Uma lição valiosa

Estou sentado num café. Vejo um pai chegar com sua filha de um ano e pouco. Ele a coloca no chão e se vira para o caixa. A menina segura um pirulito em cada mão. Ela olha para mim e sorri, começo a prestar atenção nela. Enquanto o pai conversa com o caixa ela tenta enfiar o cabo de um pirulito dentro do outro.

“Ela não vai conseguir fazer o que deseja e derrubará os pirulitos no chão”, pensei. Depois de algumas tentativas ela consegue fazer o que desejava e fica feliz da vida. O pai se vira e a menina começa a separar os pirulitos. “E não é que ela conseguiu enfiar um pirulito no outro”, digo espantado. O pai fica cheio de orgulho ao descobrir o que a filha estava fazendo enquanto ele pagava o café. Esta cena trivial tem muitas coisas a nos ensinar.  

A primeira e mais evidente é a diferença que existe entre as coisas e a percepção que temos delas. Ao ver os dois pirulitos há distância de dois metros fui levado a concluir que eles eram idênticos. Mas eles eram aparentemente semelhantes, pois as hastes deles eram ligeiramente diferentes. Ao acreditar numa percepção defeituosa eu formulei uma hipótese errada.

A segunda é mais sofisticada. Ao formular uma hipótese com base numa percepção à distância não temos o direito de comunicá-la aquele que tenta realizar uma experiência. O aprendizado também pode ser fruto do erro. Além disso, há uma diferença evidente entre formular hipóteses à distância e manusear objetos (ou conceitos) durante um experimento.

A terceira diz respeito ao próprio ato de realizar experiências. Os pirulitos foram concebidos para serem devorados sem que as crianças fiquem com as mãos lambuzadas. A hastes deles não tem uma finalidade estética ou lúdica. Nenhum designer e fabricante de doces se daria ao trabalho de imaginar que os seus pirulitos poderiam ser utilizadas para a realização de experiências como aquela que eu presenciei. Eles querem apenas vender doces com lucro.  

O emprego dos pirulitos como se fossem brinquedos foi algo que brotou de forma espontânea na mente de uma criança criativa. O dado relevante aqui é sem dúvida alguma a criatividade daquela menina. A esmagadora maioria das crianças se limitaria a lamber um ou os dois pirulitos e a desprezar os cabos deles. No caso específico daquela menina, a realização de uma experiência e o resultado obtido deixaram ela mais feliz do que o próprio doce. Ela estava tão interessada no que estava fazendo que nem mesmo lambeu os pirulitos.

A hipótese que eu formulei foi bastante pessimista. A lição que aquela menina me deu foi bastante valiosa. Finalmente consegui entender o valor mais profundo das palavras de Gonzaguinha:

Eu fico com a pureza.

Da resposta das crianças.

É a vida, é bonita.

E é bonita.

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

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