsciente, de modo que a pessoa não possa se deparar com ele no seu dia a dia, de modo que não o veja.

O homem pensa quase da mesma forma que o avestruz. O avestruz acha que ele não pode ver o inimigo, que o inimigo não existe. Por isso, quando o avestruz se depara com o inimigo, simplesmente fecha os olhos. Ao fechar os olhos, acha que, naquele momento, não há mais inimigo, porque não pode vê-lo” (O Livro do Ego, p. 160).

O ser humano que se diz espiritualizado deve parar de se esconder dos seus defeitos, ou ele evoluirá muito menos do que poderia, apesar de viver fissurado nisso. Ao tentar cobrir os seus defeitos com palavras suaves quando se está dentro do templo religioso, com trabalho exagerado e com outros subterfúgios, muitas vezes se deixa de realizar a missão reencarnatória.

Os indivíduos criam ilusões de que tais e tais atividades lhes levarão ao Céu e, assim, executam aquilo como se elas os tornassem santos, mas é tudo uma grande ilusão. Falar suave, se for o caso, deve ser algo natural, e não forçado em um determinado momento do dia. Há momentos em que ser espiritualizado é falar duro, combater injustiças e não permitir que os outros façam o que querem em detrimento do direito do seu próximo.

Tornar-se sábio exige, portanto, muito mais profundidade de consciência do que vestir uma máscara dentro de religiões, por mais que o indivíduo pratique uma suposta caridade diariamente, outro tema complexo. Pensa-se que simplesmente, por meio de alguns trabalhos para os outros, se cumpriu a missão reencarnatória, quando, às vezes, ela não tinha nada a ver com aquilo.

Se todos vivessem dentro de templos religiosos praticando a tal “caridade” todos os dias, quem iria governar os países, os estados e os municípios? Quem iria produzir o que comer? Quem cuidaria dos doentes? Quem defenderia a lei? Cada um vem à Terra com diversas missões pontuais, muitas delas relacionadas ao autoconhecimento e melhoramento de si próprio, e outras ligadas a ajudar familiares, amigos, pessoas que passam em nossas vidas, e não necessariamente com o trabalho em um templo religioso.

Aqueles que têm grandes missões são, em regra, os missionários, Espíritos muito elevados que se destacam facilmente. Um dos grandes problemas de muitos espiritualistas é achar que são missionários, que a mediunidade é um superpoder, que o conhecimento espiritual adquirido por ele lhe faz melhor do que os outros.

“O sujeito quer realmente que eu faça isso por ele?” O desespero por ajudar pode ser tanto que se termina atrapalhando. Às vezes, ajudar é ficar de fora, respeitar, apenas orar por alguém. E quando damos esmola e incentivamos o sujeito a ficar na pobreza? Isso é caridade? Não seria melhor ensiná-lo a pescar e transformar a sua vida?

Como tudo, a caridade é muito mais complexa do que se consegue enxergar e emana uma profusão de questões complicadas, as quais precisam ser avaliadas com cuidado ao longo da encarnação.

Não se confunda o que aqui se pretende aclarar. O trabalho caritativo realizado em movimentos religiosos é algo engrandecedor, pois, além de ajudar necessitados, pode ser uma parte importante do processo de desenvolvimento de amor, humildade e outras faculdades essenciais.

Ajudar o próximo, quando ele precisa e quando ele quer, é algo lindo e que se deve estimular. Ajudar o próximo com discernimento, sem ter como causa primária a busca por elevação espiritual, sem pensar em qualquer tipo de retorno, deve ser o objetivo.

Alerta-se aqui acerca da ilusão criada por muitos espíritas de que os trabalhos de distribuição de sopa, de desobsessão espiritual e outros irão necessariamente “salvá-los” e levá-los à categoria de santos ou quase isso. É ilusão grave, que pode causar dissabores na desencarnação. Não é à toa que muito se ouve falar sobre espíritas praticantes estarem dando trabalho ao chegar no plano espiritual. Eles entendem que deveriam ter regalias, pois, afinal, são, em sua visão, espiritualizados e caridosos.   

Às vezes, o indivíduo cria débitos simplesmente ao votar errado pensando apenas em si, e não em toda a sociedade; cria débitos ao focar demais no centro espírita e deixar sua família de lado; cria débitos ao desrespeitar os colegas no centro espírita; cria débitos por reagir mal ao se sentir criticado; e assim por diante.

É por essas e outras razões que os Espíritos defendem tanto a importância do estudo, porém, mesmo assim, muitos lhe atribuem relevância secundária. Não entendendo bem a si mesmo, aquilo que se busca e o que está por detrás dos ensinamentos dos mais diversos Espíritos, fica mais difícil crescer moralmente.

Muitos espiritualistas exageram numa humildade de fachada, quando não percebem dentro de si enormes defeitos por acharem sua filosofia melhor do que as demais ou por ser acharem santificados. Fugir de elogios é sinal de humildade ou medo de se envaidecer com eles? Maturidade espiritual não seria recebê-los educadamente e ser capaz de não se transfigurar emocionalmente com eles?  

Querer ser santo é sinal quase sempre de querer ter poder. É querer se tornar logo um ser mais elevado do que os demais. É querer se sentir e/ou parecer aos demais angelical, superior, poderoso. Ninguém deve procurar ser santo. Deve-se buscar ser bom, melhorar aos poucos a cada dia, sem se comparar com os demais, respeitando a cada um acima de tudo.

É por essas e outras que nossos guias espirituais nos fazem passar por situações bem difíceis, mesmo apesar de nos julgarmos quase santos. Pensamos: “ora, se estudo a espiritualidade quase todos os dias, se pratico a caridade quase todos os dias, por que ainda sofro?”

O sofrimento é opcional. Situações desafiadoras e aptas a causar dor sempre existirão em mundos de provas e expiações, e mesmo de regeneração, não se enganem. Sofrer, ou sofrer mais, ou sofrer menos, é opção de cada um, mas que está ligada ao autoconhecimento, à paz de espírito que o indivíduo já conquistou, ao seu equilíbrio emocional, que depende de uma consciência mais desperta. Então, não é totalmente opcional, pois, onde ainda há muita instabilidade emocional, o sofrimento é mais provável.

O autoconhecimento, que pode ser buscado pela meditação, pela Yoga, pelo Tai-Chi Chuan, pelo estudo cuidadoso de variadas ciências e filosofias espiritualistas, por terapias e por vários outros métodos, é, assim, um passo fundamental para o progresso moral, para a tal da reforma íntima, que é lenta. Num estágio como esse, acreditar que já se reformou moralmente em alto nível é sinal claro de orgulho e de arrogância, que deveria fazer o indivíduo rever sua ideia.

Não é o caso de se deprimir e pensar que somos seres horríveis. Isso é imaturidade espiritual. Reconhecendo que somos seres criados iguais, todos especiais e que temos o divino dentro de nós, por mais desviados que estejam alguns ainda hoje, basta cada um procurar se entender, identificar melhor os defeitos e trabalhá-los.

Isso ajuda entender também que falar em seres trevosos, em maus e afins é um desrespeito com aqueles que estão apenas na ignorância ou revoltados com a Lei.

A maior caridade que se pode fazer é se melhorar e emanar luz para quem está em volta. Aumentando a sintonia, as oportunidades de ajudar os outros aparecerão normalmente, pois os nossos guias e dos que necessitam providenciarão isso. Sair desvairadamente trabalhando em centros espíritas, umbandistas ou quaisquer outros não vai resolver muita coisa, ainda que os trabalhos em benefício do próximo sejam de grande importância e esquecidos por muitos espiritualistas.   

Não se deve reprimir o animal, diz Osho. São milhares de anos de reencarnações como animal, como Espírito imaturo. Não se pode achar que, em uma vida na Terra, todo o trabalho será feito e que iremos direto para o colégio apostólico, ou mesmo para uma colônia espiritual em dimensão acima de Nosso Lar, quando chegarmos ao plano espiritual. É uma ilusão na qual muitos religiosos acreditam.

A obsessão por ser santo é uma verdadeira obsessão espiritual, que acontece do ser para com ele mesmo, atraindo, assim, obsessões de outros Espíritos, que se aproveitam daquela fragilidade orgulhosa, vaidosa, arrogante.

Ao mesmo tempo, essa obsessão causa culpa, algo típico dos religiosos, que se julgam e julgam os outros, que não procuram a melhoria com serenidade, com leveza, que não buscam a meditação. Ao reprimir o animal, ao esconder o mal e ser desafiado pelo dia a dia, quase sempre com ajuda ou consentimento dos guias, o indivíduo se culpa pelos erros e sofre.

Ele percebe que não é santo ou não percebe, mas nota que um santo não faria aquilo e entra em crise emocional por conta das suas falhas morais, algo comum em religiosos e espiritualistas em geral que ainda não adquiriram consciência suficiente para se respeitar e respeitar os demais como são.

Não entenda o leitor que o autor está se achando um santo e imputando equívocos a todos os demais. Ele mesmo passa ou já passou por situações aqui listadas. Vários enganos lhe foram causados por uma prática mal feita do Espiritismo. O objetivo aqui é compartilhar a experiência e ajudar os outros para que não cometam erros semelhantes.

Como todo sistema de conhecimento, o Espiritismo, apesar de amplo, organizado e extremamente enriquecedor, é repleto de pontos cegos e de distorções causadas pelos próprios espíritas. Daí porque é muito importante cruzar filosofias espiritualistas distintas para se chegar a ideias mais consistentes, mais complexas, e consequentemente a um estado de consciência mais sereno e profundo.

A complexidade do universo exige um aprofundamento sereno em tudo o que existe, inclusive em nós mesmos. O equilíbrio é como um fim quase inatingível, do qual o ser vai se aproximando lentamente por conta de experiências e estudos que vão lhe abrindo novas perspectivas.

Que todos nós possamos expandir os nossos horizontes, nos conhecer melhor e progredir com serenidade.  

 
Redação

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