Limites da cooperação internacional é papel do governo, diz procurador da SCI

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, juízes e o Poder Judiciário não podem decidir sobre os limites de acordos internacionais e suas consequências, afirmou Vladimir Aras
 
Jornal GGN – Os tratados de Cooperação Jurídica Internacional fechados pelo Brasil não estabelecem como prioridade a ordem econômica e a proteção do mercado nacional. Dentro dos limites de atuação de órgãos investigativos e membros do Poder Judiciário, que trabalham calçados na lei, em previsões constitucionais e Tratados internacionais, a responsabilidade sobre as consequências de uma investigação sobre a economia brasileira é exclusivamente do governo, explicou o procurador Regional da República, Secretário de Cooperação Jurídica Internacional, Vladimir Aras, ao GGN.
 
A entrevista concedida pelo procurador foi reveladora no sentido de explicitar até que ponto o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e magistrados brasileiros têm poder de decisão sobre acordos com outros países. “Motivos econômicos, esses motivos para além do direito, não podem ser considerados num pedido de cooperação internacional, que é puramente técnico e jurídico, sem que o Tratado diga algo a respeito”, disse o procurador.
 
“São negociados pelo governo: o Poder Executivo negocia o tratado, o Legislativo aprova. Os limites dos tratados de cooperação internacional penal são estabelecidos pelo Estado. O governo, qualquer que seja ele, seja um governo interino ou definitivo, qualquer, manda os seus emissários, o Itamaraty e o Ministério da Justiça, para negociação dos Tratados”, explicou.

 
Assim, se órgãos de investigação norte-americanos solicitam dados sigilosos sobre a estatal brasileira Petrobras, por alguma investigação judicial tramitando nos Estados Unidos, não há nenhuma base legal hoje no Brasil que autorize a recusa do Ministério Público e da Polícia Federal brasileiros de repassarem as informações. Ainda: há todo o suporte e incentivo ao movimento contrário – o de cooperar, exceto por motivos categoricamente expressos em leis, acordos ou tratados.
 
Seguindo a explicação dada por Vladimir Aras, e adequando-a ao exemplo aqui exposto, a responsabilidade pela proteção da empresa nacional, e sobre as possíveis consequências de um processo judicial no exterior que provoque a sua perda de investimento junto a agências de risco e valor de mercado, é unicamente do governo.
 
O procurador lembrou que os tratados, depois de negociados pelo Planalto, são submetidos a aprovação pelo Congresso Nacional para, então, serem promulgados pelo presidente da República. “No momento em que entram em vigor, eles [governo e Congresso] estabelecem os limitem que o Ministério Público e que o Poder Judiciário têm para cumprir o acordo de cooperação”, completou.
 
“Se os motivos não estão explícitos no Tratado, negociado pelo governo, pelo Poder Executivo e aprovado pelo Legislativo, nós não podemos inventar ou criar motivos de recusa da cooperação”, ressaltou. “Toda ideia que está subjacente à cooperação internacional é, inclusive, ao contrário, de favorecimento da cooperação. Então, o MP, a PF e os juízes quando recebem um pedido estrangeiro ou quando solicitam ao exterior, a interpretação que será dada à execução é favorável ao cumprimento da medida, salvo pelos motivos de recusa estritamente indicados pelo Tratado”, disse.
 
Ordem Pública x Econômica
 
Há, contudo, uma interpretação consolidada entre os órgãos de investigação e o Poder Judiciário sobre limitação para cooperar, a única que não necessariamente precisa estar exposta e prevista em cláusulas de tratados: a ordem pública.
 
Relacionada a temas de interesses sociais e do indivíduo, os acordos globais entre países são debatidos por organizações internacionais e convenções que determinam uma necessidade, acima de qualquer cooperação: a da inviolabilidade dos direitos humanos. Assim, a única cláusula que permite um procurador da República, um delegado ou um juiz de negar a ajuda internacional é a de “ordem pública. 
 
Como exemplo, o Secretário de Cooperação Jurídica Internacional citou a Coréia do Norte, como ditadura, solicitar uma medida “singela” de ouvir uma testemunha no Brasil. Neste caso, “é muito provável que não seja atendido, porque pode estar subjacente aquele processo numa ditadura uma violação de direito fundamental”, como a tentativa de incriminar um jornalista brasileiro que publicou reportagem no país coreano e tem, no Brasil, a garantia de liberdade de expressão e outras fundamentais do ser humano. “Então o pedido não será atendido, mesmo que o Tratado não diga nada”, seguiu no exemplo.
 
“Mas as cláusulas de ordem pública internacional são cláusulas que não dizem respeito a questões econômicas, dizem respeito a direitos humanos”, lembrou Aras. 
 
Questionado se a ordem pública, consolidada sobretudo em países que sofreram ditaduras, não seria equiparável à ordem econômica, por se tratar de interesse nacional, como já o é em países como os Estados Unidos, que trazem em seus órgãos investigativos a tradição de proteger o mercado, Aras voltou à nossa Constituição para responder.
 
Na Carta de 88, ao contrário da defesa da economia para restringir acordos, as relações internacionais do Brasil são regidas no artigo 4º pelo princípio da cooperação em todos os campos e áreas: técnico,  econômico, jurídico, policial, educação, ciência, etc. “O governo, quando negocia um Tratado, ele tem que traçar os motivos que devem resultar na negativa da cooperação. Se isso não está escrito, nós só temos uma válvula de escape: a ordem pública. Mas o que é ordem pública? São os interesses fundamentais da proteção do interesse das pessoas e não os interesses alheios aos direitos humanos”, explicou. 
 
“Não é o Ministério Público que faz o tratado, não é o Poder Judiciário, é o Poder Executivo, pelo Ministério das Relações Exteriores, da Justiça, ou, em um segundo momento, pelo Legislativo, quando aprovam essa negociação. Se essa cláusula não está prevista na regra instituída pelo governo, não há como nós criarmos uma regra que não está na lei. É uma noção básica de processo penal: o princípio da legalidade. E outra noção básica de cooperação internacional é a da propensão à cooperação na linha do que diz a nossa Constituição”, completou.
 
Vladimir Aras citou as convenções que foram tratadas pelas organizações internacionais que prevêem a cooperação, como a Convenção Contra a Corrupção, Contra o Crime Organizado, Contra o Financiamento do Terrorismo e Contra o Genocídio, instituídas pela ONU. Em todos elas, incluindo as de organizações interamericanas, como a OEA, recomendaram-se a ampla cooperação. “É um quadro que limita a atuação do Ministério Público para o aspecto puramente técnico jurídico”, concluiu o procurador.
 
Leia mais: 
Xadrez do esperto e do sabido na cooperação internacional
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

12 Comentários

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  1.  não há nenhuma base legal

     não há nenhuma base legal hoje no Brasil que autorize a recusa do Ministério Público e da Polícia Federal brasileiros de repassarem as informações. Ainda: há todo o suporte e incentivo ao movimento contrário – o de cooperar, exceto por motivos categoricamente expressos em leis, acordos ou tratados.

    Isso ficou meio confuso, não?

  2. O Procurador Arias tem toda a

    O Procurador Arias tem toda a razão, é imprssionante a OMISSÃO completa dos Poderes Legislativo e Executivo sobre esse tema, quando um Acordo de Cooperação é aprovado no Congresso, não há debate, nem discussão de artigo por artigo, o Ministerio da Justiça tampouco negocia, nao se conhece discussão publica sobre temas tão importantes, parece que Deputados e Senadores não estão nem ai, devem achar que esses Acordos são perfumarias ou apenas acerto para pegar rufiões e traficantes. Nesse Acordo de 2003 deveria obigatoriamente existir uma clausula de imunidade em relação as estatais controladas pelo Governo do Brasil relativamente a processos legais sob a lei americana.

    O Ministerio da Justiça por sua vez não é PROTAGONISTA no ambito de operação desses acordos visando proteger dentro desses instrumentos o INTERESSE NACIONAL.  Acordos de Cooperação Judiciaria NÃO SÃO NEUTROS, muitas vezes podem atingir o interesse do Estado brasileiro e ai o Ministerio da Justiça passa a ser interventor no ambito do acordo dentro do papel que lhe é atribuido pelo proprio Acordo, o de AUTORIDADE CENTRAL na operação do Acordo.

    Alguem ouviu falar de algum ato do Ministerio da Justiça nesse tema?

    Os EUA por exemplo defendem Direitos Humanos mas se esquivam de assinar a Convenção de São José e em consequencia NÃO SE SUBMETEM A JURISDIÇÃO da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da mesma forma que não aceitam para seus nacionais a jurisdição do TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.

    De modo geral os Estados Unidos da America NÃO ACEITAM JURISDIÇÃO ESTRANGEIRA SOBRE SEUS CIDADÃOS E EMPRESAS PRIVADAS, das suas estatais (Eximbank, por ex.) nem por sonho. E nós? Aceitamos alegremente.

    Não há escape maior de tribunal estrangeiro do que a CLAUSULA DE IMUNIDADE que os EUA inserem em todos os Tratados de Cooperação Militar pelos quais instalam bases pelo mundo. Por essa clausula SOLDADOS AMERICANOS SÃO IMUNES a juizes locais em casos de crimes comuns, por exemplo, estupro. Os EUA tem seis bases na Colombia, se um soldado americano comete um crime na Colombia ele não pode ser julgado por um juiz colombiano, fica na base aé ser levado aos EUA e ser julgado por um juiz dos EUA. Na base aerea americana em Okinawa no Japão ocorreram dezenas de crimes de estupro sendo os autores isentos de julgamento no Japão, o que gerou grave crise politica entre os governos.

  3. Proteção do trabalho contra o desemprego

    O MP percebeu o tamanho do estrago e está tentando tirar o corpo fora. Sonsice em grau máximo.  Passaram as informações para os órgãos de investigação norte-americanos porque quiseram, não havia nada nesses acordos internacionais que os obrigassem a repassar informações estratégicas, ou havia? Então agora assumam suas responsabilidades!

    No escândalo da FIFA, a juíza negou cooperação com os EUA (FBI), o MPF iria recorrer, mas não encontrei nada a esse respeito….

    O impacto das ações da lava-jato em empresas estratégicas e que correspondem a um considerável percentual do PIB não é questão de ordem pública e de direitos humanos?

    O desemprego gerado não é questão de ordem pública e de direitos humanos?

    Segundo a CUT são, somente no setor de construção, 140mil desempregados.

    Fontes do setor de óleo e gás dizem que a Petrobrás eliminou mais de 170 mil vagas. A Odebrecht cortou cerca de 50 mil pessoas desde 2014.

    Várias fornecedoras da Petrobras quebraram ou estão em recuperação judicial, conte aí mais um monte de desempregados!

    A empresa de consultoria GO associados fez ano passado um estudo que estimava uma perda de até 1,9 milhão de empregos como efeito derivado da lava-jato.

    http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/impacto-da-lava-jato-no-pib-pode-passar-de-r-140-bilhoes-diz-estudo.html

    http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,empresas-investigadas-na-lava-jato-e-zelotes-equivalem-a-14-do-pib,10000057996

     

    1. mas os empregados não reclamaram, Babi…

      reclamar do desemprego sem antes ter procurado saber o que poderia acontecer com seus empregadores, a meu ver, não tem valor nennhum, um bando de zeros à esquerda que só se movimentam pelo que querem de imediato

      nem no futuro pensam nem procuram saber

      bando de cordeiros para qualquer lobo

      1. o país vai quebrar…

        o que vai me fazer seguir com a certeza de que o pior povo é o povo respeitado e atendido

        ja que todos foram atendidos pelos governos trabalhistas e deu nisso aí, aponto de estrangeiros terem que suplicar a ajuda do povo brasileiro para Dilma

        somoso uma vergonha enquanto povo perante  mundo inteiro

        quanto a isto, sem essa de que é por culpa do PIG enganador

        1. Somos é muita gente, Peregrino!

          Se vc é uma vergonha, envergonhe-se, mas não pretenda medir a média do povo brasileiro pela régua rasa das suas limitações. O povo brasileiro mais humilde é quem paga impostos que sustentam serviços públicos para servir ao INTERESSE PÚBLICO coletivo, da maioria da população brasileira, na aquisição de produtos básicos de consumo, na regra da tributação regressiva vigente no país. Não tem, em contrapartida, educação adequada e nem meios de informação para saber que está sendo lesado por essa corja de concurseiros ignaros, prepotentes e presunçosos, cujos cargos e funções são ou deveriam ser exercidos na defesa do interesse público. Para tanto, são protegidos por salvaguardas e grantias especialissimas e regiamente remunerados. Quem deveria perder seus majestosos empregos são eles que fizeram as cagadas que fizeram.

  4. só conseguiram porque não temos povo…

    apenas um bando de cordeiros que só querem aparecer bonitos

    povo que não respeita nem seu emprego tem mais é que perdê-lo mesmo

  5. Um discurso tipicamente asséptico…

    E desde quando o direito pode ser apartado da realidade socio-ecônomico? Não existe isso de um discurso estritamente técnico-jurídico, especialmente quando envolve temas como soberania nacional e, sim, ordem pública, que, ao contrário da interpretação que o nobre Procurador intenciona dar, envolve temas além do respeito a direitos fundamentais – que abrangem, coincidentemente, direitos sociais (emprego, moradia, sáude, educação, etc).

    Esse discurso asséptico, de que se apenas cumprem normas técnico-jurídicos, em seu sentido mais seco, de pura e estrita legalidade, serve apenas para tirar o corpo do MPF da jogada, como frisado por outros comentaristas. Não é sem razão o argumento de que limites de cooperação são traçados pelo Governo, Isso é evidente. Mas não pode o fiscal da lei atuar sem considerar, precipuamente, o interesse nacional. É como se o próprio MP jogasse contra a Constituição, a pretexto de cumprir um acordo internacional que, só aos seus olhos, é puramente “técnico”. 

    Não tarda lembrar ao nobre Procurador que o STF tem entendimentos mais do que consolidados no sentido de prevalecer o interesse constitucional em caso de eventual conflito com texto de tratado internacional. Só isso é suficiente para levar à reflexão sobre o que se deve ou não ser posto à cooperação, em determinados casos. Evidente que a regra deve ser o máximo de cooperação – trata-se de fundamento das relações internacionais e uma questão de boa-fé no trato diplomático e internacional, além de, obviamente, permitir a resolução de casos criminais e recuperação de ativos, como vem a ocorrer na Lava Jato.

    O nobre Procurador sabe bem que o direito é apenas instrumento. Não existem normas jurídicas apartadas do contexto social, senão as meras leis de efeito concreto, que são, no mais das vezes, atos administrativos travestidos de legalidade por uma exigência de forma. Não dá para afiançar que os Tratados tem por objetivo só uma cooperação técnica desprovida de sentido, além disso.

    Para ficar em um exemplo claro, a norma determina que o representante do MP apresente denúncia, caso se depare com uma infração penal. No entanto, caso o MP se depare com uma situação de flagrante insignificância penal, o que deve fazer? Pedir o arquivamento. É uma consideração de ordem social. Ordem pública, como disse o Procurador. Se em uma situação dessas, o representante ministerial tem liberdade para não apresentar a denúncia, o que dizer de promover cooperações internacionais que podem levar a maior empresa do país a sofrer perdas imensuráveis no exterior, também para ficar em um exemplo claro?

     

    1. Recuperou ativos?

      Se o PIB brasileiro 3,8% menor que o de 2014, fechou o ano passado em R$ 5,904 trilhões, e os colegas do Aras ajudaram a derrubá-lo em 5%, a perda é da ordem de 300 bilhões de reais, já em 2016, com todas as consequências nefastas decorrentes. Se, da forma irresponsável, espetaculosa e ilegal que eles conduziram o que poderia ser uma investigação séria, eles conseguissem apurar algum valor desviado a ser devolvido ao país, ainda assim, o dano causado seria muito maior que TRÊS vezes o rombo do Banestado que eles mesmo abafaram lá nos anos 90. Então, além de não haver justificativas para a genuflexão do Brasil diante de competidores internacionais, por conta da ignorância e irresponsabilidade dessa gangue do Janot, não há possibilidade de recuperação de ativos que possa atenuar-lhes a dívida que assumiram com o nosso país. Sem considerar que o Santos Lima quer apropriar-se dos supostos recursos que imagina arrecadar como forma de honorários para a gangue, em pagamento ao desastre que causaram e estão causando e causarão mais, se não forem detidos.

      1. Claro que recuperaram…

        Não estou confundindo os efeitos extrajurídicos da Lava Jato com os efeitos jurídicos, em especial os oriundos da cooperação internacional, que é o assunto do debate. Houve recuperação de ativos e em valores expressivos. Reconhecer isso não impede de se fazer as críticas que você sugere, caro colega. O fato é que o instituto funcionou e permitiu identificar e recuperar ativos no estrangeiro. É a isso que me refiro, exclusivamente. Resta claro que o balanço da operação é desfavorável à economia. Mas é bem sucedido em alguns pontos, o que merece aprimoramento. 

  6. Não se deixa brecha.
    Não se pode deixar brechas na lei. O governo e o congresso erraram feio. E só posso entender que é por total falta de conhecimento. Não vamos minimizar a vaidade de ninguém na PF e MPF, mas é exigir muito dos concurseiros não é?

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